segunda-feira, 8 de junho de 2020

O amor de Ofélia e Fernando

Jorge Finatto

photo: jfinatto, fev. 2018


UM DIA, em fevereiro de 2018, peguei o ELÉCTRICO 28 (o querido bonde lisboeta) e desci na frente do Cemitério dos Prazeres, uma espécie de Père-Lachaise português, onde, como em Paris, estão sepultados alguns nomes importantes das artes, literatura, política e ciência. Após descer (era o fim da linha), resolvi entrar. O atendimento na portaria é educado, um funcionário entrega um mapa ao visitante.

Fernando Pessoa (1888 - 1935) e Ofélia Queiroz (1900 - 1991) viveram um amor que ficou para a eternidade. Amor de namorados que não chegaram a se casar, porque assim tinha de ser. A numerosa troca de cartas, postais, telegramas, desenhos e bilhetes entre os dois está registrada em livros e revistas.

photo: jfinatto, fev. 2018

Ambos discretos e reservados, os papéis vieram à edição muitos anos após a morte de Pessoa, com consentimento de Ofélia. Uma edição completa foi publicada pela Assírio & Alvim em 2012, reunindo a correspondência. O acervo reúne 185 documentos. Neles se encontram palavrinhas inventadas pelo casal.¹

Já escrevi aqui sobre a relação deles e remeto o raro leitor ao texto.²

Me dirigi ao túmulo de Ofelinha, ou Bebé, como era tratada pelo namorado poeta. Seus restos mortais foram trasladados para o local em fevereiro de 2016 por decisão do Município de Lisboa. Mas ainda não foi desta vez que haviam de ficar juntos para sempre. Os restos mortais de Fernando Pessoa foram levados do Cemitério dos Prazeres para o Mosteiro dos Jerônimos, onde se encontram alguns dos grandes vultos nacionais portugueses, em 1985.

F. Pessoa, menino e homem. Casa Fernando Pessoa.
photo: jfinatto, fev. 2018

É um túmulo pequeno, discreto, mas quanta história naqueles vestígios de uma vida. Teria sido um amor malogrado? Acho que não, pensando bem. Se tivessem casado, teriam sido felizes? Não teriam caído na inevitável rotina dos casamentos em que as relações acabam em amizade, os amantes se transformando em irmãos? Isso quando não viram inimigos em guerra aberta. Quem sabe?

Fernando Pessoa casou consigo mesmo e teve filhos na figura dos heterônimos. Foram sua família espiritual. O resto era o mundo real que não importava muito.

Na lápide de Ofelinha há registro de dois trechos das cartas.


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¹ Cartas de amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz. Assírio&Alvim, 2012, Lisboa.

² O casal do Elétrico 28:
https://ofazedordeauroras.blogspot.pt/search?q=O+casal+do+el%C3%A9trico+28

Texto revisado, publicado antes em 19 de fevereiro, 2018. 

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