sexta-feira, 2 de outubro de 2020

"E se todos nós vivêssemos?"

 Jorge Finatto

duas rosas. photo: jfinatto

                                                

Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos? 
Carlos Drummond de Andrade, no poema O medo


A palavra morte é a palavra da moda. Nunca se pronunciou tanto como neste 2020. A boca fala o que o coração sente, parafraseando Mateus 12:34. Se for assim, atravessamos um momento em que o medo é um sol escuro no céu da nossa angústia. 

Não se trata apenas de uma palavra e seu sombrio significado, mas da vida que perdemos nos últimos 8 meses. A pandemia da covid-19 retraiu passos, limitou movimentos, mudou itinerários, mostrou que ninguém tem controle sobre nada. 

Temos ideias, projetos, sonhos, concentramos esforços em determinada direção. Mas o resultado final é imponderável.

O dia de amanhã é inescrutável como a face de Deus. 

O dia de hoje, por outro lado, tem um peso às vezes insuportável. Pelas perdas de muitas vidas todos os dias, pelo risco de que a peste nos alcance e nos leve para onde não queremos ir. Uma danação.

Não sei como isto vai acabar. Sei que mudanças estão ocorrendo rapidamente e coisas que antes pareciam improváveis tornam-se realidade. 

Para nós, do Brasil, que vivemos um dia a dia de enorme desestruturação social, violência, injustiça, indiferença dos governantes e da própria sociedade, a peste é só uma página a mais no triste livro da nossa história. Temos à volta todo o resto a nos sufocar. 

Olhemos as queimadas na Amazônia e no Pantanal e suas gravíssimas consequências sócio-econômico-ambientais. A desordem do clima, a destruição da fauna e da flora, os problemas na produção de alimentos, a tremenda poluição. 

Sem esquecer a depressão psicológica diante da falta de perspectivas em relação ao futuro.

Estou/estamos exaustos diante de tanto sofrimento. Ainda que não nos atinja diretamente (conservar-se com saúde é o que mais importa), o ambiente está carregado demais, difícil demais, dolorido demais. 

Precisamos celebrar a alegria de viver outra vez. Não imagino como a travessia se dará. Mas acho que virá aos poucos, como uma manhã de sol após a noite de tempestade. Será uma alegria diferente, que passará longe da celebração privada, fechada em si mesma, egoísta, excludente. Uma alegria simples, dividida entre todos. Como respirar.

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