Jorge Finatto
Nubes 2. jfinatto |
Hoje, no trem, um homem disse: "Sofro muito. Queria ir pra cama dormir e só acordar daqui a um ano". Falava por ele, mas também por mim.
Muitas madrugadas ele passa em claro. Lê no escritório desde revistas antigas até livros de arte, passando por ensaios, romances, quadrinhos, etc., numa voragem de leituras como nunca experimentou antes. É preciso domesticar a insônia, expulsar os pensamentos ruins.
Quando cansa de ler, perambula de um lado a outro da casa. Um fantasma como os que habitam os retratos nas paredes. Um deles, em especial, toca-o. Aquele em que aparece com a mãe. Devia ter 4 anos e parece tímido, mas está de bem com a vidinha.
Um dos problemas de envelhecer é que perdemos a mãe. Ele anda pela casa à espera de que os mortos saiam dos retratos para uma reunião de família. Não sabe o que a mãe diria a respeito dessa angústia. Provavelmente mandaria tomar um chá de camomila e depois dormir. "Para de te atucanar. Tudo vai passar." Que é, talvez, o melhor a fazer. Gostaria de acordar só depois que a peste fosse embora.
Medo? Falta de paciência para enfrentar o restante da terrível pandemia que, no Brasil, rivaliza com os piores desastres recentes da humanidade? Sim, isso também. Mas, acima de tudo, uma bruta exaustão, mais de ano vivendo a realidade traçada com tintas de horror.
A palavra mais falada hoje no Brasil é morte. Mas chega, já passou da hora de enriquecer o vocabulário, diz ele. Que tal substituí-la por re-viver, re-encontrar, re-abraçar, res-suscitar (estamos em plena Quaresma)? Para isso precisamos res-peitar as regras que impedem a propagação do vírus. O resto vem junto, pensa. E volta pro escritório.
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*Ese Hombre y otros papeles personales. Ediciones de La Flor. 3ª ed, pág. 266. Buenos Aires, 2012. Tradução livre do fragmento: Jorge Finatto. Palavras do escritor a propósito da morte da filha Vicki (María Victoria).