sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pessoa Revisitado

Jorge Adelar Finatto

A Casa Fernando Pessoa está realizando, desde 20 de maio, exposição de pinturas e desenhos que têm o poeta Fernando Pessoa como tema. As obras são de vários artistas e pertencem ao acervo da CFP, com belos trabalhos como este acima.

A CFP se situa na Rua Coelho da Rocha, nº 16, no bairro Campo de Ourique, em Lisboa. Nela o  grande poeta viveu entre 1920 e 1935, ano de sua morte.*


Para conhecer melhor a CFP, visite as páginas:

http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/

http://www.mundopessoa.blogs.sapo.pt/


Vale a pena.

__________ 

* Mais informações no post O Barbeiro de Fernando Pessoa, publicado neste blog em 15.04.2010.

Valsas Brasileiras

Jorge Adelar Finatto
 

Descobri há pouco tempo o cd Valsas Brasileiras, de Marco Pereira (foto). Foi um achado. Não conhecia o trabalho deste grande violonista. Trata-se de um violão límpido, harmonioso, sofisticado, sentimental. Marco Pereira nos põe em contato com sua arte que está à altura da melhor tradição dos virtuosos do instrumento em nosso país.

O disco apresenta um repertório apurado de valsas populares.

O artista nasceu em São Paulo, onde iniciou seus estudos musicais. Depois viveu e estudou durante cinco anos na França. Naquele país obteve o título de Mestre em Violão pela Université Musicale Internationale de Paris, defendendo tese sobre a música de Heitor Villa-Lobos (outro grande amoroso do instrumento), no Departamento de Musicologia da Universidade de Paris-Sorbonne.

Na volta ao Brasil, fixou residência no Rio de Janeiro.

Além de virtuoso, é compositor. Tem vários discos gravados, apresenta-se no mundo inteiro. 

Gravou com importantes músicos, Tom Jobim, Paulinho da Viola e Roberto Carlos, entre tantos.

É professor adjunto no Departamento de Composição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Conhecer a obra de Marco Pereira é um belo encontro com o violão e com o melhor da música.

_________ 

site do artista:


quarta-feira, 19 de maio de 2010

A solidão da palavra: partilha

Jorge Adelar Finatto


A solidão da palavra é, na verdade, partilha.

Escrever é particular e solitário como viver. É um modo de comunicação difícil, isolado, clandestino.

Não tenho hora para escrever, mas gosto da noite. Escrevo em qualquer lugar e não só no escritório. Posso escrever em avião, sala de espera, quarto de hotel, fila, ônibus, trem, banco de praça.

Também gosto de escrever nos cafés. É um estar sozinho acompanhado. Não importam as conversas, os ruídos do entorno. Escrevo à mão, em pequenos cadernos, em páginas de livros, folhas soltas.

Se fosse músico ou pintor, acho que não escreveria. A música e a pintura são linguagens universais. Não precisam tradução, intérpretes, obras de consulta, dicionários. Basta ouvir, ver e sentir. É o ideal da arte. Não é o caso do texto, que se limita àqueles que sabem a língua.

Escrever, escrever de verdade, com compromisso e sentimento, é ofício duro. Salvo raras exceções, não é possível viver de literatura. É necessário ter outra profissão para sobreviver. O tempo para escrever e ler é pequeno.

Uma ocasião alguém me perguntou como encarava o fato de escrever há tanto tempo, ter alguns livros publicados, e permanecer um autor desconhecido. Eu disse que via com naturalidade.

Olhando para os que vieram antes, encontramos cerca de quatro mil anos de passado literário. O livro de Gênesis, por exemplo, foi concluído por Moisés em 1513, antes de Cristo. Se tomarmos apenas os escritores que surgiram a partir da Idade Média, encontraremos centenas e centenas de bons autores esperando leitura.

O tempo do leitor é raro.

O mundo dos livros também é regido por leis de mercado. Certos escritores têm presença constante nos meios de comunicação, nos catálogos das editoras e nas estantes de livrarias, por diversas razões, principalmente comerciais. A qualidade literária nem sempre é o critério mais observado nesse processo. Então ser lido, mesmo por poucas pessoas, sendo escritor fora do mercado, é realmente uma coisa notável.

A solidão é nosso lugar no mundo. Cada um vive na sua ilha da maneira como pode. Palavras são barcos que abrem caminhos entre as ilhas.

_______ 

Foto: J. Finatto. Amanhece sobre o mar.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O habitante da casa de pedra


Jorge Adelar Finatto



O homem construiu em torno de si a difícil morada. Pedra por pedra, dia após dia. Era uma casa onde a tristeza e o sofrimento não podiam entrar. Os vizinhos da rua estranharam o tamanho daquela ausência. Como podia alguém se retirar do mundo daquele jeito? A casa foi erguida em paredes de duríssimo basalto. Não tinha porta nem janela. 

Às vezes o homem sentia saudades do mar e dos navios que passavam, à noite, com suas luzes no horizonte. Fazia muito frio na casa de pedra. O frio tomou conta do corpo do homem. Ele vivia os dias enrolado num grosso cobertor que o cobria do pescoço aos pés.

Não se ouviam passos nem vozes na casa de pedra. Nem gritos de alegria, nem choros.

Nos longes onde foi morar, o homem decidiu que não ia mais levantar da cama. Passou a dormir na maior parte dos dias. Raramente saía do escuro quarto. De tanto não sofrer, tinha se livrado da convivência com as pessoas. Ninguém nunca conseguiu entrar na casa.

Uma certa tarde o homem adormeceu e sonhou com o mar. Viu os barcos coloridos na praia. Não havia ninguém na areia. Só as palmeiras  olhando o azul. Ele não conseguia mais recordar nenhum rosto humano. Nem mesmo o seu, uma vez que tinha retirado todos os espelhos da casa.

A paisagem foi se apagando aos poucos, entre reflexos que pareciam o sol entrando nas águas. Naquela tarde o homem adormeceu pela última vez.

A espessa solidão se cumpriu.

________

Foto: J.Finatto

domingo, 16 de maio de 2010

Transe

Jorge Adelar Finatto



Nesta noite clandestina de maio
não há solidão: é o vento
nem memória: é vento
o dia de amanhã (ainda não existe): vento

não vem o fim
não vem o sono
nem a esperança de quem perdeu:
vento

_______

Do livro Claridade, co-edição Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, Porto Alegre, 1983.

Foto: J.Finatto

sábado, 15 de maio de 2010

Com Garzón*

José Saramago

As lágrimas do Juiz Garzón hoje são as minhas lágrimas. Há anos, a um meio-dia, tomei conhecimento de uma notícia que foi uma das maiores alegrias da minha vida: a acusação a Pinochet. Este meio-dia recebi outra notícia, esta das mais tristes e desesperançadas: que quem se atreveu com os ditadores foi afastado da magistratura pelos seus pares. Ou melhor dito, por juízes que nunca processaram Pinochet nem ouviram as vítimas do franquismo.

Garzón é o exemplo de que o camponês de Florença não tinha razão quando, em plena Idade Média, fez dobrar os sinos a finados porque, dizia, a justiça havia morrido. Com Garzón sabíamos que as leis e o seu espírito estavam vivos porque as víamos actuar. Com o afastamento de Garzón os sinos, depois do repique a glória que farão os falangistas, os implicados no caso Gürtell, os narcotraficantes, os terroristas e os nostálgicos das ditaduras, voltarão a dobrar a finados, porque a justiça e o estado de direito não avançaram, nem terão ganho em transparência e quem não avança, retrocede. Dobrarão a finados, sim, mas milhões de pessoas sabem reconhecer o cadáver, que não é o de Garzón, esclarecido, respeitado e querido em todo o mundo, mas o daqueles que, com todo o tipo de argúcias, não querem uma sociedade com memória, sã, livre e valente.

___________

No se entiende

El Poder Judicial suspende a Baltasar Garzón

por investigar los crímenes del franquismo

http://www.elpais.com/articulo/espana/Poder/Judicial/suspende/Baltasar/Garzon/investigar/crimenes/franquismo/elpepuesp/20100514elpepunac_4/Tes

*

"Afronto el proceso con la tranquilidad de saber que soy inocente"

Baltasar Garzón

"No se afrontan las situaciones complejas con optimismo, sino con tranquilidad, con la tranquilidad que da saber que soy inocente de lo que se me acusa. Como hombre respetuoso con la ley, sólo me queda asumir la decisión de mañana ejerciendo mi defensa para que quede absolutamente clara cuál es la situación".

__________ 
 
 *Publicado com autorização da Fundação José Saramago

http://www.josesaramago.org/

Texto divulgado no site da Fundação em 14/05/2010.

A grafia é a de Portugal.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Un certain regard

Jorge Adelar Finatto


Um certo olhar. Tudo se resume ao modo como se olha a vida. E há infinitas maneiras de senti-la. Me perdoem os betas, os alfas, os ipsilones, gamas e zetas. Mas acho que o grande ora-veja da vida são  os filhos. Os filhos com seu afeto, sua doce presença, suas tosses e febres, seus medos do escuro, seus pesadelos, seus passos, alegrias e risadas. Os filhos que nos dão a chance de viver uma outra infância. Eles reinventam o mundo, não o sério, pesado e triste que enfrentamos todos os dias. Mas um outro, onde ainda existe calor humano, esperança, onde as células boas se reproduzem infinitamente, ao contrário das más, que desistem e desaparecem diante da beleza da vida. Se alguém está em dúvida: filhos. Biológicos, adotivos, pouco importa. Todos nascem no mesmo coração.

Em suma: as mulheres são os seres mais bonitos que Deus pôs no universo. Depois dos filhos, claro. O resto são nuvens e literatura.

_______

Foto: J.Finatto. Passo dos Ausentes. Vale do Olhar.