quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quase primavera

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto - orquídea


Nem bem extintos os últimos raios, trovões e ventanias, pressinto os começos da nova estação. São apontamentos que se inscrevem aqui e ali no intermezzo de agosto.

photo: j.finatto - flor de pessegueiro

Saudade é isto que eu sinto dos dias de luz grata e benigna na janela do amanhecer.

photo: j.finatto - flor de magnólia
   
A primavera é certa como os primeiros ramos dos pessegueiros em flor.

photo: j. finatto - flor de magnólia
 
A inflorescência principial anuncia-se no entorno da casa. A claridade de Deus levanta-se neste lado do mundo. Bem-vinda sejas tu, que atravessas a escuridão.

photo: j.finatto - camélia

Que venham as manhãs carregadas de flores no silêncio de setembro.

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Fotos: feitas com máquina Sony dsc-hx1, em 16 agosto, 2011. Passo dos Ausentes.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Moça na tarde lilás

Jorge Adelar Finatto


Ela vem bela pela rua triste. É tarde e já chove.

Embaixo das flores dos jacarandás, o mundo é um guarda-chuva lilás.

Ela vem triste, na bela rua dos jacarandás. Chove na tarde e o mundo cheira a lilás.

O guarda-chuva não protege a moça de estar só na tarde.

Ela vem sozinha e atravessa a chuva.

O mundo é belo. A tarde é lilás.

O coração da moça chove na tarde dos jacarandás.

Ela vem na calçada coberta de flores.

A moça é a luz que alumia a rua triste.

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Foto: Jacarandá mimoso. Fonte: Wikipédia. Autoria: Conservatoire Botanique National de Mascarin.

domingo, 14 de agosto de 2011

A falta que eles fazem

 Jorge Adelar Finatto

photo: j. finatto

Penso no quanto esta data, Dia dos Pais, é um atrapalho na vida de muita gente que não tem pai. Vivemos num país em que a paternidade amorosa e responsável ainda é exceção.

Mãe presente, pai ausente, esta é a realidade da maioria das famílias brasileiras.

A figura paterna, na vida de milhões, é um retrato sem rosto.

No tempo de menino, costumava faltar à escola no dia dessa comemoração. Sem pai, ficava muito difícil participar. Notava certo estranhamento por parte dos colegas e mesmo de alguns professores, em relação a nós, os sem pai. Nos olhavam como se carregássemos um grave defeito.

Antonio Carlos Jobim, o nosso grande maestro, disse em certa ocasião, citando uma frase do escritor Pedro Nava: “Quem fica órfão em tenra infância segue pela vida sem um braço”. Referia-se Tom à circunstância de ter perdido o pai muito cedo, quando tinha apenas oito anos. ¹ Seu pai, e da mana Helena, Jorge Jobim, era gaúcho de São Gabriel.

A ausência paterna é um dado cultural e sociológico do Brasil. Não sei a extensão disso em outros países. Entre nós, o problema começou já no início da colonização portuguesa. Os colonizadores vinham para cá sem mulher e sem família, para aventurar, fazer fortuna e depois regressar ao país de origem.

A população portuguesa, na época do descobrimento, não era suficiente sequer para ocupar o seu próprio território. Diferente da situação ocorrida nos Estados Unidos, em que o colonizador inglês chegava com a família para tomar posse da colônia e ali construir a vida. 

Iniciou-se no Brasil violenta exploração sexual de mulheres índias e de negras escravas. Com o advento das casas grandes, o abuso de negras cativas tornou-se comum por parte dos senhores de escravos. Os filhos varões desses proprietários de gente iniciavam a prática sexual na senzala. Nasceram legiões e legiões de filhos mulatos, que naturalmente não eram reconhecidos. As crianças se criavam sem pai, porque só havia a mãe, e todos trabalhavam desde cedo para os donos da propriedade. ²

Contudo, a violência e as privações sofridas por nossas ancestrais índias e negras não apagaram nelas o traço da maternidade. Foram mulheres lutadoras que levaram a vida adiante com seus meninos e meninas sem pai. Passaram esse amor e esse compromisso para as gerações futuras.

O Brasil é fruto desses ventres antigos e sofridos.

A sociedade brasileira tem na expressão materna o núcleo não apenas da geração da vida como de sustentação da nossa frágil organização social.

Disso, desta falta de compromisso paterno, colhemos ainda hoje o bem e o mal.

Os homens, por falta de educação voltada à responsabilidade familiar, muitas vezes não assumem com clareza seu papel. E se acomodam numa espécie de limbo, incentivados pela cultura em que são criados.

Isto está mudando? Acho que sim, tomara que sim.

De modo que, nesse Dia dos Pais, minha homenagem vai para todas as mães que estão ao lado de seus filhos e filhas sem pai, criando-os amorosamente, às vezes sem nenhum apoio, na raça, porque isto é a coisa certa a fazer.

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¹ Caderno de Literatura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre ,  Ano V, número 9, pág. 9, 2001.

² Casa-Grande & Senzala. Gilberto Freyre. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, págs. 306/316, 1980.

sábado, 13 de agosto de 2011

A grandeza dos pequenos filmes

O Cavaleiro da Bandana Escarlate

photo: j.finatto

Neste momento em que preparo o saco de viagem pra voltar pra casa, faço um balanço do que vi no Festival de Cinema de Gramado.

Não vi tudo. Simplesmente porque não consigo passar o dia dentro de salas de projeção. Me dá falta de ar e de céu sobre a cabeça. Mas acho que consegui ver uma parte significativa do que passou. 

Curtas

A minha impressão é de que poucas vezes houve uma safra tão boa de curtas-metragens como nesta edição do festival. Ousaria mesmo dizer que o ponto alto do evento foram os curtas, mais bem realizados do que boa parte dos longas. Os pequenos rolos deram banho de qualidade e emoção.

Penso que a escolha do melhor curta será bastante difícil. Aponto seis deles que podem tranquilamente ganhar o Kikito:

- Um outro ensaio. Direção: Natara Ney. Sinopse*:

Um casal apaixonado vê seus planos interrompidos quando ela sofre um acidente e fica
cega. Ambos lutam para se adaptar à nova situação em suas vidas. Enquanto ela
tenta endender o mundo na escuridão, ele faz de tudo para cuidar da mulher que ama.

A construção da narrativa é inovadora e muito bem feita, os atores têm bom desempenho e o final proporciona momento de grande emoção.

- A melhor idade. Escrevi sobre o filme na terça-feira passada. Um belo trabalho.

- Qual queijo você quer. Direção: Cíntia Domit Bittar. Sinopse:

Margarete é uma senhora de idade que tem um súbito ataque de raiva quando seu
marido, Afonso, pergunta se ela pode trazer um queijo da venda. O queijo acaba sendo a faísca para uma discussão sobre como o casal levou a vida durante décadas de convivência, os planos que não realizaram e os sonhos que não viveram.

Filme ótimo na concepção e no desenvolvimento. É a própria vida que está na tela, com suas grandezas, pequenezas e, sobretudo, sentimento. É um trabalho na linha do bom cinema argentino, simples, bem realizado, rico.

Casal protagonista de Qual queijo


- Polaroid Circus. Poderá surpreender, embora, como escrevi na terça-feira, sinto que lhe falta uma história à altura da excelente fotografia e brilhante trilha musical.

- Ribeirinhos do asfalto. Direção: Jorane Castro. Sinopse:

Deisy mora na Ilha do Combu, do outro lado do rio, na frente de Belém. Ela sonha em ir morar na cidade, no meio de todas as luzes que ela vê de noite na sua casa na entrada
da mata. Com a ajuda de sua mãe, ela vai tentar realizar este desejo.

Com belo desempenho da atriz Dira Paes, este é um bom filme, mostrando a vida dessa famíllia entre o início da floresta amazônica e a cidade de Belém, no Pará. Dira é a mãe de Deisy e enfrenta até o marido para proporcionar a mudança da filha para a cidade, em busca de estudo e de uma vida melhor.

- Rivelino. Direção: Marcos Fábio Katudjian. Sinopse:

“Rivellino” narra o encontro de Jonas e o Doutor Mascarenhas num ônibus intermunicipal. Jonas é um homem de trinta anos, recém saído da penitenciária, onde
cumpriu dez anos por tráfico de drogas. Doutor Mascarenhas é ninguém menos que o
promotor responsável por sua condenação.

É um trabalho interessante, num tema pouco explorado pelo cinema, o do encontro de autoridades do sistema judicial com pessoas que foram condenadas criminalmente. A súbita aparição de um elemento externo, o ex-jogador de futebol Rivelino, estabelece uma ponte entre o apenado e o promotor do caso.

Esses foram os curtas que mais me impressionaram. Se fosse escolher um para ser o premiado, ficaria com Qual queijo você quer? por revelar maior harmonia entre todos os ingredientes: roteiro, direção, fotografia, música, interpretação, intensidade, tocando por completo a emoção do espectador.

Em segundo lugar, escolheria Um outro ensaio.

A melhor trilha sonora e a melhor fotografia pertencem a Polaroid Circus.

Melhores atores: José Wilker (A melhor idade), Dira Paes (Ribeirinhos do Asfalto) e Henrique César e Amélia Bittencourt (Qual queijo você quer?). Não necessariamente nessa ordem.

Mas qualquer escolha que vier a ser feita pelo júri será bem-vinda, creio eu, porque o equilíbrio entre os curtas é grande.

Longas

Os dois melhores longas que vi foram o chileno La lección de pintura e o brasileiro As híper muheres. Sobre eles escrevi na quarta-feira passada. Reforço aqui aquelas impressões.

Resumo da ópera

Pra mim, este foi o festival dos curtas-metragens, pela qualidade das obras apresentadas.

Sugestão

Ante a variedade e importância dos curtas, sugiro que os organizadores, em acordo com os produtores dos filmes, façam um dvd com todos eles, disponibilizando-os no mercado com o selo do Festival de Cinema de Gramado.

Até 2012

Agradeço a Alberta de Montecalvino o convite para fazer esta cobertura e também ao blogue pela oportunidade.

Muitas coisas ficaram por dizer. Quem sabe na próxima.

A Yamaha 250, ano 1975, me espera diante do hotel, preta, metálica, louca por estrada.

Um abraço.

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Site oficial do Festival de Cinema de Gramado:
Foto de Qual queijo você quer? reproduzida do Diário Catarinense online:

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Conde de Lautréamont e as magnólias

O Cavaleiro da Bandana Escarlate

As magnólias só se entregam a quem foge das salas fechadas, numa tarde azul.


photo: j.finatto

Saio a passear na tarde azul de Gramado (enfim, o azul voltou), fugindo da sala escura do cinema, numa espécie de vingança, após esses dias de claustro. Levo comigo o poeta Isidore Ducasse (Montevidéu, 1846 - Paris, 1870), que me acompanha nessa aventura ao Festival de Cinema. O amável e tristonho Conde de Lautréamont, como gosta de ser chamado, habita o velho e grosso volume de Os Cantos de Maldoror.   

Como é de seu costume, Lautréamont resolveu sair das páginas do livro e me faz companhia durante a viagem. Ele gosta de ficar na mesinha diante da janela do quarto de hotel. Escreve coisas a lápis num antigo calepino. Às vezes, levanta-se e olha a cidade e seus telhados. Observa o Vale do Quilombo em frente. Ali, de vez em quando, uma águia mergulha em diagonal entre os penhascos, após emitir estridente guincho.

Com sua roupa do século XIX, colete e gravata de lacinho, anda a meu lado pelas ruas calmas. Fica muito admirado de ver tanta gente jovem conversando animadamente, entrando e saindo dos cafés, do cinema, ocupando a praça, tirando fotografias. Tudo tão diferente da minha triste vida em Montevidéu e Paris - confidencia.


photo: j.finatto

Fica encantado com o brilho das magnólias que povoam a cidade. Elas se parecem muito com aquelas que havia no jardim lá de casa, na Ciudad Vieja, diante do Rio da Prata - diz o poeta.

O meu amigo tem razão de emocionar-se. As magnólias são o grande espetáculo de Gramado e do resto da serra gaúcha no inverno. Contudo, poucos se dão conta disso.

As magnólias só se entregam a quem foge das salas fechadas, numa tarde azul.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino. Como o blogue não tem mecenas, o Cavaleiro paga todas as suas despesas e acha que está muito bem assim.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Na tarde fria e nevoenta de Gramado, todos somos celebridades

O Cavaleiro da Bandana Escarlate

photo: j.finatto

Alguns haverão de encontrar encanto em sair do cálido quarto de hotel, abandonar a leitura da antologia de contos de Juan Carlos Onetti e mergulhar na paisagem gelada e nevoenta de Gramado para assistir filmes no Festival de Cinema. Tenho lá minhas dúvidas sobre isso.


photo: j. finatto

No hotel onde estou hospedado há tantos astros, estrelas, diretores e gente envolvida com cinema, que até um anônimo como eu chama a atenção. Tenho participado de variadas rodas sobre temas relacionados ao mundo da tela grande. Não que eu queira. Simplesmente me pegam pelo braço no corredor, no café, no jardim, como se fosse um deles, e me levam pra lá, pra cá.


photo: j.finatto

Não é de bom tom perguntar-se o nome dos outros nesse ambiente, supondo-se que entre nós, celebridades, existe o recíproco reconhecimento. A mim chamam-me Carlos, o Carlinhos do 707. Pertenço agora à malta. Eu, que sou como um peixe navegando nesses mares de Deus, sempre gostei deste nome e já agora me sinto à vontade com a nova identidade.

Um diretor famoso cismou de dizer, num desses encontros, que, no início da carreira, trabalhou como meu assistente num filme, que eu lhe dei a primeira oportunidade. Espantado, tentei dizer que não, não era bem assim. Mas ele imediatamente retrucou:

- Além de tudo, humilde.

Os presentes aplaudiram. Limitei-me a esboçar um tímido aceno.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino. Como o blogue não tem mecenas, o Cavaleiro paga todas as suas despesas e acha que está bem assim.

Festival de Cinema de Gramado 2011. Com licença, realidade: chegou a hora da ilusão (V)

O Cavaleiro da Bandana Escarlate


photo: j. finatto

Troféu Oscarito. A cerimônia de entrega do Troféu Oscarito a Fernanda Montenegro, 81 anos, ontem à noite, no Palácio dos Festivais, foi simples e emocionante. A grande dama do teatro, cinema e televisão mostrou, em poucas, justas e ternas palavras, a sua nobreza, serenidade e qualidade humana. Lembrou do extraordinário ator Oscarito, que chegou a conhecer, e também do ator Ítalo Rossi, com quem trabalhou várias vezes, que morreu na semana passada. Fernanda, não bastasse o talento que Deus lhe deu, é alguém que nos transmite dignidade, confiança, gratidão, carinho. O teatro encheu-se de aplausos para a atriz.


Fernanda Montenegro, à direita. photo: j.finatto


La lección de pintura. Um belo longa-metragem chileno, com fotografia intensa e impecável. O diretor Pablo Perelman disse que retirou a história de uma pequena novela (não mais do que 35 páginas) de um escritor de seu país que também era pintor, já falecido, adaptando-a. Um menino filho de mãe solteira, numa cidadezinha do interior do Chile, considerado um gênio da pintura, tem sua trajetória bruscamente interrompida pelo golpe militar contra Salvador Allende. Há também a complexidade psicológica dos personagens, a narrativa precisa e humana. É um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos.

As híper mulheres. Impressionante longa brasileiro, na linha do documentário. Aborda o povo indígena Kuikuro, do Alto Xingu, no estado do Mato Grosso.  O filme trata do maior ritual feminino daquela região, o Jamurikumalu. Mostra a cultura daquele povo e, nela, a forte presença feminina em relação àquele rico universo. Dirigido por Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino.