Jorge Finatto
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photo: jfinatto |
Na sala de cirurgia, gente vestida de branco, teto alto, máscaras, luz chapada sobre seu corpo. Uma vaga claridade entrava pela janela fechada. Um sono longo e induzido. O corte, o sangue, aparelhos. A urgente luta pela vida.
Tinha passado muitos anos ilhado em gabinetes, mergulhado em processos, decifrando histórias, conflitos, decidindo destinos. Enquanto habitava a ilha, o Guaíba fluía sonoro do outro lado da janela.
O rio e seus barcos. O rio e seus peixes. O rio e os admiradores do pôr do sol. O rio e a promessa de viagens nunca feitas.
Os sonhos há muito tinham batido em retirada. Quando foi a última vez que teve tempo para si, para a família e amigos? Não lembrava mais.
Pensava nessas coisas nas noites do hospital, deitado na cama, quando a dor cedia. Voava na nuvem gris, entre brancos aventais e a parafernália eletrônica.
Depois ficou tudo pra depois.
Passou a olhar o mundo com outra mirada. Nada valia mais do que estar vivo, vivo simplesmente.
O risco de desaparecer fez com que se voltasse, sem mais demora, para o que havia de mais precioso na Via Láctea: o pequeno planeta dos seus afetos. Somos um sopro de Deus, pensou.
Precisava sobreviver e chegar do outro lado daquele rio sem margens. Uma oportunidade foi tudo que pediu a Deus.