sábado, 9 de outubro de 2010

Menestrel virtual

Jorge Adelar Finatto


O blogueiro é como o menestrel de antigamente. Leva na mão o alaúde. Entrega seu verso e sua prosa a quem quiser, em troca de um pouco de atenção.

Escrever num blogue tem virtudes. A principal delas é, talvez, evitar a derrubada de árvores para publicação de livros. O blogue se constrói no meio imaterial, não agride a natureza. É abstrato como um fantasma.

Ninguém cheira nem toca as páginas do blogue. Nesse sentido (como em muitos outros), o livro é insubstituível. A utilização do ambiente virtual é uma necessidade e uma saída diante da profusão de pessoas que estão escrevendo.

O autor do blogue pode alterar o que escreveu a qualquer tempo, e isto é importante para melhorar a qualidade do texto (principalmente em se tratando de blogue literário). O texto está em permanente construção.

No momento em que se pressiona a tecla "publicar", o conteúdo vai para o espaço infinito e pode ser lido por qualquer habitante deste e de outros planetas.

A solidão compartilhada dá um sentimento de companhia na dura vida da escrita.

Haverá, de fato, leitores interessados no que escrevemos? Ninguém sabe. O que importa é que o recado está na rede. As palavras estão à procura de quem as leia e, quem sabe, também as ame.

O blogueiro, tão parecido com o ancestral troglodita, vive ruminando e anotando na sua caverna virtual, em busca de comunicação.
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Foto: J. Finatto

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Não me abandones

Jorge Adelar Finatto

a Chet Baker


Não me abandones
povoa a noite
com teu suprimento
de afeto

enche o deserto
com teus passos

em segredo
devolve-me
a delicadeza
daqueles dias

me dá outra vez
o diamante
da tua
presença

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Poema do livro O Habitante da Bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
 
Foto: J. Finatto
 

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Edgar Morin

Jorge Adelar Finatto


Viver, para mim, é também inconcebível, incrível, maravilhoso e horrorizante. A mosca, a borboleta, a viúva- negra, e também o gato e o cão, trazem-me de volta sem cessar esse mistério. Porque o mistério, para mim, não está somente nos problemas insolúveis para nossa razão e nosso espírito; ele está na vida cotidiana. Edgar Morin *

O filósofo francês Edgar Morin, 89 anos,  afirma que não teme que o chamem de traidor. Isto já aconteceu quando defendeu os direitos humanos, em prol da vida com dignidade e liberdade.  Seus acusadores foram injustos, obtusos e sectários.

Em julho do ano passado, ele esteve no Brasil, onde proferiu a palestra Pensar o Sul, no Sesc de São Paulo. Na ocasião, presenciou ao lançamento da página a ele dedicada  na internet pelo Portal SescSP.

Mesmo sendo judeu de origem, Morin, que também é sociólogo, historiador e economista, declara que Israel tem uma postura colonizadora e dominadora. Não se mostra otimista em relação a uma solução para o impasse entre israelenses e palestinos. Manifesta "compaixão pelos palestinos que sofrem as misérias e humilhações de uma ocupação", segundo afirmou em entrevista ao jornalista Antonio Gonçalves Filho, publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo, em 02 de agosto de 2009.

Não existe qualquer traição em denunciar o injusto, como faz Morin. O cerco de Israel aos palestinos é abusivo e violento. O comportamento ético do estado judeu é inaceitável e não aponta qualquer  solução.  Israel pensa em manter a dominação e a humilhação dos palestinos pela violência e isso é tudo.

É preciso ficar claro, também, que muitos judeus, em todo o mundo, são contra a política israelense. Não deixa de ser contraditória a atitude do estado de Israel, considerando a história de perseguições e terríveis violências contra o povo judeu, sendo a mais recente o holocausto promovido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, com o extermínio de seis milhões de judeus em campos de concentração.

Na França, Morin também foi chamado de traidor por se manifestar contra a guerra da Argélia (1954 - 1962), em que os argelinos lutaram pela independência do país diante da dominação francesa, o que só ocorreu em 1962. Também aqui nenhuma razão assiste a seus detratores, mais uma vez a história lhe deu razão.

Antes ainda, o filósofo foi considerado traidor por alguns socialistas, por resistir à sedução e dominação do regime stalinista, na União Soviética e seus apêndices. A extrema violência da era Stalin, a negação dos direitos humanos, da democracia e da vida dos opositores são fatos conhecidos. Aqui, mais uma vez, prevaleceu a lucidez de Edgar Morin em suas observações.

O pensamento totalitário chama de traidor aquele que enxerga de modo diferente, ao olhar que aponta o erro, a ignorância, o assassinato como meio de luta. Nas vezes em que o acusaram de traição, Edgar Morin opôs-se corajosamente às investidas fascistas e homicidas contra o ser humano.

O pensador francês acredita num futuro humanista para o mundo, baseado numa reforma educacional e moral, em que o fator dominante seja a solidariedade planetária, construída por pessoas de boa vontade decididas a criar uma nova civilização.  Neste processo, acredita, o Brasil poderá ter papel importante e até decisivo, levando em conta sua miscigenação cultural e a biodiversidade da Amazônia. Considera que o Brasil pode ser o país do futuro, desde que enfrente seu maior obstáculo: a corrupção, conforme declarou na brilhante entrevista a Antonio Gonçalves Filho.

Ouçamos Edgar Morin.

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* Excerto do texto de introdução ao site Edgar Morin, criado pelo Sesc de São Paulo.
Vale a pena conferir este excelente trabalho:
http://www.edgarmorin.org.br/
Foto: Edgar Morin, no Rio de Janeiro, por Lila Rodrigues. Fonte: Portal Sesc SP, no site dedicado ao filósofo.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Orquídea, sim, orquídeas

Jorge Adelar Finatto


 


 

























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Fotos: J. Finatto

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Retrato achado no fundo da gaveta

Jorge Adelar Finatto


A estrada velha da serra anda em curvas febris, lambe a beirada dos peraus, cai e levanta em vertigem. Plátanos à margem, com folhas novas, lembram bandeirolas ao vento. Bosques de pinheiros surgem aqui e ali. Algum córrego azul atravessa a tarde. O chapéu de palha sob nuvens  muito brancas. Imemoriais cercas de taipa habitam o silêncio. A casa de enxaimel sorri com as janelas abertas.

No pátio, o poço de água boa.

Um dia o menino adormeceu embaixo do pinheiro grosso. Trazia o balde cheio de ameixas amarelas. Acordou com a chuva suave escorrendo na face. Um cheiro morno de erva do campo impregnava o ar. Lá longe um avião fazia um risco no céu. Em casa o esperava o cheiro de pão feito no forno do fogão a lenha e do café recém passado. A mãe cantava enquanto passava roupa.

Muitos anos depois o menino olha através da janela. A chuva cai mansa no seu coração e molha o retrato.

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Foto: J. Finatto. Restaurante Roda Dágua, Nova Petrópolis.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Elvis Costello

Jorge Adelar Finatto


Um repertório apurado, uma voz cálida e interpretações únicas fazem de Elvis Costello um dos grandes artistas da atualidade. O cantor e compositor inglês apresenta um programa de entrevistas num canal de tv a cabo (não lembro qual), nos sábados à noite. No início de setembro, ele conversava com uma cantora e ela perguntou-lhe se lia muito. Costello respondeu que não, existem muitos livros, bons autores, mas ele prefere dedicar todo seu tempo à música.

Gostei da sinceridade, não desconversou. Ler é bom e importante, mas  isso não significa que quem não lê será expulso do paraíso. Há coisas muito mais graves, como não conseguir ser um pouco feliz. E ninguém se engane: mesmo entre escritores,  existem aqueles que pouco ou nada leem. Como conseguem, eu não sei.

Elvis Costello é casado com a canadense Diana Krall, ótima cantora de jazz que já se apresentou em Porto Alegre. Ele passa uma imagem de pessoa íntegra, transparente, bastante concentrada no que faz, e que respeita  os outros. Tenho um dvd de Chet Baker em que Costello aparece como apresentador. É muito bonita a forma reverente como trata o genial trompetista americano, que morreu em Amsterdam  em 1988.

Num tempo em que ser sincero e respeitoso não está em moda, Costello é uma referência. Se juntarmos isso ao seu talento, concluímos que vale a pena conhecê-lo melhor e prestar atenção no seu belo trabalho, como, por exemplo, o cd que gravou em 1998 com Burt Bacharach.

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Foto: Elvis Costello. Divulgação.

Coisas que voam na primavera

Jorge Adelar Finatto


O frio dos últimos dias nos remete a um inverno tardio. Como sempre, o vento sopra em Passo dos Ausentes. O vento da primavera é menos espesso que o do inverno. É um vento jovem, carregado de bom humor nos seus rodopios. Quando canta, são leves as canções.

Outubro vira velozmente as folhas do calendário. 

Os dias correm em catadupas para o fim do ano, fazem girar o misterioso moinho.

Esse vento de primavera não tem rumo certo. Nem o coração.

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Foto: J. Finatto