quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Alguém visitou

Jorge Adelar Finatto


Alguém visitou
minha tristeza
soltou as gaivotas
no azul insular

não quero ser doido
desmemoriado
habitante
do penhasco

embora só
quero estar junto

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Do livro O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
Foto: J. Finatto

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Caso Cesare Battisti

 Jorge Adelar Finatto


Ainda não consegui entender a decisão do governo brasileiro de negar a extradição de Cesare Battisti para a Itália. Na sexta-feira passada, 31/12/10, no último dia de seu mandato, o Presidente Lula decidiu não extraditar o ex-ativista político italiano, condenado à revelia por quatro homicídios em seu país. A Justiça Italiana aplicou-lhe a pena de prisão perpétua pelos assassinatos ocorridos entre 1977 e 1979, época em que Battisti (que nega as acusações) integrava o grupo Proletários Armados pelo Comunismo.

A decisão condenatória foi tomada nas três instâncias da Justiça Italiana. A Corte Europeia de Direitos Humanos, à qual recorreu Battisti, entendeu que no julgamento não houve ofensa ao seu direito de defesa e nem nulidades processuais  por perseguição política (ver, a propósito, comentários no blog do jurista Walter Fanganiello Maierovitch, em 22/02/10 e 03/01/11: maierovitch.blog.terra.com.br).

Não encontro justificativa jurídica ou humanista para a decisão do Presidente Lula, adotada com base em argumentos da Advocacia-Geral da União (AGU), entre eles o do alegado risco para a integridade  da vida de Battisti no caso de ser extraditado.

A Itália é um país democrático, uma das grandes democracias do mundo, e o seu Poder Judiciário é uma instituição respeitada. Não se trata de uma ditadura na qual se restrinjam direitos humanos dos cidadãos. Nem existe notícia de que o Judiciário daquele país aja movido por vingança ou perseguições de qualquer espécie, pelo contrário.

Não cabe ao Brasil, portanto, negar à Itália o direito de executar uma decisão soberana. Como em nosso país não existe a pena de prisão perpétua, a extradição, se concedida, restringiria a sanção a 30 anos de prisão, máximo permitido pela legislação penal brasileira.

As nações democráticas devem-se respeito e colaboração entre si, sob pena de favorecer a impunidade e o avanço do crime organizado, que hoje, como se sabe, opera além fronteiras.

Cesare Battisti encontra-se preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília, à espera de uma definição do caso, que agora foi remetido para deliberação ao Supremo Tribunal Federal. As autoridades italianas estão indignadas com a decisão e pretendem dela recorrer junto ao STF e à Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia, na Holanda, mesmo que esta não tenha força vinculante.

Hoje é a Itália que exige respeito a uma decisão soberana e democrática. Amanhã poderá ser o Brasil.

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Foto: Cesare Battisti na Penitenciária da Papuda, em Brasília, em 17 de novembro de 2009. Autor: José Cruz, da Agência Brasil. Fonte: Wikipédia.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A viagem da umbela

Jorge Adelar Finatto


Agora todos estão dormindo. Escuto o sino que bate na pequena igreja ao longe. Gosto desse som pela música ancestral que ele traz. Estou sentado diante da janela do escritório. Não leio nem escrevo nada. Respiro o ar fresco da noite e é uma ventura esse respirar.

Em certos dias o coração fica seco. Não navego nenhum mar. Nenhum barco me leva. Parado no cais noturno.

Um guarda-chuva passa voando sobre os telhados de Passo dos Ausentes. A mão invisível o carrega pelo ar. De onde veio, pra onde vai? Outras coisas mais pesadas que o vento voam nos Campos de Cima do Esquecimento a essa hora.

Uma aquarela serrana surge em silêncio. Pinceladas de um delicado pintor. A cálida pintura se compõe e se desfaz a cada instante. Nenhum traço jamais se repete. A vida se transforma. A dor acontece e passa.

O guarda-chuva vai perdendo altura e cai no jardim abandonado na neblina. Calado e feliz como um viajante que acabou de chegar. O dia amanhece.
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Foto: J.Finatto

domingo, 2 de janeiro de 2011

Miséria e corrupção

Jorge Adelar Finatto


No discurso de posse, a Presidenta Dilma Rousseff disse, ontem, que seu governo combaterá a corrupção e empenhará todos os esforços pelo fim da miséria em nosso país. Não sei se as alianças políticas feitas para sua eleição permitirão um ataque frontal à corrupção e à má utilização do dinheiro público, que são, de longe, os maiores problemas do estado brasileiro. Partidos políticos retrógrados e conservadores integram a administração que ora se instala. Só o tempo e os atos concretos de gestão dirão a face que terá o governo da sucessora de Lula.

Espero que a primeira Presidenta eleita do Brasil consiga fazer valer o seu projeto e a sua sensibilidade, enfrentando as tristes forças que, insaciáveis comensais da mesa do poder, continuarão a trabalhar pelo atraso e pela injustiça. Não tenhamos dúvida: no momento em que a má aplicação dos  recursos for corrigida e a corrupção for arrostada com seriedade, o Brasil dará um salto, um belo salto pra fora do buraco. Peixe vivo.

Um país tão rico em recursos humanos e naturais não pode prosseguir tão mesquinho com seu povo.

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Foto: Dilma Rousseff. Reuters. Fonte: www.terra.com.br

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Velas e remos

Jorge Adelar Finatto


Tem livro novo na praça. É um livro diferente porque as páginas ainda estão em branco. No lugar do nome do autor, aparece o teu nome. A história está por ser escrita. As imagens, cores, tipo de papel, formato da letra, colofão, são as nossas escolhas que  os definirão.

Com nossas velas e remos (velis et remis), encontraremos o amanhecer.

Espero que os queridos leitores escrevam belas histórias de vida em  2011. Um tempo de luz, bondade e saúde é o que desejo a todos.

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Foto: J. Finatto. Céu de Passo dos Ausentes, dezembro, 2010.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Bibliotecas

Jorge Adelar Finatto



Tantos livros me assustam
trago uma ignorância milenar
guardada num lugar claro do meu ser
uma ignorância - ou a sabedoria -
do sol às 7 da manhã

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Poema do livro Claridade, co-edição Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, Porto Alegre, 1983.

Foto: J. Finatto

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A carta

Jorge Adelar Finatto


O carteiro trouxe
muitas notícias
menos aquela
que ia me salvar

esperei dias
                 meses
                           anos
por urgentes palavras
que nunca chegaram
e se viessem
mudariam
a biografia

perdi tempo precioso
aguardando a mensagem
que nunca se confirmou

poucas palavras
dizendo o essencial

a carta que não recebi
extraviou-se no mar
na mão do náufrago
distraído

não cumpriu o destino
de salvar do extermínio
a esperança vazada
em silêncio
a juventude que se perdeu

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Poema do livro O Fazedor de Auroras. Instituto Estadual do Livro, Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1990.
Foto: J. Finatto