terça-feira, 20 de agosto de 2013

A navalha do avô

O Cavaleiro da Bandana Escarlate 
 
photo: Jean-Claude Bernardet como o avô
fonte: divulgação do filme
 

No fundo, apesar de me sentir meio fora de lugar nesse ambiente competitivo e cansativo do festival (quem agüenta ver tantos filmes?), sou um cinéfilo sentimental.

O cinema faz parte da minha vida desde tenra idade, desde quando o médico da nossa pequena Passo dos Ausentes (Dr. Fredolino Lancaster, hoje com 96 anos) projetava filmes sobre um lençol branco estendido na parede externa de sua casa para todos assistirem.

O mundo está explodindo? A vida anda insuportável? As frustrações acumulam-se? O blog tem raros leitores? Vou ao cinema em busca de renascimento.
 
Mas quero falar do presente e do daqui pra frente. Assisti a um belo curta-metragem nesse 41º Festival de Cinema de Gramado, que se encerrou no sábado, A navalha do avô (São Paulo, 2013), direção de Pedro Jorge.

O filme me tocou por trazer uma história de amor familiar entre um neto (Bruno), jovem universitário, e seu avô José. Bruno precisa dedicar parte de seu cotidiano para cuidar do avô doente. O adolescente é interpretado por Kauê Telloli e o velho, pelo escritor e crítico Jean-Claude Bernardet, ambos muito bem.

No início, Bruno reluta em conviver e acompanhar o avô em coisas como feira, barbearia, porque isso não tem a ver com sua juventude. Aos poucos, porém, passa a entender o mundo do avô e suas dificuldades, ficando a seu lado nas poucas atividades que ainda lhe restam.

Um momento de suspense é quando Bruno é levado a fazer a barba de José com a velha navalha deste. É que o dono da barbearia recusa-se a fazê-lo, alegando dificuldades com a pele do velho. Com isso, as idas à barbearia para ver os amigos, um dos poucos passeios do avô, terminam.

Bruno afia a navalha no estilo antigo. Quando começa a raspagem, a interferência intempestiva da avó faz com o jovem se assuste e a navalha...

É um filme em que a história e a emoção se constroem na medida certa, trazendo ao espectador uma sensibilidade escondida, um mundo pouco comum no cinema e na tv, que é o do afeto familiar e da consideração em relação aos mais velhos.

Foram bem merecidos os prêmios conquistados: Prêmio de Melhor Ator para Kauê Telloli; de Melhor Roteiro para Francine Barbosa e Pedro Jorge, e o Prêmio Canal Brasil.

______________

O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino. Como o blogue não tem mecenas, o Cavaleiro paga todas as suas despesas e acha que está muito bem assim.
 

domingo, 18 de agosto de 2013

Lázaro, o levantado dos mortos

Jorge Adelar Finatto

A ressurreição de Lázaro (depois de Rembrandt). Van Gogh
fonte: Van Gogh Museum
 
Uma das histórias que mais me tocam, na Bíblia, é a da ressurreição de Lázaro. O fato aconteceu na antiga aldeia de Betânia, que é um lugarejo situado a três quilômetros a leste de Jerusalém. Ainda hoje existe por lá o lugar onde se presume ficava o túmulo de Lázaro.
 
Naquela aldeia viviam os irmãos Lázaro, Maria e Marta. Eram muito amigos de Jesus e acreditavam na sua palavra. Jesus tinha muito carinho por eles. Numa ocasião, na casa deles, Maria banhou os pés de Jesus com óleo perfumado (caríssimo na época) e depois os secou com seus cabelos. A casa encheu-se com a fragrância.
 
Certo dia, Lázaro adoeceu. As irmãs mandaram avisar Jesus. Ao saber, Ele ainda permaneceu com os discípulos dois dias no lugar onde estavam, dizendo-lhes: "Lázaro, nosso amigo, foi descansar, mas eu viajo para lá para o despertar do sono." (João 11:11).
 
Quando Jesus se aproxima de Betânia, Marta vem a seu encontro, dizendo que, se Ele estivesse por perto, Lázaro não teria falecido. Jesus responde: "Teu irmão se levantará" (João 11;23). Marta acha que Jesus se refere à ressurreição do último dia. Foi quando Jesus disse as célebres frases: "Eu sou a ressurreição e a vida. Quem exercer fé em mim, ainda que morra, viverá (outra vez); e todo aquele que vive e exerce fé em mim nunca jamais morrerá."( João 11:25:26).
 
Maria também veio ao encontro de Jesus e chorou a seus pés. As pessoas que a acompanhavam igualmente choravam. Vendo isso, Jesus "gemeu no espírito e ficou aflito".  Ele pergunta onde está o corpo de Lázaro. Nesse momento, Jesus chora bastante.

Levam-no ao túmulo memorial (conforme a Bíblia, Deus guarda os mortos em sua memória para o dia da ressurreição).

O túmulo de Lázaro é uma caverna fechada com uma pedra. Jesus diz que é para retirá-la. Marta, irmã do morto, pondera: "Senhor, ele já deve estar cheirando, porque já faz quatro dias." (João 11:39). Ele responde, perguntando: "Não te disse eu que, se cresses, verias a glória de Deus?"

Retiram a pedra. Jesus diz, em voz alta: "Lázaro, vem para fora!" Nesse instante, Lázaro sai com mãos e pés amarrados com faixas e o rosto enrolado num pano. Jesus diz para soltá-lo e deixá-lo ir.

O morto está vivo outra vez.

Lázaro teria por volta de 30 anos na ocasião, e seguiu sua vida. Jesus, infelizmente, não duraria muito tempo mais.

Essa é uma bela história. A face sentimental de Jesus, a sua capacidade de comover-se ante o drama humano, revela-se em toda sua dimensão.

Literatura de primeira qualidade que, acima de tudo, passa a esperança de que um dia, talvez, tal como Lázaro, seremos levantados da escuridão da caverna e teremos outra oportunidade de vida na Terra.

Uma nova oportunidade para viver é tudo que se precisa, quando uma vida só, em meio à luta pra sobreviver e tentar ser um pouco feliz, num mundo extremamente injusto e conturbado, mostra-se insuficiente.
 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Na tarde gelada e nevoenta de Gramado, todos somos celebridades

O Cavaleiro da Bandana Escarlate

photo: jfinatto

Alguns haverão de encontrar encanto em sair do cálido quarto de hotel, abandonar a leitura de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, e mergulhar na paisagem gelada e nevoenta de Gramado para assistir filmes no Festival de Cinema. Não é o meu caso.
 
photo: j. finatto
 
No hotel onde estou hospedado há tantos astros, estrelas, diretores e gente envolvida com cinema, que até um anônimo como eu chama a atenção.
 
Tenho participado, involuntariamente, de variadas rodas sobre temas relacionados ao mundo da tela grande. Não que eu faça questão. Sou ao natural um sujeito tímido e pouco falante. Prefiro sempre ouvir a falar. Não por modéstia, mas por falta do que dizer.
 
Ocorre que me pegam pelo braço no corredor, no café, no jardim, como se fosse um deles, e me levam pra lá, pra cá, em salas temáticas da sétima arte. Talvez o cabelo cinza, os óculos com lentes de fundo de garrafa e a aparência vetusta façam presumir alguém que não sou eu.
 
photo: j.finatto

A vida me ensinou que não é de bom tom perguntar-se o nome das pessoas nesse ambiente cinematográfico. Supõe-se que, entre nós, celebridades, existe o desejável, esperável e nunca desprezível recíproco reconhecimento.
 
A mim deram para chamar de Carlos, o Carlinhos do 707. Eu, que até dias atrás era um ilustre anônimo, pertenço agora à malta.

Sou um peixe navegando nessas marés de Deus, adapto-me com certa facilidade às vicissitudes, sobrevivo. E sempre gostei deste nome, Carlos! Já agora me sinto à vontade com a nova identidade.
 
Um diretor famoso (no festival todos os diretores são famosos) cismou de achar, num desses encontros, que, no início da carreira, trabalhou como meu assistente num filme. Disse aos presentes - pedindo que eu levantasse da cadeira, no fundo da sala - disse que eu lhe dei a primeira oportunidade.

Espantado, eu quis dizer que não, não era assim, ele estava me confundindo com outro. Mas o diretor imediatamente me interrompeu e retrucou:
 
- O velho e bom Carlinhos de sempre! Além de tudo, humilde!
 
A assistência aplaudiu, alguns de pé. Limitei-me a esboçar um breve aceno e sentei-me, curtindo meu momento de glória.
_____________

O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino. Como o blogue não tem mecenas, o Cavaleiro paga todas as suas despesas e acha que está muito bem assim. Texto revisto, publicado antes em 10 de agosto, 2011.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Venimos de muy lejos

O Cavaleiro da Bandana Escarlate
 
photo: cena do filme
fonte: site dos produtores*
 
Não fique em casa sozinho, vendo televisão no sofá. Venha para a praça fazer teatro com a gente.
                                              Grupo de Teatro Catalinas Sur

Venimos de muy lejos (Viemos de muito longe, 2012), filme argentino com direção de Ricardo Piterbarg, é o melhor que vi até agora no Festival de Cinema de Gramado. Mais uma vez, o cinema argentino brilha, salva um festival que costuma ser apenas morno e faz valer a pena estar aqui em meio à chuva e ao frio.
 
O filme documenta o trabalho de criação e realização da peça Venimos de muy lejos, do Grupo de Teatro Catalinas Sur, que existe há trinta anos em Buenos Aires.

Catalinas Sur é o nome do bairro onde o grupo se formou, integrado pelas pessoas da comunidade. Vejamos o que eles dizem no seu site oficial*:

Somos um grupo de vizinhos que vemos no teatro a possibilidade de nos comunicarmos com outros vizinhos. Através do teatro, da música, do circo, dos títeres, queremos recordar o valor de nossas histórias individuais e coletivas e recuperar a memória que acreditou e que acredita em um mundo melhor.

Parece exagero dizer que o teatro pode mudar a sociedade, mas um grupo de homens e mulheres que fazem teatro pode levar adiante um projeto que não se limite aos novos modismos globalizados e se apóie nas ricas tradições e na história popular.


Pensamos e sentimos que o teatro é uma forma de comunicação e também de resistência. Estamos convencidos de que nossa utopia é possível e trabalhamos todos os dias para torná-la realidade.

photo: peça Venimos de muy lejos

Venimos de muy lejos conta histórias fictícias e reais, a partir da experiência dos imigrantes (italianos, espanhóis, poloneses, etc., antepassados dos membros do grupo) que vieram para a Argentina em fins do século XIX, inícios do XX, instalando-se nas imediações do porto da cidade de Buenos Aires, no bairro La Boca, conhecidíssimo hoje pelo time de futebol Boca Juniors (estádio La Bombonera) e pela rua-museu Caminito
 
Naquele lugar os imigrantes passaram a morar nos conventillos (cortiços), precariamente instalados em pequenos quartos, com problemas de toda ordem, desde várias pessoas dormindo no mesmo ambiente até diversas famílias usando um mesmo banheiro.
 
O filme traz a peça para a tela, contando as dificuldades e também a solidariedade que movia aquela gente, suas esperanças, suas lutas por um amanhã melhor, suas festas e canções, tudo sempre com muito humor.

Teatro comunitário. A peça, agora filme, estreou em 1990 na Praça Ilhas Malvinas do bairro Catalinas Sur, e segue sendo apresentada em outras praças, cidades e países.

O que mais chama a atenção é a maneira como o grupo atua na comunidade, chamando os moradores para a rua a fim de participarem das atividades artísticas e comunitárias.

Desde crianças até velhos, muita gente se envolve, opina, discute, atua, sendo a criação coletiva a principal característica.

O filme retrata tudo isso com muita riqueza.

Ao saírem da solidão dos apartamentos, as pessoas se encontram, conversam, sabem umas das outras, realizam vários tipos de oficinas, criam projetos, sentimentos e sentidos. E isto, nos dias de hoje, considerando a penúria de convivência em que se vive, é, no mínimo, revolucionário.
 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Wagner Moura, ator e cidadão

O Cavaleiro da Bandana Escarlate
 
photo: j.finatto
 
No sábado, fez um frio polar aqui em Gramado, com a temperatura caindo para algo próximo de zero grau. Uma chuva bem molhada e insistente não parou o dia inteiro. À noite, no Palácio dos Festivais, assisti ao filme argentino Puerta de Hierro, El Exilio de Perón, e a um curta-metragem (o primeiro da programação noturna) que achei decepcionante, não entendendo como passou na seleção.
 
Para quem, como eu, conhece pouco a história da Argentina, o filme sobre o exílio de Perón (1955-1973), direção de Dieguillo Fernández e Víctor Laplace, tem interesse. Perón foi um líder político marcante e com personalidade complexa. Puerta de Hierro é o nome da casa em que ele morou em Madri, onde recebia visitantes e políticos, e na qual foi guardado o cadáver embalsamado de Eva Perón, depois que restou devolvido por inimigos de Perón, após terem mantido o corpo desaparecido por quase 20 anos. A obra aborda também sua amizade com uma jovem mulher espanhola, à qual confia suas memórias gravadas em fitas.

Naquele período conhece e casa-se com Isabelita. Através dela, entra na história um estranho com supostos poderes sobrenaturais, López Rega, dito El Brujo. Perón retorna à Argentina, é eleito novamente presidente, morre e assume sua vice, Isabelita, que dá poderes a Rega, seguindo-se um período de grande violência promovido por ele, que deságua no golpe e na ditadura militar em 1976.  
 
Um bom filme, embora não desenvolva como poderia as contradições de Perón, inevitáveis, para o bem e para o mal, em figuras de sua dimensão.
 
Mas o melhor da noite ocorreu depois deste filme, durante a entrega do Troféu Cidade de Gramado ao ator Wagner Moura, pelo conjunto de seu trabalho.

photo: j.finatto
 
Poucos artistas no Brasil conseguem se expressar tão bem sobre a arte e a função do ator como ele. Moura estava chegando dos Estados Unidos, onde foi para o lançamento do filme Elysium (estréia de Wagner em Hollywood), que no primeiro dia de exibição faturou cerca de 11 milhões de dólares, conquistando a primeira posição em bilheteria nos EUA.
 
Wagner disse, entre outras coisas, que partilhava o troféu com os atores de sua geração. Com a mãe presente no Palácio dos Festivais,  ele comentou que ela realizava o desejo de estar em Gramado e de ver o filho participando do festival.
 
photo: j.finatto
 
Depois ele referiu que no domingo, 11/8, Dia dos Pais, gostaria de almoçar com seu pai, abraçá-lo, mas não seria possível pois faleceu ainda durante a realização do filme Elysium.
 
O momento mais emocionante ocorreu quando ele dedicou o troféu aos filhos do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido desde 14 de julho, na favela da Rocinha, no Rio, quando, após identificar-se aos policiais que o abordaram com a carteira de trabalho, foi conduzido a prestar depoimento na Unidade de Polícia Pacificadora local e não foi mais visto. Sumiu.
 
Wagner disse que não poderia almoçar com seu pai porque ele ficou doente e morreu. Mas que os filhos de Amarildo não poderiam passar com seu pai porque ele desapareceu e não há explicações para isso.
 
O ator falou como alguém que, além de procurar fazer o melhor na profissão que exerce (e o faz muito bem), não se omite diante da realidade brasileira e de fatos dramáticos como o desaparecimento de Amarildo. Sabe dizer as coisas com verdade e sentimento. Além de ator, um ser humano e um cidadão.
 
photo: j.finatto
  

domingo, 11 de agosto de 2013

A sombra da esfinge

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto. duas magnólias
 

Como ele nunca tivera pai para amar, sempre lhe pareceu que a coisa mais em falta no mundo não é dinheiro nem qualquer outro bem material, mas um abraço de pai.
 
Quando menino, era difícil explicar aquela ausência para os outros. Na rua e na escola, as pessoas botavam olho, cara de admiração. Não ter pai era mesmo que não ter um braço ou uma perna.
 
A sombra da esfinge o perseguia no Dia dos Pais, aniversários, natais, páscoas, reuniões na escola, fins de semana, noites e dias sem fim. A falta projetou-se nos sonhos e pesadelos do menino.

O tempo passou.

Um dia ele descobriu que outras casas também não tinham a figura misteriosa. Só que muita gente escondia isso. Estranho: escondiam um ser que não existia. Ocultavam o mito. E alguns possuíam apenas uma deprimente imagem de homem no sofá da sala.

Os sem-pai já não eram exceção. Talvez fossem maioria.

Ficou nele a idéia de que as mulheres, e não os homens, fazem o moinho do mundo girar.

Na verdade, isso não era um consolo, mas a consciência de uma espécie de mutilação. Sempre falta um pedaço.

A humanidade é toda seqüelada, ele pensa, enquanto caminha com o filho pela mão na praça do bairro, domingo à tarde.
 
É que pra ele, agora, todo dia é Dia dos Pais. 
__________
 
Texto revisto, publicado anteriormente em 16 de maio, 2013.
 

sábado, 10 de agosto de 2013

O assassinato do ambientalista

Jorge Adelar Finatto

photo: Hernández, em imagem cedida por sua viúva. fonte: El País

O assassinato do ambientalista espanhol Gonzalo Alonso Hernández, 49 anos, ocorrido no último domingo, em seu sítio, no interior do município de Rio Claro, Estado do Rio de Janeiro, é mais um trágico acontecimento na história da luta pela preservação do meio ambiente no Brasil. Uma demonstração evidente - mais uma - do alto grau de violência que domina a sociedade brasileira.

Segundo o jornal El País*, da Espanha, Hernández, que era biólogo, estava no Brasil desde 1997. Inicialmente veio trabalhar como diretor de uma empresa de telefonia. Em 2005 decidiu largar o emprego para dedicar-se integralmente à causa da ecologia, abrindo mão do bom salário que o cargo lhe proporcionava. Passou a atuar no Parque Estadual Cunhambebe, uma reserva da Mata Atlântica, com 38 mil hectares. Conforme o periódico, ele era rigoroso na denúncia de caçadores e desmatadores, chegando até mesmo a segui-los e fotografá-los em suas atividades ilegais.
 
O informe dá conta, ainda, de que sua viúva, a brasileira Maria de Lourdes Pena Campos, e pessoas envolvidas na proteção ambiental temiam pela maneira firme e contundente com que Hernández atuava. Para os que lhe eram próximos, foi uma tragédia anunciada. De acordo com Maria de Lourdes, ele se queixava de que "os brasileiros nunca protestam por nada".

Ela acrescentou que o marido era uma pessoa estudiosa, caseira, que gostava de ler, além de dedicar-se à ecologia:

- Ele queria fazer um blog sobre meio ambiente, mas não deu tempo.

O secretário do Meio Ambiente de Rio Claro, Mario Vidigal, lembrou que ele era um idealista da causa ambiental, denunciando toda ilegalidade que via.
 
O ecologista foi atingido pelas costas com um tiro na cabeça, quando chegava em seu sítio, depois de levar a mulher até a rodoviária, onde ela embarcou para a cidade do Rio, na qual trabalhava durante a semana. Ela regressava aos finais de semana para encontrar o marido. O corpo só foi encontrado na terça-feira pela manhã, coberto por pedregulhos e folhas de bananeira, num riacho próximo. De sua casa foram levados o laptop, duas lanternas e o celular, informa O Globo**. Conforme a reportagem, Hernández participava do programa Produtores de Água e Floresta, uma parceria do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) com o Instituto Terra de Preservação Ambiental, a prefeitura de Rio Claro e a ONG The Nature Conservancy. Ele recebia uma compensação financeira pelo zelo ambiental. O homicídio está sendo investigado pelas autoridades.
 
A violência inaceitável e revoltante nos remete a um Brasil em que existe um abismo entre o elevado poder dos criminosos e a baixa capacidade do Estado em fazer valer a lei. As pessoas de bem, que respeitam regras de convivência e procuram fazer algo pelo coletivo e pela natureza (como Hernández), vivem à margem de proteção. Dominam a cena os bandidos, os malfeitores, os corruptos e corruptores, os violadores da ordem jurídica, que atuam com desenvoltura, sem nenhum limite, porque falta Estado para fazer respeitar a lei.

Os agentes que combatem a criminalidade se defrontam com a falta de recursos para exercer seu papel, com poucos meios materiais e humanos, muitas vezes sem mínimas condições de trabalho. Os salários pagos pelo Estado a esses homens e mulheres não condizem com a importância e o risco de sua missão.
 
Infelizmente, há muito o Brasil deixou de ser um País cordial e pacífico (se é que realmente algum dia o foi). O que vemos é um quadro crescente e assustador de violência, que radica na maior de todas elas, a corrupção.

A incompetência governamental, em níveis federal, estadual e municipal, em áreas essenciais como segurança, saúde, educação, transporte, infraestrutura, meio ambiente e outras, se acentua a cada dia. Com poucas exceções, a maior parte dos administradores públicos subestima a capacidade de indignação da população diante dessa situação, o que põe em risco as conquistas democráticas.

A terrível morte de Hernández é mais um dado nessa realidade brutal, que é a negação dos direitos humanos, da democracia e do estado de direito pelos quais tanto se lutou e tantos perderam, e continuam a perder, a vida.

Quantos outros ambientalistas estarão sofrendo ameaças e agressões neste momento pelo país afora, sem que nada seja feito? Triste Brasil.
________________
 
*El País:
**O Globo: