sábado, 7 de março de 2015

Até que a morte nos separe

Carlos Alberto de Souza

pintura de Graça Craidy 
 
 
O feminicídio (assassinato de mulher por razões de gênero) já foi aprovado pelo Congresso Nacional para constar como homicídio qualificado no Código Penal, aumentando a pena e tirando privilégios dos agressores. A matéria agora aguarda apenas a sanção da presidente da República. Neste Dia Internacional da Mulher, a questão é abordada na exposição Até que a morte nos separe, da artista plástica gaúcha Graça Craidy.

No domingo (8/3), no Centro Cultural Zona Sul (Rua Landell de Moura, nº 430, bairro Tristeza), em Porto Alegre, ela expõe 18 pinturas (acrílica sobre papel) de mulheres que um dia sonharam com a felicidade no casamento, mas acabaram mortas pelos maridos ou ex-companheiros. Graça, que está selecionada para o Salão de Arte do tradicional Atelier Livre de Porto Alegre, retrata e denuncia essa situação. “Fui movida pela indignação, pela dor da injustiça e por imensa solidariedade a todas as mulheres imoladas em nome de um machismo arcaico”, diz ela, que se baseou em fotos publicadas das cenas dos crimes para produzir suas obras.

No Rio Grande do Sul, em 2013, a cada quatro dias uma mulher foi assassinada; em 75% dos casos, os autores tinham relação de afeto com elas; em Pernambuco, em 2006, 291 mulheres foram mortas, conforme dado publicado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria. O Estado nordestino é apontado pelo Cfemea como o que mais acumula casos de feminicídio no país. Mas, como se sabe, o problema, mais aqui, menos ali, é mundial.

pintura de Graça Craidy
 
Graça Craidy é publicitária por formação, com carreira desenvolvida em Porto Alegre e São Paulo, entre os anos 1970 e 2000. Começou a desenhar em São Paulo e, de volta à capital gaúcha há cerca de dez anos, lecionou a cadeira de Criatividade na ESPM e depois passou a dedicar-se às artes plásticas, ingressando no Atelier Livre de Porto Alegre. Seu trabalho tem sido elogiado por artistas consagrados. Com curadoria de Márcia Morales Salis, essa é a sua primeira exposição individual, depois de ter participado de coletivas.

A exposição será montada em um dos casarões em estilo colonial espanhol do Centro Cultural Zona Sul, que receberá decoração alusiva ao casamento, com metros de tule branco recobrindo suas paredes externas e internas, além de flores, música nupcial e incensos.

Serviço:
O quê: Exposição Até que a morte nos separe
Onde: Centro Cultural Zona Sul (Rua Landell de Moura, nº, 430, bairro Tristeza, Porto Alegre)
Dia e hora: domingo (8/3), das 9h30 às 18h
Entrada franca

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Carlos Alberto de Souza é jornalista em Porto Alegre.
smcsouza@uol.com.br

Graça Craidy:
gcraidy@gmail.com

sexta-feira, 6 de março de 2015

A história das bananas (e a tristeza do Brasil)

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
O que restou da esperança em um país melhor e mais justo? O que vemos, nos últimos tempos, é mensalão, petrolão, apenas para ficar entre os escândalos de corrupção mais noticiados.

Será que é isso o que a sociedade brasileira merece? O que será do futuro das nossas crianças e dos jovens diante de tamanha desestruturação ética e econômica?

Não tenho nem nunca tive partido político. Votei algumas vezes no PT, porque admirava sua generosidade e suas bandeiras, entre elas a da honestidade e a do combate às causas da pobreza e das injustiças. Muita gente boa fundou e construiu o partido, muita gente idealista, sonhadora, batalhadora. Mas o ideal daquelas pessoas ficou para trás.

Os tempos mudaram. O PT mudou para pior. É claro que não é só o partido do governo que levou o país a essa triste realidade, há também os outros partidos e todo o desvalor na maneira de fazer política.

Mas do PT se esperava, por históricas razões, um comportamento diferente, uma práxis política alternativa ao sempre foi assim.

O país cai cada dia mais fundo. Ver uma empresa como a Petrobras, orgulho do Brasil, nessa situação calamitosa é um negócio muito sério e deprimente.

O que vai sobrar da empresa estratégica criada por Getúlio Vargas e construída por várias gerações de trabalhadores? Restará alguma coisa aos brasileiros ou tudo será vendido ou simplesmente entregue para cobrir o descalabro gerado pela corrupção?

As conquistas sociais dos últimos doze anos vão desaparecendo diante dos abismos criados pela má gestão. Os efeitos nefastos sobre a economia mal começaram e já se revelam insuportáveis, atingindo principalmente os mais pobres.

Na casa em que fui criado havia algumas regras. Claras, simples, peremptórias: não matarás, não roubarás, não praticarás  falso testemunho, e outras. Os velhos e bons preceitos derivados dos Dez Mandamentos. Deles dimanavam normas de natureza caseira (casa de gente pobre e honesta): por exemplo, eu não podia apanhar bananas do aparador sem pedir autorização. Se o fizesse, o castigo era certo.

Exagero? Pode ser. Mas sou grato por isso. Nunca me passou pela cabeça apropriar-me de qualquer coisa que eu não conquistasse através do esforço, do trabalho, do sacrifício e do mérito.

Não consigo entender como é que alguns se sentem autorizados a lesar milhões e milhões de pessoas se apoderando de dinheiro que não lhes pertence, do que é patrimônio público de uma sociedade que precisa e merece ser respeitada.

Que tipo de educação receberam esses indivíduos, em que valores foram criados, quem foram seus pais? Como conseguem se olhar no espelho e para seus filhos?

Nessas horas, a gente precisa se agarrar em alguma coisa pra suportar. Eu me agarro à história das bananas.

Nos momentos de grave crise, como o presente, o que nos resta são os valores em que acreditamos.

A honestidade, a responsabilidade social e o amor ao país precisam, urgentemente, retornar às práticas do nosso dia a dia. Sob pena de não sobrarem nem as bananas no aparador.
 

terça-feira, 3 de março de 2015

Cinema ou sardinha

Jorge Adelar Finatto

Kodak Kodascope¹
 
Na minha cidadezinha, quando éramos crianças, minha mãe perguntava a mim e a meu irmão se preferíamos ir ao cinema ou comer, com a frase festiva: Cinema ou sardinha? Nunca escolhemos a sardinha. 
                                    Guillermo Cabrera Infante


Quando o Dr. Fredolino Lancaster foi a um congresso de medicina em Londres, no distante ano de 1942, não sabia que, ao regressar, provocaria um grande alvoroço na vida da cidade. Na volta, ele trouxe no baú um projetor para filmes de 16mm em silêncio.

A paixão pelo cinema do médico-mor de Passo dos Ausentes transformou a história da nossa  aldeia.

Ainda não conhecíamos a magia da sala escura e da tela grande. A tela, naqueles dias inaugurais da sétima arte entre nós, era um lençol branco estendido com devoção na fachada de basalto da casa do sábio esculápio.

Eu nem era nascido naquele tempo. Ouvi essa história do próprio Dr. Lancaster, que conta 96 anos e está em plena atividade (doença que ele não cura, esqueça, ninguém mais dá jeito).

O primeiro filme a passar no lençol imaculado foi The kid (O garoto, de 1921), obra do nunca suficientemente lembrado Charlie Chaplin. As sessões aconteciam sempre aos domingos, na rua, ao anoitecer, e cada um levava sua cadeira de casa.

Juan Niebla, o músico cego que toca bandoneón na estação de trem abandonada, nunca perdeu um só filme. Alguém descrevia para ele o que se passava na tela (ou melhor, no lençol).

Anos depois, com a inauguração da Sociedade Filosófica, Histórica, Geográfica, Artística, Antropológica, Astronômica, Geológica, Alquímica e Antropofágica, as projeções começaram a ser feitas na sala escura. Introduziram-se na antessala a pipoca, os sucos, os licores, os doces, e as pessoas iam mais cedo para trocar revistas em quadrinhos e livros. Antigos tempos, bons tempos.

Quando escrevi que Ingmar Bergman passou uma temporada em Passo dos Ausentes muitos estranharam. O fato é que ele era amigo do Dr. Lancaster, sabia do amor do médico pelos filmes e era fascinado pelas histórias que este lhe contava sobre a cidade. A casa em que Bergman viveu aqueles dias permanece como ele a deixou. As três latas com os filmes que fez por aqui estão lá, nunca foram abertas.²

Essas recordações surgem agora porque ando lendo Cinema ou sardinha,³ livro sobre a arte do cinema escrito por Guillermo Cabrera Infante. É uma rara iguaria na qual o grande escritor nos oferece sua paixão ancestral pelos filmes servida num texto delicioso. Um livro rico sobre a história do cinema e sobre obras cinematográficas, tudo temperado com o olhar e o sentimento do notável autor cubano.

Vejamos um trecho:

(...) o resultado final de uma filmagem, o filme, a fita, seja qual for o nome que se dê, é um esforço coletivo, antes de tudo do fotógrafo (não há filme sem fotografia), do diretor, que pode ser um gênio, um megalômano obtuso ou um simples artesão, dos atores e dos técnicos atrás da câmera, do assistente de câmera firme, sagaz, até os anônimos eletricistas, as cuidadosas maquiladoras e os homens e mulheres dos camarins e do guarda-roupa, todos, todos colaboram para fabricar o mesmo produto, que até então era um projeto e agora pertence ao produtor e talvez ao público. p. 3

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¹Projetor Kodak Kodascope para filmes 16mm em silêncio:
http://institutoroquearaujo.blogspot.com.br/2011/05/kodak-kodascope-modelo-b-projetor-16.html
²Sótão, porão e assombração:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/12/sotao-porao-e-assombracao.html
³Cinema ou sardinha. Parte 1. Pompas fúnebres. Guillermo Cabrera Infante. Gryphus Editora, Rio de Janeiro, 2013. Tradução de Carlos Ramires

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Peixe vivo

Jorge Adelar Finatto

Guaíba e a cidade. photo: jfinatto
 

Em 1975 eu tinha menos de 20 anos, o coração batia no escuro e nada estava perdido.

Carregava comigo alguns poetas mortos. A palavra estava viva.

Esse tempo ficou adormecido como um pôr-do-sol no fundo do rio.

A ditadura civil-militar maltratava os corpos, o desejo, o pensamento. Era noite calada. Proibida a livre circulação da emoção, das idéias. A verdade manchada com tarjas pretas nas bocas e nos jornais.

Mas havia gente que não desistia.

Os pássaros resistiam na praça.

Escondida como um segredo, havia uma rua quieta com perfume de açucena.

Eu trazia na alma a felicidade de estar vivo. Perdoai.

Existia um certo olhar, um cabelo em cacho nos ombros, uma saia azul. Esse olhar e esse cabelo inventavam um jeito de ser feliz.

Habitavam um lugar claro na escuridão.

O Guaíba fazia o trabalho de levar nossas lágrimas para o mar em negros cargueiros.

Havia eu estar vivo e ter menos de 20 anos.

Tinha aquela estrela brilhando na minha vida, apesar das bombas de gás lacrimogêneo, das prisões, dos desaparecimentos, do medo.
 
Coração aberto, peixe vivo.

O azul e branco do céu desenhado nas águas e naqueles olhos.

Um peixe voava entre as nuvens.

Sobrevivi àquilo em secreto, como quem descobriu um tesouro na Ilha de Pedras Brancas enquanto a cidade dormia.

Existia o rio, seu caminho largo para o sul em direção ao oceano.

A luz amarela do sol escorria entre as folhas e os galhos da Praça Dom Feliciano. Lilases resplandeciam nas flores dos jacarandás.

Havia uma promessa de primavera. Tinha menos de 20 anos.

De passo em passo o sentimento se cumpria. De mão em mão a manhã se erguia.

Não era ainda a primavera o que se via, mas um rascunho de flor no gradil da janela.

O coração voava colado à esperança.

Tinha o rio no fundo daqueles olhos, o horizonte de mar, o líquido azul infinito.
 
O amor (palavra proibida) navegava ao largo da cidade, sobrevivia ao medo e à morte.

O tempo era noite calada.

Eu tinha menos de 20 anos.

A vida saltava feito peixe vivo.

A estrela brilhava em meu caminho.
 
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Publicado em 22 de dezembro, 2009.
 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Escrever no escasso da vida

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto


Escrever pra quê? Será que ainda existem leitores no mundo? Onde estarão, em que escondidas bibliotecas, em que salas e quartos solitários resistirão?

A impressão é que, a cada dez novos escritores que surgem, aparece apenas um leitor. As estantes das livrarias estão repletas de livros que ninguém lê. Todos os dias novos títulos vão somar-se ao mar-oceano existente. Quem lê tudo isso?

Às vezes desconfio que tem gente que vai à livraria, compra uma  sacola de livros, mas não lê. O livro como objeto decorativo, com poder de ostentação de leituras não acontecidas. Será?

Então a situação é a seguinte: pra salvar os escritores do risco de extinção, de hoje em diante todos vão ser também leitores. Esse o compromisso solene de cada escritor para a preservação da espécie.

Coisa triste é a criatura escrever, no rigor do esforço e no escasso da vida, e ninguém ler. Quem não precisa de um ora-veja nessa existência, um reconhecimentozinho? Ah, não, ninguém quer saber do outro! Será?

Eu sou solidário com os sem-leitores porque faço parte dessa multidão.

Dia desses um colega blogueiro me contou  que está querendo  pagar alguém pra ler as suas mal-traçadas. Ah, não!  Não podemos permitir que a sombra do desespero tome conta. Então, agora estou visitando a ilha do colega todos os dias.

Tenho visto muitas ilhas desertas, abandonadas, taperas virtuais. Os utensílios deixados pra trás mostram que um dia houve vida ali. É duro.

Acredito também que os livros nunca vão morrer. São objetos perfeitos na forma, carregam em si o espírito  humano desde vetustos tempos. Mas e os escritores desconhecidos e os blogueiros? Sobreviverão nessa penúria de leitores?

Não sei, não sei.
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 Texto revisto, publicado originalmente em 18 de setembro, 2010.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Entre panchos e chivitos

Jorge Adelar Finatto
 
Guillermo Cabrera Infante
 
Num bom café-restaurante de Montevideo, La Pasiva, na Av. 18 de Julio, fui comer alguma coisa na noite de domingo. Conheci um garçom simpático e educado, por volta dos 40 anos, que veio me atender. Entre a escolha do que comer e beber e a conversa solta de um domingo que escorregava na ampulheta no rumo da segunda, perguntei-lhe de onde era.

Era cubano e estava no Uruguai há um ano e pouco. Gosta muito do país - como eu - mas acha que tudo está muito caro na tierra de José Pepe Mujica. Também nisso concordamos, os preços estão mesmo muito altos, parece até que a moeda corrente é o dólar americano. De fato, o dólar comanda as transações e as moedas locais de nossos países parecem de brinquedo.

O garçom voa de mesa em mesa, desaparece atrás de bandejas de panchos e chivitos, e depois volta a aparecer e continuamos a prosa. A fim de testá-lo, digo versos do poema Tengo, de 1964, do importante poeta cubano Nicolás Guillén (1902-1989):

Tengo, vamos a ver,
tengo lo que tenía que tener.

Ao que ele completa com conhecimento de causa e boa memória:

Tengo, vamos a ver,
tengo el gusto de andar por mi país,
dueño de cuanto hay en él,
mirando bien de cerca lo que antes
no tuve ni podia tener.

Guillén foi uma devoção literária de minha juventude. Ele exaltou as conquistas da Revolução Cubana, mas já era um poeta enorme antes dela, sempre preocupado com temas sociais e com as injustiças. Na sua poesia a negritude surge com força numa linguagem original, sonora, cheia de ritmo e sensualidade.

Resolvi seguir adiante com a literatura cubana, de que tanto gosto, assim como gosto de Cuba e dos cubanos, apesar de nunca ter ido lá, e soltei para o culto garçom:

A máquina de escrever é a verdadeira máquina do tempo.

Não fiz menção ao nome do autor. Ele pensou, pensou e disse que não recordava (o trecho está na pág. 16 do livro A ninfa inconstante, de outro grande cubano, Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), publicado pela Folha de São Paulo, em 2012, tradução de Eduardo Brandão).

Quando revelei-lhe o nome do autor, ele disse que nunca tinha ouvido falar. Não se fala nele em Cuba. Eu lembrei que Cabrera Infante é um dos mais notáveis escritores de língua espanhola de todos os tempos, autor de um clássico raro e saboroso, Três tristes tigres, de 1967, um dos livros mais incríveis que conheço.

O  autor caribenho, aliás, era leitor confesso e encantado de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e de Macunaíma, de Mário de Andrade.*

Acontece que Cabrera Infante rompeu com a revolução quando percebeu o rumo autoritário que tomava. Acabou no exílio, em Londres, onde virou cidadão britânico e escreveu parte de sua obra.

A Ilha passou a ser vista com o manto da memória e da melancolia. Mas sem esquecer os óculos da poesia, do calor humano e da ironia.

Fiquei indignado pelo fato do amigo garçom não ter podido conhecer, em Cuba, por força da censura, um escritor deste porte, um nome que já se pode dizer universal.

O que só vem confirmar que, em Cuba, tudo tem somente um lado, o lado do poder, isto é, o lado da família Castro. A ditadura se prolonga, impunemente, desde  1959.** Tristemente.

Mas o cubano me restituiu a esperança ao dizer que ia procurar um livro de Cabrera Infante no dia seguinte. E me fez prometer - e eu prometi - que ia ler toda a poesia de José Martí.

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*Cabrera Infante, por Geneton Moraes Neto:
http://www.geneton.com.br/archives/000035.html
**Os direitos humanos em Cuba:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/02/cuba-e-os-direitos-humanos.html
 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Juan Manuel Blanes

Jorge Adelar Finatto

La doma. JM Blanes, 1875* photo: jfinatto.
 
A visita ao Museo Nacional de Artes Visuales, em Montevideo, foi o ponto de partida para travar conhecimento com alguns dos principais artistas plásticos uruguaios.

Além de Carlos Federico Sáez, de que tratei em artigo anterior, tive oportunidade de ver de perto outros como Pedro Figari e Juan Manuel Blanes (1830-1901). Um belo achado.
 
Olhemos agora, mesmo que superficialmente, o trabalho de Blanes. Os traços, a modulação das cores, a composição, os motivos, todos esses elementos são originais na mão do artista e evidenciam alto refinamento construtivo. O pintor atingiu tal excelência em sua arte que facilmente podemos dar-lhe o título de mestre. De fato, influenciou muitos dentro e fora do Uruguai.

Entre suas telas, várias evocam cenas da vida dos gaúchos no campo. Há, também, aquelas em que a denúncia se faz presente, como na que mostra o massacre da Guerra da Tríplice Aliança, na qual Brasil, Argentina e Uruguai combateram e arruinaram, com apoio inglês, o Paraguai. Nela vemos uma mulher (La paraguaya) olhando desolada um cenário de devastação.

La paraguaya, JMBlanes, 1879.*

Temas sociais igualmente não lhe escapam da palheta. Veja-se a pintura em que apresenta a trágica passagem da febre amarela por Buenos Aires, com uma mãe morta e a criança ao lado do corpo caído.

Um episodio de la fiebre amarilla em Buenos Aires, JMBlanes, 1871.*

Existem, entrementes, os retratos, as cenas históricas,  e em todos o nível elevado da criação. A maestria dos movimentos, das figuras, dos detalhes, numa integração como poucas vezes se vê.

Los dos caminos. JMBlanes**

Numa época em que a fotografia era uma arte recente e de reduzido espectro, a obra de Juan Manuel Blanes fixou imagens que, de outra forma, teriam se perdido. Essa pintura figurativa em nenhum momento perde seu valor nem seu interesse.

As pinturas deste grande artista são ricas em conteúdo e luminosas na construção de formas e cores. Resgatam um tempo, suas faces e suas histórias. Não houvesse outras razões, essas já seriam suficientes para assegurar a Blanes um lugar entre os grandes nomes da pintura universal.

JMBlanes**
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*Exposição do Museo Nacional de Artes Visuales, Montevideo:
http://mnav.gub.uy:9000/cms.php?a=1

**Reprodução do site do Museo de Bellas Artes Juan Manuel Blanes, Montevideo:
http://blanes.montevideo.gub.uy/coleccion/juan-manuel-blanes