domingo, 10 de janeiro de 2016

Café do Porto

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 

Na próxima terça-feira, 12 de janeiro, inicia no Café do Porto (Rua Padre Chagas, 293, bairro Moinhos de Vento, Porto Alegre) a exposição fotográfica Fanicos & Farfalhas. Vai até o dia 02 de fevereiro. É a primeira vez que exponho minhas fotos em Porto Alegre.

Desci a serra levando 17 quadros divididos em duas séries: Visões da Serra e Umbrelas, com imagens que captei nos últimos tempos em Gramado, Canela, São Francisco de Paula, Cambará do Sul e Passo dos Ausentes.
 
Imagens colhidas com esmero e silêncio. Pássaros, céus, flores, lagos, plátanos, guarda-chuvas, bandeirinhas e mais o que habita o invisível. Se algum mérito há no trabalho, não é por certo deste interiorano fotógrafo, mero intermediário. O grande artista é quem criou tudo isto: Deus.

Fotografar é uma coisa que faço com grande prazer. Escrever é muito mais dilacerante que fazer fotografia. A fotografia, como a escrita, faz parte da vã tentativa de parar o tempo e aprisionar o transitório. A arte é uma busca de eternidade (isso de que somos carentes) e um jeito de reinventar a vida (insuficiente em sua rotina).

photo: jfinatto

A brevidade da vida é  algo assustador e não está de acordo com nossa ânsia de permanência, perceptível em tudo que fazemos.

Colhi as fotos com a amiga Coruja (ex-máquina, quase um ser humano), durante as caminhadas polifônicas. Se valeu a pena? Vi muitas coisas bonitas, respirei ar limpo, ouvi pássaros, encontrei animais (de gatos do mato a simpáticos quatis e tucanos, sem esquecer veados e o rugido de pumas em esconsas cavernas), conversei com gente. Vocês avaliarão o resultado.

Estão todos convidados.

Café do Porto. photo: jfinatto
 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Celebro a vida que virá

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto

Un petit espoir très féroce:
c’est moi!*
                                               Robert Lalonde

Ainda não nasci
sequer faço parte da paisagem
escuto uns gritos do outro lado: não estou

a sombra é apenas o começo
do previsível caminho
que vai dar na aurora

ainda não nasci
no entanto, é para breve

celebro a vida que virá
rompendo a escuridão
explodindo em alegria
como a primavera depois do inverno

sei onde isso terminará:
flor no extremo do ramo
beleza enchendo o vazio

faço do silêncio
um grande bosque
onde borboletas passeiam
pássaros inventam a claridade
com seu canto

imagina uma faísca que, súbito, paira no ar
uma palavra procurando um oco de boca
uma pequena luz que cresce: sou eu


_________

Poema do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
*Uma pequena esperança muito feroz: sou eu. Da obra Une belle journée d'avance. Éditions du Seuil, Paris. 1986. 

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Le Havre, o porto do coração

Jorge Adelar Finatto
 
Marcel e Idrissa. photo: divulgação

 
Acabei de assistir ao filme Le Havre (O Porto), de 2011, 93 min, escrito e dirigido pelo finlandês Aki Kaurismäki (1957). Posso dizer que lavou a minha alma que anda desiludida com a raça humana. Está entre os melhores filmes que vi nos últimos anos.
 
A história se passa na cidade portuária francesa de Le Havre, à beira do Canal da Mancha, na Normandia, noroeste francês. Em grande parte destruída durante a 2ª Guerra Mundial, Le Havre renasceu, sendo um dos principais portos da Europa. Possui, além disso, a segunda mais importante  coleção de pinturas impressionistas, no Museu de Arte Moderna André Malraux (MuMa*), estando a primeira no Museu D'Orsay, em Paris. É também em Le Havre que o Rio Sena desemboca no mar.
 
Breve resumo: Marcel Marx, interpretado pelo excelente André Wilms, é um escritor conhecido mais pela vida boêmia do que por sua literatura. Um dia decide mudar radicalmente. Transfere-se para Le Havre onde se torna engraxate. Passa a levar uma vida muito pobre, que beira a miséria, mas digna e tranqüila, numa casinha humilde, numa rua obscura, ao lado da mulher Arletty (vivida pela atriz Kati Outinen). A vida transcorre sem sobressaltos, não obstante algumas situações humilhantes para o escritor-engraxate.
 
Um dia ele se depara com um imigrante africano ilegal, que faz parte de um grupo que viaja escondido a bordo de um container, num navio, em direção a Londres. No porto de Le Havre, os clandestinos são descobertos e presos pela polícia de imigração francesa. O adolescente negro Idrissa, interpretado por Blondin Miguel, consegue fugir.
 
Marcel acolhe o jovem e tenta protegê-lo da truculência das autoridades. Ao mesmo tempo, tem de lidar com a doença grave que acomete Arletty.
 
Idrissa e a cadela Laika, de Marcel. photo: divulgação
 
Não imagino de onde Aki Kaurismäki pescou o enredo, mas a história é de uma humanidade e de uma beleza raramente vistas. A rede de solidariedade que se forma entre Marcel e outras pessoas pobres do bairro para proteger Idrissa é de uma grandeza capaz de resgatar a fé na natureza humana. Mostra que o problema dos imigrantes da África e Oriente Médio na Europa vem de longa data, e quase sempre mal resolvido (lembremos que atingiu proporções terríveis em 2015). 
 
O filme comove, toca mesmo um coração de pedra. E faz refletir, mostrando que, apesar da brutalidade do mundo de exclusão em que vivemos, ainda há esperança. Tudo isso longe do clichê e do sentimentalismo barato. O desempenho de Jean-Pierre Darroussin, como comissário de polícia, é brilhante, assim como o dos outros atores.
 
Coisa digna também de admiração é a técnica de filmagem. Os enquadramentos originais e luminosos, entre closes, planos médios e longos, mais a seqüência sem ruídos e sem passagens toscas e bruscas, transportam o espectador para dentro da tela. O filme ganhou o Grande Prêmio da Crítica do Festival de Cannes em 2011. É uma obra de arte que recomendo vivamente.
 
 
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MuMa:
http://www.muma-lehavre.fr/
 

sábado, 2 de janeiro de 2016

De Mário de Sá-Carneiro para Fernando Pessoa


poeta Mário de Sá-Carneiro. fonte: jornal Público

Artigo do jornal Público, de Portugal, aborda o lançamento do livro Em Ouro e Alma, edição crítica e ricamente documentada da correspondência de Mário de Sá-Carneiro para o amigo Fernando Pessoa. A obra antecipa os eventos que marcarão a passagem do centenário do suicídio do poeta Sá-Carneiro, em Paris, aos 25 anos, em 26 abril de 1916. Pelas revelações que contém, esperamos que não tarde a ser editada no Brasil. O artigo, intitulado O suicida acidental, é de autoria de Luís Miguel Queirós.
 
"Este Em Ouro e Alma, que inclui ainda em anexo as poucas cartas de Pessoa a Sá-Carneiro que se conhecem e outra correspondência relacionada com os últimos dias do poeta em Paris, é apenas o volume inaugural de uma nova colecção, dirigida por Ricardo Vasconcelos, que a Tinta-da-China dedicará a Mário de Sá-Carneiro. Para o ano do centenário estão já previstos mais dois lançamentos: uma edição crítica da poesia, que deverá sair em Abril, e outra da prosa, prevista para o final de 2016."
 
O suicida acidental:
 

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

2016, coração mole, cabeça forte!

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

 
Raro leitor: eu não tenho ideia de quem são as pessoas que visitam diariamente o blog. Com exceção dos amigos da página, identificados na coluna ao lado, os demais são um grande mistério. Ainda que invisíveis, estão presentes como os outros. Isso que importa.

A você (visível ou invisível) agradeço a generosa companhia.
 
Desejo que todos vivam claros, bons e produtivos dias em 2016. Que tenham saúde física e espiritual. Que a alegria de viver e compartilhar esteja sempre presente ao longo do novo ano.
 
Não acredito em mudanças que não comecem pelo coração e pela mente de cada um. Aí que tudo se define. Se eu não mudo, a realidade não muda. O resto é parolagem de quem não se esforça por melhorar.
 
Que em 2016 a gente construa lindos momentos e belas memórias!
 
Um grande abraço.
 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A pintura do entardecer

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto, 30/12/2015


Estava chegando no escritório, depois de subir a íngreme escada Santos Dumont, quando o espetáculo do entardecer se anunciou pelas janelas, emoldurado a sul e oeste. Uma aquarela finíssima e delicada.
 
Bela pintura, imemorial e primitiva, criada para embelezar a vida de quem habita o planeta. Saí à varanda e comecei a fotografar com a emoção provocada pelo deleite estético.
 
O fotógrafo é um imitador. Nada faz além de registrar aquilo que outro criou. Neste caso, o autor é Deus. A Ele se devem todos os direitos autorais. E um grande agradecimento, nestas últimas horas do ano.
 

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O apito do trem noturno

Jorge Adelar Finatto
 
trem da extinta Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Canela. photo: jfinatto
 
O trem noturno passava altas horas. A casa toda tremia. A casa da tia ficava perto dos trilhos. No pátio havia os cinamomos em flor. E o seu perfume iluminava as noites de novembro.
 
O noturno soltava o apito de aviso, "limpa trilho", porque havia naquela altura uma passagem cruzando a estrada de ferro. Onde aquele trem ia parar ao amanhecer? eu me perguntava. Em São Borja, em Santa Maria, em São Francisco de Paula? Ou quem sabe na gare distante da estrela Antares? O certo, porém, é que vinha das bandas de Porto Alegre.
 
Às vezes, de uma janela acesa alguém olhava em direção à casa da tia, verde, larga e comprida, no alto da colina. O observador era um passageiro que perdeu o sono talvez. O que veria? Nada além das poucas luzes dos postes. A cidadezinha inteira dormia. Nela não havia sequer estação de trem.
 
Eu ficava acordado até a hora do noturno passar. Os outros habitantes da casa ressonavam.

Viajar de trem pelo meu país foi um dos meus sonhos de guri. Mas o governo acabou com os trens de passageiros no Brasil. Uma entre tantas decisões inexplicáveis, à luz do bom senso, que atrasaram por décadas a Terra de Vera Cruz.

Acredite: este país continental não tem trens de passageiros. As poucas exceções são os metropolitanos, muito ruins por sinal e de itinerário reduzido, nas cercanias de algumas capitais.

Um dia, para amenizar a saudade, embarquei num comboio em Lisboa. Era por volta de 16h de um dia de inverno. Ao anoitecer ele ingressou na Espanha. Não dormi a noite toda. Da minha janela acesa, não queria perder nenhuma das estações.

Uma mistura de melancolia e ternura eu senti ao atravessar de madrugada as pequenas cidades. Ao amanhecer, na fronteira com a França, houve troca de trem em direção a Paris, onde desembarquei em torno de 15h.

Foi uma viagem sentimental por cidadezinhas esquecidas no mapa. Como aquela da casa da tia, por onde passavam trens que nunca paravam.