quinta-feira, 23 de março de 2017
segunda-feira, 20 de março de 2017
Visitante
Jorge Finatto
outono. photo: jfinatto |
Quando o frio chega
eu saio com o bolso
cheio de pássaros
e vou até aí te visitar
tempero o inverno
no teu calor
de mulher
de manhã parto feliz
com tua luz
nas entranhas
____________
Do livro Claridade, coedição Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, 1983.
sábado, 18 de março de 2017
Senhor do tempo
Jorge Finatto
Arraial d'Ajuda, Bahia. photo: jfinatto |
SER DONO do próprio tempo é um privilégio de poucos. É algo raro. E também assusta, às vezes, porque é preciso saber o que fazer com o tempo. Embora a vida seja curta, os dias são sempre longos. Mas eu vejo como um enorme presente que a vida nos oferece. Chegar com saúde a esse estágio é uma felicidade que vem de Deus. Quantos, infelizmente, não conseguem?
A literatura e a fotografia, que eram atividades quase clandestinas, passaram à ordem do dia. Poder dialogar com os habitantes das praças, ainda que em silêncio, é um luxo. Enfurnar-se em sebos e livrarias, sem medo de perder a hora, beira a maravilha.
Ler e escrever em paz, fazer um bom café às três da madrugada, dormir perto do amanhecer. Escutar os pássaros depois de acordar, nas árvores da redondeza. Fazer o contrário do que sempre se faz, sem culpa. Fazer o que sempre se quis. Tudo isso uma beleza. Mas é, antes de tudo, uma conquista de décadas de trabalho e compromisso. Agora eu vou contar quantos cocos tem esse coqueiro em Arraial d'Ajuda.
A literatura e a fotografia, que eram atividades quase clandestinas, passaram à ordem do dia. Poder dialogar com os habitantes das praças, ainda que em silêncio, é um luxo. Enfurnar-se em sebos e livrarias, sem medo de perder a hora, beira a maravilha.
Ler e escrever em paz, fazer um bom café às três da madrugada, dormir perto do amanhecer. Escutar os pássaros depois de acordar, nas árvores da redondeza. Fazer o contrário do que sempre se faz, sem culpa. Fazer o que sempre se quis. Tudo isso uma beleza. Mas é, antes de tudo, uma conquista de décadas de trabalho e compromisso. Agora eu vou contar quantos cocos tem esse coqueiro em Arraial d'Ajuda.
quarta-feira, 15 de março de 2017
Passos e traços
Jorge Finatto
Arraial d'Ajuda. photo: jfinatto |
NADA ALÉM de alguns rastros na areia. Nos idos de março, a comunidade de veranistas rareia. Antes era uma multidão de passos em todas as direções, uns sobre os outros, a perder de vista. Depois vieram os ventos de março e foram apagando, um a um, os traços, levando-os para outros espaços.
No próximo verão, outros rastros, outros pés, outros passos se desenharão diante do mar, marcando reencontros e o calor de abraços.
Arraial d'Ajuda. photo: jfinatto |
O que é da praia, em março, já sem rastros? Solidão sob o sol.
Sem a presença dos teus passos, o mar recolhe os braços.
sábado, 11 de março de 2017
Kant à beira mar
Jorge Finatto
TODO VIVENTE devia ter uma rede baiana e uma água de coco pra se aconchegar. O mundo seria outro. Não haveria tanta maldade, nem tanta tristeza, nem tanta grossura.
A filosofia, na Praia do Mucugê, aqui em Arraial d'Ajuda, é outra. Do outro lado do Atlântico tem a África. Do lado de cima do mar, o céu azul-infinito. Daqui da cadeira de praia, vejo a linha do horizonte com seu bordado de nuvens.
Arraial d'Ajuda. photo: jfinatto |
Por todo canto, lonjuras, palmeiras, coqueiros, gente sossegada olhando o movimento dos barcos e das ondas.
Kant, se tivesse vivido em Arraial, escreveria que o imperativo categórico é suco de cupuaçu, mar quebrando na praia e caipirosca.
Devir é quando o sol se levanta, no fim do oceano, a cada amanhecer.
Kant, se tivesse vivido em Arraial, escreveria que o imperativo categórico é suco de cupuaçu, mar quebrando na praia e caipirosca.
Praia do Mutá, Bahia. photo: jfinatto |
Praia do Mutá. photo: jfinatto |
Devir é quando o sol se levanta, no fim do oceano, a cada amanhecer.
Sartre, por seu lado, teria ensinado que o inferno não é o outro, mas a sombra que ele projeta em nosso pedaço de areia.
Arraial d'Ajuda. photo: jfinatto |
Ortega y Gasset conceberia que eu sou eu e minha praia. Não existe filosofia nem felicidade longe daqui. Fora deste lugar habita o caos.
O resto, bem, o resto se vê depois.
quarta-feira, 8 de março de 2017
Saudade da Terra Brasilis
Jorge Finatto
índios em Porto Seguro. photo: jfinatto |
DIZEM QUE quando Cabral chegou nestas terras, em 22 de abril de 1500, o lugar era um paraíso. E decerto era. Como não seria? Ainda hoje percebem-se, em Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e arredores, vivos sinais de natureza (fauna e flora) e a resiliente presença do homem autóctone, o índio (atualmente o Pataxó), que vão resistindo, a duras penas, à multissecular invasão de seu território.
A Terra Brasilis nunca mais seria a mesma depois de 1500. Mas é preciso ser claro: nos últimos 200 anos a destruição da natureza e a falta de perspectivas para os índios e o restante da população são obra autoral de brasileiros. Em conluio com forças do atraso e da corrupção dentro e fora da Terra de Vera Cruz.
Nesta região, os treze navios da esquadra cabralina aportaram depois de Cabral avistar e dar nome ao Monte Pascoal (a cerca de 62 km ao sul de Porto Seguro). A Carta de Pero Vaz de Caminha, dando notícia do "descobrimento" a El Rey Dom Manuel, é um documento precioso do ponto de vista histórico e literário. Nela está presente a visão eurocêntrica do Novo Mundo. É o início da colonização e dos graves equívocos que começariam logo em seguida.
A palavra descoberta encoberta, no mínimo, um imenso eufemismo: já havia seres humanos habitando o lugar, povos indígenas com sua rica cultura e um modus vivendi em profunda integração e equilíbrio com a natureza.
Os navegadores portugueses encontraram um continente já povoado (com imensas áreas ainda por ocupar) e harmonioso (a Terra Brasilis, antes da chegada do europeu), até então livre de doenças terríveis trazidas do Velho Continente e da tentativa de dominação pela religião e pela força bruta. (Em Santa Cruz Cabrália foi rezada a primeira missa, em 26 de abril de 1500).
As cidades aqui do sul da Bahia são velhas como o Brasil e, como ele, muito jovens. Afinal, o que são 517 anos de história para uma nação ainda em formação?
A palavra descoberta encoberta, no mínimo, um imenso eufemismo: já havia seres humanos habitando o lugar, povos indígenas com sua rica cultura e um modus vivendi em profunda integração e equilíbrio com a natureza.
Os navegadores portugueses encontraram um continente já povoado (com imensas áreas ainda por ocupar) e harmonioso (a Terra Brasilis, antes da chegada do europeu), até então livre de doenças terríveis trazidas do Velho Continente e da tentativa de dominação pela religião e pela força bruta. (Em Santa Cruz Cabrália foi rezada a primeira missa, em 26 de abril de 1500).
As cidades aqui do sul da Bahia são velhas como o Brasil e, como ele, muito jovens. Afinal, o que são 517 anos de história para uma nação ainda em formação?
Igreja N.S. da Conceição, Santa Cruz Cabrália, Bahia. photo: jfinatto |
De qualquer modo, é tempo suficiente para praticamente exterminarem os povos indígenas, os habitantes originais, com quem temos tanto a aprender. A natureza, com este mar incrível e seus rios, persevera nos campos, florestas e sertões, mas não se sabe até quando. Um triste exemplo é o modo de ocupação e devastação da Amazônia. Uma ocasião sobrevoei a floresta e fiquei impactado com a fumaça das queimadas que vinha lá de baixo numa enorme extensão.
A Terra Brasilis nunca mais seria a mesma depois de 1500. Mas é preciso ser claro: nos últimos 200 anos a destruição da natureza e a falta de perspectivas para os índios e o restante da população são obra autoral de brasileiros. Em conluio com forças do atraso e da corrupção dentro e fora da Terra de Vera Cruz.
segunda-feira, 6 de março de 2017
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