domingo, 24 de dezembro de 2017
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
O eremita viajante
Jorge Finatto
imóvel contemplo a lua
e os outros pensam
que sou cego
Matsuo Bashô ¹
NA TARDE-NOITE de chuva fina (o silêncio monta guarda em volta da casa), leio poemas de Matsuo Bashô (1644 -1694). Já nos primeiros haikais me vejo diante do Monte Fuji coberto de neve. Atravesso um riacho de pés descalços. Ouço o pássaro no ramo da cerejeira. Converso com uma borboleta. Encontro o amigo em meio à viagem por caminhos de chão batido.
Bashô adorava botar o pé na estrada, viajava em busca de lugares e encontros, hospedava-se na casa de quem o acolhesse. Vivia com simplicidade perto da natureza (seus discípulos construíram para ele uma cabana rústica onde morar, nas margens do Rio Sumida, e plantaram uma bananeira no pátio). Ele então adotou o nome da bananeira (bashô) como seu nome literário. Gostava de sentar-se sob suas folhas e sentir o vento e a chuva passando por elas.
Bashô era só e era muitos.
Por ocasião da partida de Sôha, que vivia na casa ao lado.
a casa do lado
ficará em silêncio
como um velho ninho ²
O grande poeta e viajante japonês nos leva ao umbral do mistério. Uma vez lá, deixa por nossa conta penetrá-lo ou abandoná-lo. A experiência para quem nele se aventura é tocante e plena de revelações.
Os versos de Bashô exercem fascínio pela aguda e original percepção do universo. As coisas são vistas como da primeira vez. Tudo é novo aos sentidos e ao pensamento. O mundo se revela ante o olhar inocente.
Este olhar inaugural volta-se para as coisas do dia a dia. Abre-nos a mente diante daquilo que por vezes parece corriqueiro e desinteressante. Isto é possível graças a uma linguagem que foge ao habitual e ao ruído, repleta de silêncios.
A poesia que Bashô nos legou é cativante e bela como um amanhecer. Simples nos seus motivos, tem alcance transcendente no coração do leitor. É um golpe de ar puro e fresco na alma ressequida. Uma excelente apresentação de sua obra encontramos no livro O eremita viajante.
Como era sua vontade, o poeta foi sepultado no mosteiro de Gichu-Ji, nas margens do Lago Biwa. Em sua sepultura foi plantada uma bananeira.
a minha pele
perderá o calor
e ficará fria ³
_________Bashô adorava botar o pé na estrada, viajava em busca de lugares e encontros, hospedava-se na casa de quem o acolhesse. Vivia com simplicidade perto da natureza (seus discípulos construíram para ele uma cabana rústica onde morar, nas margens do Rio Sumida, e plantaram uma bananeira no pátio). Ele então adotou o nome da bananeira (bashô) como seu nome literário. Gostava de sentar-se sob suas folhas e sentir o vento e a chuva passando por elas.
Bashô era só e era muitos.
Por ocasião da partida de Sôha, que vivia na casa ao lado.
a casa do lado
ficará em silêncio
como um velho ninho ²
O grande poeta e viajante japonês nos leva ao umbral do mistério. Uma vez lá, deixa por nossa conta penetrá-lo ou abandoná-lo. A experiência para quem nele se aventura é tocante e plena de revelações.
Os versos de Bashô exercem fascínio pela aguda e original percepção do universo. As coisas são vistas como da primeira vez. Tudo é novo aos sentidos e ao pensamento. O mundo se revela ante o olhar inocente.
Este olhar inaugural volta-se para as coisas do dia a dia. Abre-nos a mente diante daquilo que por vezes parece corriqueiro e desinteressante. Isto é possível graças a uma linguagem que foge ao habitual e ao ruído, repleta de silêncios.
A poesia que Bashô nos legou é cativante e bela como um amanhecer. Simples nos seus motivos, tem alcance transcendente no coração do leitor. É um golpe de ar puro e fresco na alma ressequida. Uma excelente apresentação de sua obra encontramos no livro O eremita viajante.
Como era sua vontade, o poeta foi sepultado no mosteiro de Gichu-Ji, nas margens do Lago Biwa. Em sua sepultura foi plantada uma bananeira.
a minha pele
perderá o calor
e ficará fria ³
quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
Canção da bruma
Jorge Finatto
SENHOR
quando chegar
a minha vez
de cruzar a ponte
deixa eu levar comigo
no alforje de nuvem
os dias de sol
as tardes
de outono
os pinheiros
da serra onde
nasci
deixa eu levar
o som do riacho
as antigas
conversas
da Rua São João
me concede
a memória
dos amigos
de infância
na bruma
que serei
me alcança
um bosque
e pássaros
para tecer
a minha casa
___________
Poema do livro O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
sábado, 9 de dezembro de 2017
Escutai os pássaros
Jorge Finatto
photo: jfinatto, 6/12/2017. o beija-flor e as flores de lavanda |
NA CIDADE grande o convívio com os pássaros é difícil. Quase tudo trabalha contra eles. Excesso de edifícios, de barulho, de luz artificial, escassez de áreas verdes, de alimento, de ar para voar, respirar, cantar. Mais a indiferença das pessoas. Uma danação.
Em Passo dos Ausentes é diferente. Existem pássaros em abundância e eles podem viver a sua vidinha em paz e liberdade. Que o digam os delicados beija-flores nos canteiros de lavanda!
Hoje enquanto caminhava pelo quintal, no sossego da tardinha, escutei o canto dos passarinhos nas árvores. De várias espécies, cantavam a capela. Tão doces eram os cantos que por um momento senti que Deus andava por perto, maravilhado como eu.
Poucas vezes me senti tão bem. Fiquei ali entre os cedros, pinheiros, magnólias, roseiras, jasmineiros. Me sentindo pleno e humilde.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
O jardineiro amoroso I
A VIDA é breve, raro leitor, e os livros que não li não cessam de brotar nas livrarias. Enquanto isso, constelações deles hibernam nos sebos. É impossível ler tudo isso numa só existência. Sem falar que tenho coisas pra fazer e meus próprios textos pra cuidar, apesar de não ter leitores.
Escrevo para fantasmas. É correr atrás do vento. Mas há quem goste das fotografias pelo menos.
Escrevo para fantasmas. É correr atrás do vento. Mas há quem goste das fotografias pelo menos.
Um jardineiro amoroso deve cuidar do seu jardim, sem esquecer de arrumar tempo para admirar os jardins alheios. Tem muita coisa bonita pra ver fora de nós. Aí está a graça. Serve de consolo quando cá dentro faz escuro.
Importante é não perder o gosto e a beleza de cultivar e se deixar cultivar.
O resto, aí as frustrações, desânimos, incompreensões, etc., passa, passa, que a vida é só um suspiro. Um longo suspiro. Mas a viagem, mesmo nos dias sombrios, é bela.
Não sei por que mas este texto me deu vontade de tomar um café no Café Tortoni,* em Buenos Aires, acompanhado de um doce portenho. Vá saber.
__________
*Café Tortoni:
https://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/search?q=Caf%C3%A9+Tortoni
Importante é não perder o gosto e a beleza de cultivar e se deixar cultivar.
O resto, aí as frustrações, desânimos, incompreensões, etc., passa, passa, que a vida é só um suspiro. Um longo suspiro. Mas a viagem, mesmo nos dias sombrios, é bela.
Não sei por que mas este texto me deu vontade de tomar um café no Café Tortoni,* em Buenos Aires, acompanhado de um doce portenho. Vá saber.
__________
*Café Tortoni:
https://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/search?q=Caf%C3%A9+Tortoni
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Não me abandones
Jorge Finatto
a Chet Baker
a Chet Baker
photo: jfinatto |
povoa a noite
com teu suprimento
de afeto
enche o deserto
com teus passos
em segredo
devolve-me
a delicadeza
daqueles dias
me dá outra vez
o diamante
da tua
presença
________
*Do livro O Habitante da Bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
Leia também Chet on poetry:http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/uma-viagem-sentimental.html
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Chet Baker (1929 - 1988) |
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
As virgílias e o viajante
SIM, RARO LEITOR, nascemos de mãos dadas com nossa irmã gêmea, a solidão. Mas a vida não há de ser um buraco só dentro do peito. Tinha de ser mais, tem de ser mais. Ninguém veio ao mundo pra ser deserto.
Encontrar seres humanos, dividir o vagão do trem, é o lado mais bonito e luminoso da viagem.
Mas, em caso de urgência, o viajante tem pelo menos as virgílias.
São minúsculas borboletas que não têm mais que um centímetro de envergadura nas asas. Revoluteiam ao redor dele. São dezenas, cada uma com sua cor viva: violeta, azul, púrpura, amarelo, lilás, laranja, branco, preto.
As virgílias surgem do nada. Acendem a solidão como lamparinas em miniatura. Ficam voando em volta do viajante como efêmeras lanternas com piscar intermitente.
As virgílias depois vão-se embora. Apagam aos poucos suas luzes até que nenhuma mais resta.
Nenhuma. E o viajante dorme esperando amanhecer.
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