sábado, 16 de março de 2019

A poesia está em toda parte

Jorge Finatto

Ron Padgett. photo by Chris Felver
 
 
Varrer

O que eu quero
é esquecer tudo
o que alguma vez soube sobre poesia
e varrer a caruma
de cima do telhado da cabana
e vê-la voar para longe
nesta tarde de Outubro

A caneta é mais poderosa que a espada
mas hoje a vassoura
é mais poderosa que a caneta                       

                                     Ron Padgett*
 
 
CONTINUO LENDO, calma e atentamente, o livro Poemas Escolhidos, de Ron Padgett. Não se deve ler um livro de poemas como quem lê um romance ou outra prosa qualquer. O poema pede retiro, distanciamento, já nem digo físico, mas espiritual. Quer dizer, é preciso construir um espaço de silêncio interior em meio ao tumulto e à brutalidade do cotidiano para deixar entrar um pouco de luz em forma de poesia.
 
Até onde eu sei não existe livro de Padgett lançado no Brasil. A tradução em Portugal dos Poemas Escolhidos (setembro de 2018) vem em muito boa hora por oferecer uma visão ampla da obra do poeta norte-americano em língua portuguesa. Quem viu o excelente filme Paterson, que tem poemas dele, saiu do cinema com a impressão de que a poesia não só é possível como está muito viva nos dias de hoje, em plena aridez deste início de século.
 
Depois que publiquei a resenha sobre o poeta no post anterior, resolvi encaminhar-lhe por e-mail. Fiquei surpreso e sensibilizado com a resposta que ele deu. Não é sempre que um bardo de arrabalde se comunica com um "colega" de Nova Yorque, ainda mais quando este último é famoso e um dos mais importantes da atualidade. O que reforça a ideia de que a poesia irmana todos os humanos não importa onde vivam. Não tem centro nem periferia. Uma força cósmica nos reúne em torno da palavra.
 
A poesia, como o ar, está em toda parte.
 
Dear Jorge,
Thank you for the kind words. Tonight at dinner I will raise a bica in your honor. 
Best wishes, 
 
Ron Padgett
 ____________
*Poemas Escolhidos. Ron Padgett. Seleção, tradução e introdução por Rosalina Marshall. Editora Assírio & Alvim, Portugal, 2018.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Um poeta: Ron Padgett

Jorge Finatto

Ron Padgett. O crédito será dado tão logo identificado
o autor da imagem

O poeta enquanto pássaro imortal
 
Um segundo atrás o meu coração deixou de bater
e eu pensei: "Seria uma péssima altura
para ter um ataque cardíaco e morrer,
a meio de um poema", então reconfortou-me
a ideia de que nunca soube de ninguém
que morresse a meio da escrita de um poema,
assim como os pássaros nunca morrem a meio do voo.
Acho.
                         Ron Padgett
 
O LIVRO mais interessante que encontrei nesse início de 2019, e que estou levando na bagagem para as leituras da Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária, Musical, Geológica, Astronômica, Antropológica e Antropofágica de Passo dos Ausentes, é Poemas Escolhidos, do norte-americano Ron Padgett. Não fosse por outras razões, esta só descoberta teria valido a viagem a Lisboa.

Enquanto pescava nas estantes da Livraria Bertrand, me chamou a atenção o volume solitário. Nunca tinha lido nada sobre o autor. Peguei o livro, li alguns versos aqui e ali. Fechei e saí para outra estante. Já estava com 26 livros na mala.

Mas aqueles versos ficaram batendo na minha cabeça. Voltei, abri de novo, li outros versos. Cheguei à conclusão de que não poderia voltar ao hotel sem aquele poeta. Paguei os 18,80 euros e fui folheá-lo no Café Praça Central, ali mesmo, no Shopping Amoreiras.

Padgett nasceu em Tulsa, Oklahoma, em 1942, e está bem vivo nos Estados Unidos. São de sua autoria alguns dos poemas do belo filme Paterson, de 2016, escrito e dirigido por Jim Jarmusch. A história trata, em resumo, da vida de um pacato motorista de ônibus que também escreve, e como escreve!, poemas. Uma vida comum apenas na aparência, cheia de busca de sentidos e beleza.

Padgett escreve sobre coisas do cotidiano, nada transcendentes (na aparência). Mas que, na mira de seu olhar sensível, adquirem uma outra dimensão.

Não é quimérico nem oráculo. Quando escreve é como se caminhasse ao lado do leitor pela rua, qualquer rua, numa cidade qualquer, Nova Yorque ou Selbach. Escrever assim é deixar-se tocar pelas mãos candentes da vida, é estar louco, mas sem abdicar da lucidez e dos sonhos.

Estou lendo aos poucos e com calma como deve ser lido um livro de poemas. A edição bilíngüe permite acompanhar o trabalho de tradução e aquilatar seu alcance (sem esquecer que traduzir poemas é uma das maiores aventuras a que alguém se pode lançar).

O poeta não dá muitas voltas, vai ao ponto. Ao mesmo tempo, especula o brilho das estrelas nos olhos de um pássaro. Não quer ser, e não é, um pastor ou um guia no deserto.  Fala uma língua humana, é profundo, bem-humorado, irônico, mas nunca cruel, com a vida, consigo e com o leitor. Um grande achado.

Um autor que merece ser levado para casa.


_________ 
Poemas Escolhidos. Ron Padgett. Seleção, tradução e introdução por Rosalina Marshall. Editora Assírio & Alvim, Portugal, 2018.

terça-feira, 5 de março de 2019

A volta

Jorge Finatto
photo: jfinatto. Lisboa

VAI SER difícil voltar a Porto Alegre e não te ver mais. Encontrarei um apartamento fechado, uma janela onde o sol já não entra. Não estarás à minha espera nem à espera de ninguém. Os dias de esperar terminaram. As tuas horas, borboletas numa tarde poente, sumiram, sumiram.

Primavera está chegando mas não pra ti, Nena. Eras o centro de uma mesa com muitos lugares. Porta e janela se fecham com a tua casa vazia. Terei de inventar outra morada, outra mesa, e pôr novas flores na minha janela triste.

A tua ausência permanece de braços abertos na porta.

Vou pintar um sol amarelo sobre a folha branca. Tecer a aurora para expulsar a escuridão da tua falta.

sábado, 2 de março de 2019

Lisboa

Jorge Finatto
 
vista Lisboa a partir de Cacilhas. photo: jfinatto
 

VISTA do outro lado do Tejo, do cais de Cacilhas, Lisboa aparece iluminada pelo sol de inverno. A cidade de tantos poetas e tantos fados não economiza sua luz. É generosa com o visitante.
 
Invadida por turistas (estão por todo lado a toda hora), não perde seu jeito de ser. Está sempre em si mesma.
 
Lisboa se conhece aos poucos, é amiga do tempo, não se deixa conquistar sem sentimento.
 

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Aveiro

Jorge Finatto
 
Moliceiro na Ria de Aveiro. photo: jfinatto
 
AVEIRO é uma cidade cordial. É isto que sinto conversando e andando por aqui. Um passeio de moliceiro pela Ria de Aveiro é uma beleza. A cidade tem canais que se formam a partir do encontro das águas do mar com o rio Vouga. A Ria resulta desse encontro. Quem gosta de cidades de rio ou mar, como eu, sente-se em casa.

painel com azulejos, Aveiro. photo: jfinatto
 
O tratamento dos habitantes é simples e gentil. O centro histórico, o casario, as igrejas, as ruas e vielas, os doces de ovos moles, tudo faz a gente querer ficar e, depois, voltar. Lugares que gostei muito de conhecer: o Hotel Moliceiro, os restaurantes Maré Cheia e O Augusto, além de A Barrica com seus doces que são verdadeiro tormento para diabéticos.

a Ria de Aveiro. photo: jfinatto
  

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Bolonha

Jorge Finatto 

photo: jfinatto

HÁ CIDADES que têm museus. Há cidades que são museus. Acervos viventes com habitantes, casas, cores, monumentos, ruas, pontes, histórias... Bolonha é um museu vivo. O passado de muitos séculos está presente. Ontem e hoje se encontram. O tempo já não é esquecimento. É memória em cotidiana construção.
 
photo: jfinatto
 
photo: jfinatto

No primeiro dia na cidade, no Casco Velho de Bolonha, fiquei com a impressão de que poderia ser atropelado a qualquer momento, tal o trânsito caótico pelas ruas e vielas. Um movimento intenso e em velocidade de lambretas, carros e bicicletas surgindo por todo lado. Um situação de aflição. Multipliquei os cuidados.  Mas sobrevivi. Deus é pai!
 
photo: jfinatto
 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Café Odeon

Jorge Finatto
 
Rio Limmat. Zurich. photo: jfinatto

Zurich, 11 de fevereiro - DEPOIS de uns dias em Thun e Annecy, vem Zurich. Cinco horas de trem desde a França. A gente chega quadrado. Mas tudo vale a pena. Passando a fronteira sente-se que a Suíça é outro planeta. A população resumida a 8 milhões e quatrocentas mil pessoas, uma organização e um modo de viver que vêm de muitos séculos fazem deste país um lugar à parte. Tudo é feito para funcionar e funciona num nível elevado.
 
Igreja Protestante Grossmünster, Zurich.
photo: jfinatto
 
A democracia direta, em que os cidadãos decidem pelo voto as coisas que realmente importam, faz toda a diferença. Não se resumem a votar de quatro em quatro anos em governantes sobre os quais em geral pouco ou nada se sabe, e cujos resultados disso nós, brasileiros, bem conhecemos. Um país rico e trabalhador. Evidente que tem defeitos, mas no básico todos têm o necessário, têm direitos respeitados, uma vida. A ostentação não é um defeito suíço. São austeros sem ser misantropos. 25% da população, segundo andei lendo, são imigrantes.
 
Hoje passei no Café Odeon, tomando um cappuccino. Existe desde 1911. Desde sempre freqüentado por artistas, poetas, escritores, políticos, cientistas, entre eles Stefan Zweig, James Joyce, Albert Einstein, Toscanini, Mussolini, Tristan Tzara, Klaus Mann, Lenin, Sommerset Maugham, Friedrich Dürrenmatt.
 
Café Odeon, Zurich. photo: jfinatto
 
E caminhei à margem do Rio Limmat, verde-azul transparente, com suas nuvens, barcos e aves refletidas na face ondulante. Um frio de rachar, mas nada que um ausentino não possa suportar com calma.