Jorge Finatto
Na tarde a neve cai mansamente na ruazinha. Espalho a cortina sobre as vidraças da mansarda. Desço a escada de madeira escura e entrego a chave na portaria da pousada. Uma lareira com chamas ocre-alaranjadas ilumina o ambiente.
A senhora de cabelo branco, um pouco sonolenta, recebe-a e deseja um bom dia. Saio pelas vielas de Lucerna, ruminando névoa.
A tosse seca dos últimos dias amenizou. É preciso caminhar. Os flocos brancos se depositam sobre o capote e o chapéu.
A tosse seca dos últimos dias amenizou. É preciso caminhar. Os flocos brancos se depositam sobre o capote e o chapéu.
Eu tenho amor pelos que partiram. Olho as pegadas no caminho. Nunca esqueço. Não fui feito para o esquecimento. Ninguém foi. Várias pessoas amadas morreram. Alguns amigos e amigas se dispersaram na nuvem dos dias. O sentimento ficou. Todos estão comigo. Somos como a bruma.¹
Se o pássaro imagina que é seu último voo, não vai sair do ninho. Se alguém pensa que é o último abraço, vai hesitar. Então é melhor viver o momento como se fosse eterno. Será que não é? E se Einstein estiver certo e a noção de passado, presente e futuro for só uma ilusão? E se, como querem os eternalistas, os três existirem simultaneamente?²
Na dúvida, devemos viver como se a morte fosse uma hipótese remota. Como se o fim já não existisse, pelo menos não agora. Como se viver dia após dia fosse tudo que nos resta. E seguir andando.
Caminhamos deixando pegadas na neve.
Caminhamos deixando pegadas na neve.
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¹A bruma de que somos feitos:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2015/04/a-bruma-de-que-somos-feitos.html
²Viaje alrededor del tiempo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/09/viaje-alrededor-del-tiempo.html