Jorge Finatto
photo: jfinatto, dez. 2021 |
a vida de todos os dias, a que eu sempre quis {textos e imagens: Jorge Finatto}
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
"De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Será que essa fé pode salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã não tem o que vestir nem alimento suficiente para o dia, e um de vocês lhe diz: 'Vá em paz; mantenha-se aquecido e bem alimentado', mas não lhe dá o que ele necessita para o corpo, de que adianta isso? Assim também a fé, por si só, sem obras, está morta."
Tiago 2:14-17
Jorge Finatto
Porto Alegre vista de uma janela da FIC photo: j.finatto |
Beira rio. photo: j.finatto |
Árvore diante da FIC, na beira do Guaíba. photo: j.finatto |
Jorge Finatto
Velha Bruxa, Canela.foto: jfinatto |
Jorge Finatto
photo: jfinatto. nov. 2021 |
Tem dias que nada me inspira quando estou em Porto Alegre. Não vou ao café nem à praça. Fico no escritório trabalhando, como hoje, ouvindo o Concierto de Aranjuez e outras dádivas de Joaquín Rodrigo.
Às vezes vou até a janela onde vislumbro a imagem consoladora desse flamboyant na calçada. Ele me mostra que há vida e há esperança na cidade grande. Dádiva na treva urbana.
Muita gente passa por ali e nem percebe.
Então eu acho que sou um cara de sorte por sentir a presença e a inspiração que vem do querido flamboyant.
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
Ninguém jamais viu a Deus. Se continuamos a amar uns aos outros, Deus
permanece em nós e o seu amor é aperfeiçoado em nós. 1 João 4:12
Penso
em Deus várias vezes ao dia. Não tenho ideia de sua aparência, de seu tamanho,
de seu endereço. Uma vez que teceu o infinito, sei que ele é infinitamente maior
que todo o universo. Às vezes me pergunto se ele realmente existe ou é apenas
um sonho que sonhamos na nossa imensurável solidão. Pergunto, também, se ele me
enxerga: um grão de poeira na Via Láctea: ser insignificante, habitante de uma
placenta cheia de estrelas e inumeráveis corpos celestes. Haverá outros seres
como nós?
Gente sábia
pensou e pensa sobre Deus em todas as épocas. Todo ser humano pensa em Deus.
Porque é impossível não pensá-lo. E como não fazê-lo diante de tanto encantamento,
tanto sofrimento, tantas interrogações, tanta beleza? Certa vez indagaram ao
filósofo, psicanalista, erudito e escritor Carl Gustav Jung sobre sua ideia a
respeito de Deus. Ele respondeu: eu sei.
O que
Jung quis dizer? Creio que pretendeu afirmar que sua experiência com o ser
divino era semelhante à de todos nós, pessoas comuns. Nossa experiência acerca
de Deus vem de longe, atravessando gerações e gerações, de pessoa em pessoa, de
alma em alma, de aldeia em aldeia. Deus é um ser incontornável, que floresce em
todas as mentes e corações. É uma realidade que se impõe, acreditemos nele ou
não. É inevitável como respirar. Deus está em nossas células. Nós
"sabemos" Deus porque não existe possibilidade de ignorá-lo. Está
impregnado na nossa essência, em nosso antes e nosso depois.
Vivemos
cercados de Deus por todos os lados.
A
ninguém é dado não ter conhecimento dele, deixar pra lá. Crendo ou não, a
presença dele se impõe. Entre crentes e ateus. Não conhecemos sua face,
ignoramos sua morada, nunca ouvimos sua voz, desconhecemos sua origem e suas
canções preferidas. Mas de alguma forma "sabemos" Deus.
A
condição humana é inescapável. Nela está ínsita a figura luminosa de Deus. Não
temos como nos livrar dele. Não temos para onde correr. Deus é inexplicável e
é, sobretudo, inevitável. É impossível resumir Deus numa frase. Nenhum conceito
o aprisiona. Nenhuma definição o limita.
Quem
recolhe a tempestade no leito de um lenço?
Filósofos,
livres-pensadores, cientistas e escritores têm ocupado parte de seus talentos e
esforços esquadrinhando a existência divina. Alguns encaminham-se pela negação,
mostrando-se revoltados com o que consideram barbáries em certos relatos
bíblicos. Outros, por infensos à Igreja Católica, desconsideram Deus
(como se fosse propriedade e criação dela).
De
tanto ocuparem-se de um Deus cuja existência tentam negar - sem consegui-lo – deixam
uma fresta aberta para a possibilidade oposta. É razoável concluir que mentes
privilegiadas não perderiam anos de vida com algo que simplesmente inexiste.
A
própria preocupação em torno do tema demonstra que "algo" é,
"algo" há que escapa da compreensão e não se deixa dominar pelo conhecimento
racional humano.
Deus é um mistério e um sentimento que nos habita desde a remota escuridão de onde viemos. Resta claro que é preciso mais do que a razão para nos aproximarmos dele. A fé faz parte desse caminho. Talvez um dia acenda-se em nosso coração a luz que nos revelará o que tanto ansiamos saber.
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
Na tarde de quarta-feira, logo após chegar a Caxias do Sul, fiz um passeio pela praça Dante Alighieri, a principal da cidade. Vim para o lançamento do livro e inauguração da exposição de esculturas de Bez Batti, "Dialogando com Picasso".
photo: jfinatto |
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
Quantas dessas 600 mil mortes por covi-19 poderiam ter sido evitadas se houvesse um pouco mais de afeto social e bom senso?
A vida é muito mais do que a politização dessa tragédia. Ninguém merece perdê-la pelo negacionismo dos que têm o dever de preservá-la. O Brasil é muito melhor do que isso.
Devemos nos negar a habitar o imenso cemitério que inventaram ao nosso redor.
Resistir até que o pesadelo acabe.
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
O vento soprou nas ruas do bairro hoje, varreu folhas mortas, choveu um pouco, esfriou, depois houve um silêncio.
A primavera mal começou e o inverno voltou com sua mala cheia de presságios, suas fotos e cartas antigas, suas bonecas de porcelana, seus segredos.
Ficou um resto de azul nas poças d'água, um aroma de flor na calçada, resquícios de primavera.
Me lembrei de quando andávamos sem máscara pela cidade. Faz tantas luas. Senti saudade. E os dias nem eram tão lindos assim. O tempo anda doido (doído). Sei lá.
Jorge Finatto
photo: jfinatto, 20.set.2021 |
Jorge Finatto
Lua e estrela. photo: jfinatto. 9/9/21 |
O tempo, às vezes, aparece, em sonho (será, talvez, um pesadelo), como um rio que corre sem parar e nos leva de arrasto com ele até uma imensa cachoeira. Um dia caímos no desconhecido que chamamos morte. Desaparecemos no sumidouro.
Carrego essa imagem recorrente que é uma metáfora do inevitável fim que nos persegue. A única hipótese de salvação é que Deus não nos esqueça e nos faça ressuscitar. Do contrário será a irremissível vitória do esquecimento sobre o milagre da vida.
Jorge Finatto
Castelo de Gruyères, Suíça. jfinatto |
Na quarta-feira saí para dar uma volta no bairro, em Porto Alegre, levando o Gambelo a passear. Na frente de um edifício, no gramado interno, reconheci um vizinho de muitos anos que ali estava com seu cachorrinho. Percebi que lembrou de mim, ainda que de um jeito meio vago. Aproximei-me para cumprimentá-lo. Não nos víamos há mais de três anos, desde que fui morar no interior. Perguntei-lhe como estava.
Ele respondeu que estava bem e quis saber meu nome. Estranhei mas respondi. Ele então falou que conhecia outro Finatto, seu vizinho, que morava ali perto. E era juiz. Indagou se eu não o conhecia. Respondi que não, mas que também morava no bairro, naquela rua, e tinha a mesma profissão. Pensei que ele ia se dar conta. Ele ficou surpreso...
Dei-me conta de que meu vizinho de mais de 20 anos não me reconhecia mais. Está com 80 anos e aparenta boa forma física. Engenheiro, construiu muitos prédios. Era capaz de recordar quem eu era, no passado, sabendo alguns detalhes da minha vida, mas não me reconhecia no presente. Voltei pra casa desalentado.
Comentei com um médico que disse tratar-se, possivelmente, de Alzheimer. A pessoa "perde contato com a torre", disse ele, tem falta de memória, fica desorientada, não reconhece pessoas, coisas que acontecem aos vivos, ninguém está livre, etc.
Eu fiquei muito tocado com o episódio. É duro demais. Rezo pelo meu vizinho desejando que siga a vida. De qualquer forma, seja feliz com ou sem memória.
Jorge Finatto
capa livro Viveiro, 1981 |
Jorge Finatto
cerejeira do Japão. photo: jfinatto |
Jorge Finatto
Obra: Totenklage, de Hermann Scherer Kunsthaus, Zurich, foto: Jfinatto |
A Rua São João, onde vivi até os seis anos, era um resumo do mundo. Tinha toda gente ali. Gente muito pobre, gente remediada, gente com algum dinheiro metida a besta. Eu morava com os avós a meio caminho entre o início e o fim da rua. Meus amigos vinham dos dois lados.
A Rua São João foi nossa ilha de Patmos, lugar humilde e esquecido. Fragmento de uma civilização da qual era apenas um minúsculo reflexo. O apóstolo, porém, vivia lá conosco e, comovido, deve ter escrito muitas histórias daquele pequeno mundo.
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
A fúria do tempo não dá trégua e açoita os vivos. Os que são por um instante.
No alto da colina os mortos velam a cidade. Olham o Guaíba e os marinheiros que partem cedo da manhã nos cargueiros para outros mundos.
Os mortos observam a cidade do alto da colina. Não há movimento nas ruas, casas, praças, parques e edifícios. Os vivos adormecem em fundas grutas de sombras e cansaços.
Os mortos na alta colina procuram sentidos e não há mais sentidos.
Na cidade dos mortos os mortos velam os vivos.
Jorge Finatto
Lago Lugano. Suíça. photo: jfinatto |
Jorge Finatto
Rio Guaíba. photo: jfinatto |
As lembranças mais antigas que carrego de Porto Alegre estão ligadas ao Rio Guaíba. Rio que especialistas em assuntos hídricos denominam lago.
Eu jamais cederei ao conceito científico de chamar de lago o meu amigo Guaíba. Nos conhecemos de muitas décadas pelos nomes com que fomos apresentados, na infância ainda, não tem por que mudar isso.
Quando ando perto dele, sinto no rosto a brisa ou o vento que vem de seu eterno movimento, e do mar. O aroma adocicado de suas águas impregna os barcos de madeira dos pescadores.
Os habitantes das ilhas adivinham o mau tempo pelo encrespado nervoso das ondas. Às vezes um grande navio adentra ou sai lentamente pelo canal. Chegadas e partidas do povo das águas.
O cais ensina que todos estamos de passagem.
Tinha seis anos quando viemos - os avós e eu - visitar a família em Porto Alegre. Ficamos no pequeno apartamento da Rua Washington Luiz de frente para o Guaíba.
O que era para ser uma simples viagem de passeio transformou a minha vida. A avó morreu, de repente, no sofá da sala, assistindo à televisão comigo ao lado. Nunca mais voltei para a casa serrana.
Foi ali que, com os olhos cheios de lágrimas, esperando o bonde passar, atravessei a rua e visualizei de perto, pela primeira vez, o rio, longo, largo, cheio de vida.
Os pequenos barcos, as grandes embarcações. As gaivotas, os biguás, os peixes. A solidão.
O Guaíba foi meu primeiro amigo em Porto Alegre.
Jorge Finatto
Li agora, no informativo da Ajuris, que morreu ontem José Paulo Bisol aos 92 anos. Desembargador aposentado, desenvolveu também intensa atividade como homem público na política após a aposentadoria. Lembro dele antes da política como comentarista de futebol, no século passado, acho que na TV Educativa. Teve presença marcante também na TV Gaúcha uma época. E, sobretudo, para mim, como apresentador de um comentário, às 7 da manhã, na Rádio Gaúcha, Bom Dia, Mano, se não me engano era o nome. Eu morava então numa quitinete na beira do Guaíba, trabalhava como revisor de livros e a vida era na sobrevivência, raça pura. O comentário do Bisol me ajudava a enfrentar a dureza do cotidiano. Uma escuridão tremenda ainda sob os efeitos da ditadura militar que assolou o país (1964-1985). Nunca esqueci a força, a energia, a crença no amanhã que ele passava nas palavras. Como juiz estive com ele uma única vez, quando ele era Secretário da Segurança Pública do Estado, governo Olívio Dutra, num Encontro de Execução Penal do Tribunal de Justiça. Não houve oportunidade de dizer-lhe o quanto suas lúcidas e cálidas palavras tinham sido importantes. Fica aqui o registro. Que Deus o acolha no coração.
Jorge Finatto
Em memória dos 500 mil mortos durante a pandemia covid-19 no Brasil
"A pessoa tenta puxar o ar para dentro dos pulmões mas o ar não vem. Uma, duas, três, várias vezes. Até que o ar não é mais preciso. A pessoa não está mais ali. Meu pai do céu amado!"
De um sobrevivente de UTI.
A todos aqueles que subestimaram a pandemia e negaram seu imenso poder de destruição está reservado um capítulo na história. Como se diz, a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. Ninguém foge disso.
Muitos dos que debocharam e ainda hoje debocham da gravidade do que estamos vivendo, da dor e do sofrimento de milhões de pessoas, amanhã ou depois, diante de um tribunal local ou internacional, haverão de fazer-se de inocentes ou arrependidos. Mas então será tarde.
Tiveram todas as chances de perceber o que estava acontecendo e de agir de modo diferente e, no entanto, desprezaram os fatos movidos sabe-se lá por quais sentimentos.
Como se o horror de 500 mil mortos fosse o preço razoável (e necessário) a pagar pelo aumento do pib.
Como se todas essas mortes fossem inevitáveis e não fruto da mais abjeta e cultivada maldade de uns e ignorância de outros.
Como se medidas simples e universalmente aceitas não fossem capazes de evitar muitas dessas perdas, se tivessem sido adotadas tempestivamente em programa nacional de prevenção voltado para a população em todos os entes federados.
Como se a politização da pandemia, o conflito permanente, a vaidade pessoal exacerbada, a sede absurda de poder não fossem a chave do abismo. O futuro chegará e haverá julgamento para todos que usaram a pandemia para obter vantagem.
500 mil vidas perdidas serão registradas para sempre na História e permanecerão em nossos corações, nas nossas preces e na memória das gerações que virão.
Jorge Finatto
Em memória dos quase 500 mil mortos* durante a pandemia covid-19 no Brasil
"A pessoa tenta puxar o ar para dentro dos pulmões mas o ar não vem. Uma, duas, três, várias vezes. Até que o ar não é mais preciso. A pessoa não está mais ali. Meu pai do céu amado!" De um sobrevivente de UTI.
A todos aqueles que subestimaram a pandemia e negaram seu imenso poder de destruição está reservado um capítulo na história. Como se diz, a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. Ninguém foge disso.
Muitos dos que debocharam e ainda hoje debocham da gravidade do que estamos vivendo, da dor e do sofrimento de milhões de pessoas, amanhã ou depois, diante de um tribunal local ou internacional, haverão de fazer-se de inocentes ou arrependidos. Mas então será tarde.
Tiveram todas as chances de perceber o que estava acontecendo e de agir de modo diferente e, no entanto, desprezaram os fatos movidos sabe-se lá por quais sentimentos.
Como se o horror de 500 mil mortos fosse o preço razoável (e necessário) a pagar para o aumento do pib.
Como se todas essas mortes fossem inevitáveis e não fruto da mais abjeta e cultivada maldade de uns e ignorância de outros.
Como se medidas simples e universalmente aceitas não fossem capazes de evitar muitas dessas perdas, se tivessem sido adotadas tempestivamente em programa nacional de prevenção voltado para a população em todos os entes federados.
Como se a politização da pandemia, o conflito permanente, a vaidade pessoal exacerbada, a sede absurda de poder não fossem a chave do abismo.
O futuro chegará e haverá julgamento para todos que usaram a pandemia para obter vantagem.
500 mil vidas perdidas serão registradas para sempre na História e permanecerão em nossos corações, nas nossas preces e na memória das gerações que virão.
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* Com 496.172 mortos, estima-se que o país atingirá, oficialmente, os 500 mil nos próximos dias. Nesta quinta (17/6) morreram 2.335 pessoas vítimas da doença, registrando média móvel de 2005. Considerando as subnotificações, crê-se que o número total já ultrapassou os 500 mil.
Mais informações jornais O Globo e Folha de S. Paulo:
https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/brasil-notifica-2335-mortes-por-covid-19-media-movel-permanece-acima-de-2-mil-1-25066096
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/06/brasil-registra-2335-mortes-por-covid-19-e-mais-de-74-mil-casos-em-24-h.shtml
Jorge Finatto
saíra. photo: Ricardo Gasparin. Canela |
Esses são dias sombrios
de pouca alegria
de sofrida esperança
em meio à pandemia
mas hoje eu vi
um pequeno pássaro
pousado no galho
diante da minha janela
vestia delicadas penas
de cores várias
ficou um instante
cantarolou doce melodia
depois partiu
ele salvou o meu dia
aliviou um pouco a opressão
desse tempo de tantas mortes
e dores e medos
abriu uma fresta
de luz
dentro de mim