photo: jfinatto, porto alegre |
Dia nascendo. Dádiva.
a vida de todos os dias, a que eu sempre quis {textos e imagens: Jorge Finatto}
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
Não bastassem as graves consequências das enchentes de maio, agora vem por cima das nossas cabeças a espessa e sufocante fumaça dos incêndios florestais na Amazônia, Cerrado, Pantanal, São Paulo, Rio de Janeiro, entre outros lugares.
É triste ver os céus do Rio Grande tomados por essa fumaça sem precedentes. Há diversos dias o azul desapareceu, o Sol se escondeu, a Lua sumiu, a fuligem tóxica se espalhou. O uso de máscaras voltou a ser necessário.
Especialistas preveem o aumento de doenças respiratórias com incremento de mortes. Fala-se, também, que grande parte dos incêndios é criminosa. A flora e a fauna dos locais incendiados padecem brutalmente.
A recente tragédia levou muitas vidas e causou enormes danos (o aeroporto de Porto Alegre ainda não voltou a funcionar). Agora mais isso. O problema não é de Deus, é da turma aqui da planície, no Brasil e em muitos outros países.
O planeta e a vida nele estão afundando. Não por falta de ciência, mas por falta de consciência. Como não existe Planeta B, é mais do que hora de cuidar desse (pequeno e maltratado mundo azul), enquanto houver tempo.
Jorge Finatto
photo: Hannah McKay , Reuters. |
Das coisas que vi nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 a mais impressionante foi o gesto das atletas americanas de ginástica artística, no pódio, reverenciando a ginasta brasileira Rebeca Andrade. As americanas, uma de cada lado de Rebeca, dobraram um dos joelhos e estenderam os braços, saudando a brasileira galardoada com o ouro olímpico.
Simone Biles e Jordan Chiles enalteceram o espírito olímpico, a competição saudável, o respeito ao outro, colocando a fraternidade e a sororidade como valores acima da disputa. Rebeca retribuiu o gesto segurando as mãos de ambas. Porque, para as três, competir é uma forma de convivência e não de eliminação ou destruição do competidor adversário.
Ganhar uma medalha olímpica pode ser ótimo, mas mais do que isso o que vale é estar junto, vivendo um momento de prática esportiva baseada na dedicação e na superação. Só é possível essa competição, como é óbvio, porque existe o outro para dividir a experiência.
A reverência de Biles (considerada uma divindade no mundo da ginástica) e Chiles foi o fato mais representativo e belo destas olimpíadas. No esporte como na vida um dia se ganha e noutro, não.
Não existem vencedores e perdedores definitivos. Uma lição de humildade e transitoriedade que enaltece a todos. O contrário disso é passar o resto da vida numa eterna corrida de espermatozoides que não faz muito sentido.
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
Jacu, também conhecido pelo nome científico de penélope obscura, é um herbívoro de grande porte que costuma andar quase sempre em dupla. A palavra jacu vem do Tupi e significa "o que come grãos". Quando abre as asas, faz sombra no entorno.
Ele voam pelo arvoredo da nossa casa, andam no quintal e visitam diariamente a sacada do meu gabinete. Ofereço-lhes bananas e milho.
Os grãos de café recolhidos das fezes do jacu produzem um dos cafés mais caros do mundo.
Dizem que ter jacu por perto favorece a espiritualidade, pois ele possui forte energia espiritual. A ave seria símbolo de coragem, ousadia e conexão com o divino. Não sei de onde vem isso. Mas não importa. O que sei é que é bom tê-los por perto.
J.F.
photo: jfinatto |
Inverno é tempo das magnólias que voltam para iluminar os jardins, dos mais humildes aos mais ricos, depois da tenebrosa pandemia, da trágica enchente, das inúmeras e irrecuperáveis perdas.
Um tempo mais doce do que amargo, o das magnólias.
Um tempo agridoce, um tempo de esperança.
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
Em meio à difícil e, ao mesmo tempo, prazerosa faina da escrita, parei um momento para ouvir música. O grande maestro e compositor espanhol Joaquín Rodrigo (que era cego) iluminou o gabinete com sua arte linda e profunda. Foi a conta de ser feliz. Fechei os olhos e deixei o mundo girar...
Recordo que, uma vez, há muitos anos, perguntaram à atriz Tônia Carrero se ela se considerava uma pessoa feliz. Ela respondeu mais ou menos assim (cito de memória): Eu sou feliz algumas vezes durante o dia.
Fiquei com aquela declaração na cabeça, tratava-se de uma sábia síntese existencial. Ora, se até Tônia Carrero tem lá seus momentos de não-felicidade, o que dizer de nós, meros mortais, distantes dos palcos iluminados desta vida...
Dificuldades existem para todos, mas toda a gente pode ser feliz em algum momento.
Em outra feliz percepção filosófica sentenciou o cantor e compositor Odair José, cantarolando como quem não quer nada: Felicidade não existe: o que existe na vida são momentos felizes.
Faz um frio de congelar até pensamento nos últimos dias aqui na montanha, as famosas frentes frias que vêm lá da Antártida.
A felicidade é um pássaro que habita o coração. Às vezes canta.
Os ares e ventos polares deixam as almas introspectivas...
______
photo e texto: jfinatto
Jorge Finatto
Por mais que pensem, e pensam, a busca não foi em vão . Está no meu jardim. Por isso, quando atravessar por ele, não faça como se nada tivesse acontecido. Houve a rosa, e tudo valeu.
_________
text, photo: jf
Jorge Finatto
Esse olhar que me olha do galho seco do plátano pode ser de espanto ou simples desconfiança ao me ver mirando-o através do olho frio da câmera.
Aqui no gabinete eu já o amo só de vê-lo, lindo ser vivo perto da minha janela.
O papagaio-da-serra ou charão me faz feliz só por existir na tarde cinzenta de junho.
----------
photo: JF
Jorge Finatto
Entre as flores de lavanda o beija-flor exerce sua essência. A vida é breve. Sempre haverá um jardim e um beija-flor para iluminar o dia e parar o tempo.
_______
photo, texto: JF
Jorge Finatto
A beleza da vida é que sempre há uma estrada nova querendo ser caminhada.
_______
photo: jfinatto, Canela, RS
J.F.
Mas certas coisas afastam o desespero, mostram que a vida insiste em não naufragar em meio ao grande deserto das águas.
Como a pomba que voltou à arca com a folha de oliveira no bico mostrando a Noé que as águas tinham baixado, o sanhaço pousou na árvore diante da janela de Clara, no bairro Menino Deus.
E ali ficou olhando um tempo pra ela como a dar-lhe as boas novas, boas vindas, saudando seu retorno ao lar. E Clara maravilhou-se e fez essa foto.
Deus iluminou outra vez a minha filha e o Menino Deus.
_________
photo: Clara Finatto, 27.5.24.
J.F.
Pra não dizer que o mês de maio foi só essa desmesurada tragédia, eis que surge a flor- de-maio. Em meio à imensa sombra que caiu sobre o nosso Rio Grande do Sul, a flor de maio vem nos trazer um instante de beleza e alumbramento. E, por que não?, anuncia a chegada de melhores dias.
_________
photos: jf
Jorge Finatto
Imagens: Clara Finatto
Pela rua passa, outra vez, um rio de lembranças no bairro Menino Deus. Voltaram os chaparrões com seu aguaceiro infernal, seus relâmpagos, seus raios e trovões assustadores. É a nova rotina que já ninguém mais agüenta.
Um tempo em que a ciência nada ou quase nada explica e no qual serviços públicos não se mostram à altura dos acontecimentos.
Pela rua flutuam coisas afogadas que pessoas perderam na fuga desesperada. São restos de muitas vidas que vão se distanciando na correnteza.
Quem dorme ao ouvir o vento batendo nas portas e janelas anunciando o naufrágio iminente? Nem os mortos.
Atônitos esperamos um dia azul que nos devolva o Sol e, quem sabe com ele, a esperança.
______________
As imagens impressionantes feitas por Clara Finatto hoje falam dessa tragédia com rara sensibilidade.
J.F.
photo: Clara Finatto, bairro Menino Deus, Porto Alegre, maio 2024 |
A árvore pau-brasil, da qual se originou o nome do país, tem muitos galhos, gera sombra generosa nos dias de Sol forte e de seca, tem linda flor e bela cor vermelha em seu interior. É madeira nobre, cobiçada, de lei, e, devido à extração impiedosa, necessita ser protegida.
O Brasil tem, como sua árvore, muitos braços/galhos de diversidade, solidariedade, calor humano, empatia e energia para a urgente luta contra a tragédia, e valor para a reconstrução.
Então o que eu vejo é que o Rio Grande do Sul sai mais forte desse desmesurado desastre, e sai mais resiliente, mais humano e aberto ao futuro. E, sobretudo, sai mais brasileiro.
E o Brasil, com essa enorme capacidade humanitária revelada, sai mais brasileiro também.
Jorge Finatto
photo: Gabriel |
Um fenômeno raro - mais um - está ocorrendo neste momento na querida Ushuaia, cidadezinha argentina mais ao Sul do continente, conhecida também como Cidade do Fim do Mundo. Depois dela, o Estreito de Drake e a Antártica.
Trata-se da Aurora Austral decorrente de tempestade solar severa que está ocorrendo desde sexta-feira, podendo atrapalhar o funcionamento de redes de energia e sistemas de comunicação via satélite, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos
Em Ushuaia está o fim da Cordilheira dos Andes (ou o início pra quem olha de lá para o Norte). À beira do Canal de Beagle, que liga o Atlântico ao Pacífico, é um lugar único, frio o ano inteiro, que vale a pena conhecer.
Bem, nós aqui no Rio Grande do Sul não precisamos de mais um desastre natural a comprometer nossas vidas. Que Deus acalme também o Sol e proteja a todos nós.
A photo foi enviada à minha filha Clara por seu amigo argentino Gabriel, lá residente.
Jorge Finatto
photo: Clara Finatto, bairro Menino Deus, Porto Alegre. |
Primeiro foi o vento, o vento, o vento cavalo doido galopando nas ruas, nas janelas e telhados
depois veio a chuva, dilúvio sem arca, festival de relâmpagos, trovões, raios e apagamentos
depois chegou a noite, a noite vertical e imemorial do início dos tempos, noite gelada, de pedra, indevassável
saltou o grito (ninguém ouviu), e a água subiu, a água tocou a nuvem, a casa desmoronou e tudo que ela guardava, coisas, lembranças, sentimentos, afundou
então fez-se silêncio, o silêncio noturno e ermo dos ausentes, sufocado pela correnteza cor de barro.
Jorge Finatto
Nunca presenciei uma situação como essa. Por força da profissão trabalhei em várias cidades do Rio Grande do Sul, algumas delas no interior profundo. Experimentei diversos ambientes e climas. Mas jamais vi tempestades em seqüência por todo o Estado como as desta semana.
Nesta sexta-feira, faz seis, sete dias que convivemos com chaparrões e sua profusão de raios, relâmpagos, trovões, enchentes, desmoronamentos, interrupção de estradas, soterramentos de casas e pessoas. Mortes.
Também nunca tinha ficado isolado, sem poder ir para outras cidades em função da destruição de estradas. Mas isso neste momento é o de menos. A tristeza está no fato de ver tantas pessoas desalojadas de suas casas e muitas outras desaparecidas, feridas ou mortas. Nem vou falar do trauma psicológico.
A crise climática é um fato presente aqui e em outros lugares. A "culpa" não é da natureza, mas da conduta humana. As piores previsões estão se confirmando.
Provavelmente chegamos, no planeta, a um ponto sem retorno. Ou alguém acredita no bom senso e nos bons sentimentos dos líderes mundiais? Mas a vida é hoje, e devemos fazer o que for possível para salvar a querência amada do Rio Grande do Sul, e nós, seus sofridos habitantes.
Jorge Finatto
Em forma de coração, o Antúrio é flor que harmoniza o ambiente e a alma.
Tê-lo em casa é uma inspiração para a beleza e os bons sentimentos.
Quem há de resistir tamanho encanto? Só os brutos. E os desiludidos da vida (que, por ele, podem talvez voltar a viver).
_________
photo: jfinatto
Jorge Finatto
"Morrer não é nada. Difícil é deixar de viver." A frase, que cito de memória, vem de um poema de Mario Quintana. E resume o meu sentimento em relação à finitude humana.
A morte não merece maiores considerações, acontece e fim. Viver é, sim, a grande notícia e é o que nos resta. Só de pensar que a maravilha terá fim um dia dá um nó no peito. Façamos como as rosas. Aproveitemos o milagre de cada dia.
Jorge Finatto.
jfinatto, Montevideo, 26.1.24 |
Mario Quintana, o nosso poeta, disse alguma vez que não apreciava a arquitetura moderna porque ela não construía casas antigas. Digo eu que mesmo casas abandonadas conservam no semblante uma humanidade que não encontramos nas modernas construções. Quantas histórias, quantas memórias habitam entre estas paredes que o tempo desfigurou. Mas se um dia um novo morador abrir-lhes as portas cerradas, começarão tudo outra vez, povoando-se de vida desde o sótão até o porão. E outras histórias serão contadas. Precisam apenas de uma mão amiga que lhes abra as ventanas para o Sol entrar e povoar de ouro a escuridão.
Jorge Finatto
Longe dos fogos de artifício, sobretudo dos barulhentos, dos festejos à beira mar que cobrem a areia de lixo e poluem o mar, longe dos augúrios altissonantes e ocos de sentido, distante das gritarias e dos bêbados brindes, das falsas profecias, num lugar onde o sossego, a paz, a conversa fraterna e a natureza ainda são a melhor promessa. Cada um tem seu jeito de ser feliz (ou algo perto disso).
________
photo: Canela, casa enxaimel na área do Castelinho Caracol.