sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O guarda-chuva azul

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto

 
Saí hoje a caminhar na chuva pelas ruas do bairro. O som bonito dos pingos no tecido azul do guarda-chuva.

Porto Alegre fica uma beleza nessa época, pouco movimento de carros, ruas mais tranqüilas, muita gente já viajou nesse começo de férias. Parece até uma cidade do interior. Um lugar.

Com mais sossego, as pessoas recuperam um pouco a calma. Olham-se mais, conversam mais. Reencontramos a humanidade perdida (não custa sonhar).
 
Quando dei por mim já estava na calçada, a bordo do guarda-chuva azul, feliz da vida, molhando o tênis e o bornal. Fiz a pé o que tinha pra fazer na quinta-feira. Não era uma chuva forte, não tinha vento, nem tinha segredo. Mergulhei feito um peixe.

A chuva durou a tarde toda e entrou pela noite. A chuva molhou o meu casaco e as lentes dos meus óculos. Enquanto escrevo essas linhas ainda chove.

Caminhar na chuva, era disso que estava precisando. As gotas pulando uma dança infantil. Uma espécie de felicidade.

Uma chuvinha boa. Uma chuvinha pra ficar ouvindo no telhado.

A cidade florida do início do verão. Essa é a cidade dos hibiscos, das açucenas, dos flamboiãs. Largos trechos de calçada cobertos de flores. E tem as árvores, muitas.
 
Caminhar na chuva é um belo passeio em si mesmo. Um peixe feliz no aquário.
 

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Simples palavras

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto
 

Durante a viagem de Passos dos Ausentes a Porto Alegre, parei com os filhos em Nova Petrópolis para o café da tarde. Isso foi anteontem, 25 de dezembro. A estrada estava movimentada, com os loucos de sempre fazendo insanidades. Felizmente Deus é pai e anda por perto.
 
No restaurante de estilo alemão havia algum movimento, o dia estava muito quente. Fazia anos que não parava naquele lugar, costumo ir a outro na saída para Gramado. Ocupamos uma das mesas à espera do atendimento que não demorou. 
 
Havia entre as atendentes (todas uniformizadas de preto, pareciam freiras) uma senhora que me chamou atenção pelo empenho, educação e vondade de fazer bem o seu trabalho. Estava tudo uma delícia. Resolvemos comprar algumas coisas para o café da noite.
 
Enquanto ela preparava a encomenda, resolvi dizer-lhe que o seu trabalho era excelente, que ela estava de parabéns. Ela ficou visivelmente tocada, disse que o elogio, no dia de Natal, era um presente. Acrescentei que era muito merecido.
 
No caminho viemos conversando sobre a importância de mostrar reconhecimento ao valor das pessoas. Simples palavras que podem fazer alguém feliz em meio à difícil luta.

Quanta gente a nosso lado, que a gente não vê, à espera de uma simples palavra que pode salvar o seu dia? Quem não precisa de um agrado?
 
Vamos, entonces, fazer um agrado a quem merece.
 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A Bíblia e a literatura

Jorge Adelar Finatto


Cópia da Bíblia de Gutenberg, Congresso dos Estados Unidos.
Fonte: Wikipédia
 

A Bíblia é provavelmente o livro mais editado e mais lido do mundo, embora nunca ou quase nunca figure nas listas dos mais vendidos. E é, também, um livro que precisa ser melhor estudado e compreendido. Um excelente presente é dar a alguém um exemplar da Bíblia, no Natal e em qualquer época.

Quem ama a literatura não pode deixar de conhecer a Bíblia, que é literatura de primeira qualidade. A palavra bíblia significa coleção de pequenos livros - ao todo 66 livros a compõem. Eles constituem o cânon bíblico, os livros escolhidos, sendo que outros foram rejeitados. A obra também é conhecida com a designação de Escrituras Sagradas por trazer a Palavra de Deus.

Os textos vão de Gênesis (a história da criação e dos primeiros tempos) até Revelação ou Apocalipse (o fim do atual sistema de coisas e o início de outro). São cerca de 40 os homens que os redigiram, sob inspiração e direção divinas, segundo os estudiosos.

Os 39 livros iniciais integram as Escrituras Hebraicas (Velho Testamento), escritas em hebraico e um pouco em aramaico, e os restantes 27 são as Escrituras Gregas Cristãs (Novo Testamento), escritas em grego a partir do nascimento de Cristo.
 
Os livros bíblicos são obras-primas do ponto de vista literário e constituem importantíssima referência religiosa e cultural da civilização judaico-cristã. A maneira de narrar e o conteúdo dos textos são primorosos. De certa forma, tudo está na Bíblia e todos os outros livros devem-lhe tributo.

As histórias mais fantásticas, os mais belos poemas, os sentimentos, as aventuras, o luminoso e o sombrio, nada escapa. O que se vê é o ser humano em carne e osso, com suas misérias e grandezas, não idealizado, votado à elevação moral e espiritual.

Deus aparece como um ser extremamente amoroso e bondoso, mas também capaz de irar-se e punir as pessoas pela reiteração de erros graves. A redenção (libertação) pelo perdão e pelo arrependimento surge como uma das principais vias de ascese do homem (a designação homem, na Bíblia, inclui geralmente homens e mulheres, conforme Gênesis 1:27).
 
A Bíblia é o único livro que está sempre na minha cabeceira. Creio que se trata de uma leitura inesgotável. Sempre há algo novo que não tinha percebido. Tem coisas que não compreendo, algumas são assustadoras (como a destruição de Sodoma e Gomorra e o modo terrível como as pessoas se comportavam naqueles lugares), mas nem por isso desisto de ler, aprender e me encantar.

Há textos incríveis como as histórias de Jó e Jonas, este preso na barriga do grande peixe. Todos os lugares citados existem geograficamente e os dados históricos são rigorosamente verdadeiros. É uma viagem pelo tempo e pela história humana. A impressão que tenho é que quanto mais se lê mais se abrem as portas da percepção para compreender o que está escrito.

Um dos meus livros prediletos é Tiago, escrito por Tiago, irmão de Jesus.

Um dos textos mais poéticos e sensuais que já foram escritos sobre o amor entre homem e mulher está em O Cântico de Salomão, escrito por Salomão.

Podemos ler os livros em ordem ou não. Algumas histórias, por outro lado, às vezes são entendidas de forma errônea.

Um dia desses ouvi alguém dizer que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso porque tiveram relações sexuais, transaram contra a vontade divina. Segundo esta pessoa, a expulsão foi injusta, porque fazer amor é um fato natural, não podendo ser considerado pecado, muito menos passível de pena tão violenta. Esta, no entanto, é uma visão equivocada na origem.
 
De fato, não há no relato bíblico afirmação de que a expulsão do famoso casal tenha ocorrido por terem tido relações. Pelo contrário, a orientação de Deus, no livro de Gênesis, escrito por Moisés, é clara: Sede fecundos e tornai-vos muitos, e enchei a Terra ( Gênesis 1: 28). Não existe vedação ao sexo.
 
O que está escrito é que a transgressão de Adão e Eva foi outra: comeram do fruto da árvore do conhecimento do que é bom  e do que é mau, o que lhes fora expressamente proibido (Gênesis 2:17). Podiam comer qualquer outro fruto das árvores do jardim do Éden.
 
Ao decidirem provar de tal fruto, sob influência do Diabo (agindo através da serpente), ambos abriram a mente para conhecer aquilo que até então ainda não conheciam: o mal. Pela desobediência, foram mandados embora e tornaram-se mortais.
 
Há motivos de sobra para a leitura da Bíblia, independente da crença religiosa, a começar pelo monumental valor literário.
 
A leitura do texto bíblico feita em conjunto com outras pessoas pode ser muito útil, pelas reflexões que suscita e pela ajuda que os mais experientes podem oferecer ao seu entendimento.

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Fontes de pesquisa:
Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, São Paulo, 1986.
Estudo Perspicaz das Escrituras, idem, 1992.

O prisioneiro da Ilha de Patmos:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/03/recordacao-da-ilha-de-patmos.html

jfinatto@terra.com.br
 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Mãos dadas através da aurora

Jorge Adelar Finatto
 
 
photo: j.finatto

 
É difícil acompanhar o voo desse pássaro tão veloz chamado tempo. Quando nos damos conta, um ano se passou e mal tivemos tempo de olhar as pessoas e as coisas a nossa volta.
 
O blogue está completando três anos de existência neste mês (o aniversário foi ontem, 22). Muitos textos e fotos depois, aqui estamos em mais um dezembro.   
 
De certa maneira, toda forma de expressão em arte é uma tentativa de construir sentidos e de encontrar a beleza escondida dentro e fora de nós.
 
A vida é breve e há urgência em cada palavra e cada gesto.
 
Por isso, as coisas - nas quais investimos esse bem não renovável e tão precioso que é o tempo - têm de valer a pena. Não podemos nos enganar e nem deixar que nos enganem.
 
A você, raro leitor, que encontra tempo no seu dia para vir aqui partilhar palavras, imagens e sentimentos, o meu agradecimento.
  

sábado, 22 de dezembro de 2012

A estação de Passo dos Ausentes

Jorge Adelar Finatto 


photo: j.finatto



O trem está imóvel na gare deserta. Por ali os passageiros são invisíveis. De vez em quando o apito perdido da locomotiva pode ser ouvido no roçar do vento nas folhas dos plátanos. Durante o dia o silêncio monta guarda na estação abandonada. Nenhum bulício de viagem na plataforma vazia, nenhuma respiração.
Juan Niebla, 85 anos, ocupa um banco no interior do terceiro vagão e toca seu bandoneón nas terças, quintas e quando lhe dá na telha. Naquele vagão, funciona hoje o Café dos Ausentes. O músico cego relembra os tempos em que recebia os viajantes com música.

A cidade então não era o território de fantasmas que hoje é. Gente chegava, gente partia, gente chorava, gente sorria. Havia vida nas casas, nas poucas ruas, na praça e na estação.
A cidade ficou ilhada em si mesma no dia em que acabaram com o transporte ferroviário. Muitas viagens ficaram interrompidas, muita gente foi embora em busca de um futuro melhor.
Da estação de trem de Passo dos Ausentes se saltava rumo ao universo.
- Eu estou aqui esperando a próxima composição de passageiros. Quando chegar, quero estar no meu posto, tocando o bandoneón. Para isso fui contratado em 1943. Essa estação ainda vai ter vida de novo um dia – diz Niebla.
Pode ser. Provisoriamente o presente está oco. Mas nada, nenhum homem, nenhum governo e nenhuma barbaridade como o fim da ferrovia conseguem enterrar as coisas boas que foram um dia e muito menos matar o amanhã.

Há algo que pulsa nas ruínas silenciosas dessa cidade, algo que insiste em sobreviver, um sentido de permanência na memória e no afeto dos poucos que ficaram.
Em certas madrugadas, ouve-se ao longe o ruído das rodas de aço sobre os trilhos avançando em direção à cidade. De súbito as luzes da estação se acendem. 

A velha locomotiva treme sobre os dormentes, expele fumaça pela negra chaminé, apita como se tivesse recém chegado de uma longa viagem. Ninguém consegue entender o que acontece. Ninguém ousa se aproximar, todos observam à distância.

Escuta-se um burburinho de sombras na plataforma. As vozes se misturam, vultos se projetam nas janelas.
Num instante as luzes da estação se apagam novamente. O silêncio da noite toma conta do lugar outra vez.
O vento toca as flores das magnólias. Um gato volta a dormir no banco da gare vazia.
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O tecido da tua ausência:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/12/o-tecido-da-tua-ausencia.html
 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Passos de algodão

Jorge Adelar Finatto
 
 
photo: j.finatto. Alziro em pessoa
 

Depois de longa e sentida ausência, ele retornou ao convívio das tardes no escritório. Conheço meu amigo de outros invernos.

Partiu em fevereiro sem dizer nada, tão ao seu estilo, e me deixou aqui todo esse tempo sem poder ouvir sua voz cava, sem poder ver sua plumagem luminosa, seus olhos redondos e espertos.

Sempre sinto falta do olhar de banda e da maneira estrambótica de aterrissar num só pé na varanda do escritório.

Alziro tem temperamento forte e, às vezes, um certo mau humor o acompanha quando o tempo está pra chuva.

Ele voltou com suas cores vivas para amenizar o inverno. Eu andava mesmo precisado de sua companhia. Não que ele converse muito, é até meio calado. No fundo, nem é isso o mais importante.

A silenciosa presença do amigo, sabê-lo perto, partilhando a vida, é motivo de consolo e esperança.

Providenciei hoje a reposição de pedaços de banana no pratinho dos pássaros, fruto mais do seu gosto.

Em certos dias, Alziro deixa a cerimônia de lado, entra no escritório, em passos de algodão, e ensaia uma pequena incursão no ambiente. Olha o teto, os lustres, a mesa, os livros, os quadros, as plantas e relógios, tudo com silenciosa atenção. Faço que não percebo para deixá-lo à vontade.

Do mesmo jeito que chega, o meu amigo sai e vai embora. Como sempre, não se despede e nem diz quando voltará, apenas alça o improvável voo adunco e parte rasgando o ar.

O que importa, diz o coração, é que a velha e boa amizade está rediviva. Se tudo der certo, talvez ele retorne amanhã ou quem sabe depois. Só espero que não me falte tão cedo, porque meu inventário de ausências já vai longo na vida.

Amar traz consigo, sempre presente, o risco de perder.

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Texto publicado em 24 de agosto, 2010.
 jfinatto@terra.com.br

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O pintor do pôr-do-sol

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto


Quantos lápis de cor são necessários para pintar o pôr-do-sol? Não tenho ideia, raro leitor. Mas de uma coisa eu sei: que há uma grande arte nas mãos de quem o faz, isso há.

Estava pelo entardecer quando olhei em direção às montanhas. Aqueles traços e cores me invadiram o coração.

Na ilusão - sempre ela - de aprisionar aquele instante da luz e forma, peguei a velha Coruja e fui até a varanda do escritório fotografar. O caçador de imagens em busca de alimento.

O sol caía atrás das nuvens. Os últimos pássaros retornavam aos ninhos.

A breve hora do adeus de mais um dia.

photo: j.finatto

As imagens, sem qualquer retoque, estão aí.

O mérito de tanta beleza é de quem inventou e pinta diariamente as cores do crepúsculo. Um artista caprichoso e único. Em todos os finais de tarde senta-se diante da tela com seus lápis, pincéis e tintas e constrói os traços e as cores.

O grande artista distribui sua arte amorosamente para quem quiser ver, pobres e ricos, felizes e infelizes, bons e maus. Observadores efêmeros e privilegiados, a inefável pintura penetra fundo nosso espírito, nos sentimos parte de algo maior e mais belo.

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jfinatto@terra.com.br