quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Escrito do amor perecível

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. São Francisco de Paula
 

Poderia jurar amor eterno à pequena borboleta que agora cruza a beira do lago. Ela carrega no coração, como eu, a melancolia antecipada da partida iminente do jardim.

Está escrito que nosso tempo é breve. Teremos de deixar o jardim que tanto amamos. E não sabemos o que nos espera além dele. Talvez exista um outro jardim depois desse.
 
Levaremos a saudade dos dias vividos entre as flores, as fontes, os córregos, as árvores. Não concordamos, claro, com dias assim tão escassos. Mas o que fazer? Nosso coração pulsa nas têmporas.
 
Os dias ruins e a rotina nunca nos tiram a vontade de viver. 
 
A borboleta escreve minúsculos bilhetes que vai soltando ao vento. Amamos as magnólias, as rosas, as nuvens e os hibiscos.

Escreveu a borboleta estas palavras na folha de um plátano:

Eu só queria mais um dia para estar no jardim e dizer do meu amor a cada um dos seus habitantes. Quero que ao menos recordem de mim quando lerem estas palavras.

Lembrem meus voos silentes e suaves. De como amei o farelo, o miúdo da vida.

Estou prestes a deixar o jardim e isso me dá tanta tristeza.

Quero deixar escrito este amor perecível.

Antes de cair e secar no chão.
 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Os desolados

Jorge Adelar Finatto

 
photo: J. Finatto

 
As manhãs fogem do escuro.

A solidão é um negro capuz que se veste nos retirados da dor.

Tive medo de ver os escombros. Os difíceis haveres do abandono. Havia uma mulher chorando naquele breu. Quem? Não divulguei.

O coração humano gira em estranhos círculos. O traçado torto da vida. Quem puder se segure, senão cai no perau. Eu, quando escuto gente chorando, sinto névoa andando à volta.

Coisas que vi. Meu coração barroco. Aquele choro me doeu. Mas eu fui. Foi quando meus olhos divulgaram ela. A mulher era uma visão sob a pérgula. Eu não sabia o que era beleza até aquele quando.

Estava sentada num banco de pedra ao lado de uma camélia vermelha, perto da fonte. Havia uma escada com seis degraus que terminava no ar. Ligava parte alguma a lugar nenhum. A casa desmoronada no íntimo da pessoa.

A mulher, sua triste alma, aquela ruína. Me aproximei no cuidadoso jeito. Era uma tarde de junho como essa. O frio, frios.

A mulher - a visão - fez sinal para eu parar e esperar.

O que fiz nos respeitos. Ela se levantou, arrumou o vestido, olhou o céu. Entre as duas mãos largou a face e os cabelos de linho, depois seguiu sozinha. O tempo andou.

Eu vivia no lugar perdido, arrostando sol e vento, sem eira nem beira.

Os loucos dias no sanatório do mundo. Os ermos. Caminhos que se andam.

Um dia de fina luz de primavera ela veio em minha direção, pegou no braço meu. Caminhou, caminhamos. Em silêncio. Palavras que se dizem sem falar. Aconteceu a brilhante estrela caindo no meu caminho.

O punhal que me rasgava por dentro foi saindo, saiu.

Nos acolhemos, reunimos as raras pertenças.

Me tornei sentimento. Sentimentos.
 
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Texto publicado em 03/05/2010.
 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Série Retratos 8



"A Catedral", escultura de Auguste Rodin (1840 - 1917)
Museu Rodin, Paris. photo: j.finatto



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Autor da photo: Jorge A. Finatto
Pedidos de cópia ou reprodução podem ser feitos ao autor pelo e-mail j.finatto@terra.com.br
 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Tragédia de Santa Maria

Jorge Adelar Finatto

A dor diante do trágico acontecimento de Santa Maria é infinita. Manifesto minha solidariedade e profundo sentimento aos familiares e amigos dos que perderam a vida.
 

Mulheres escritoras

Jorge Adelar Finatto
 

Margaret Atwood. Foto do site oficial da escritora*


Estou lendo um livro muito interessante da escritora canadense Margaret Atwood, nascida na cidade de Ottawa em 1939. Trata-se de Buscas Curiosas**, conjunto de textos avulsos nos quais a autora aborda assuntos relacionados a sua experiência de escritora e leitora, desde a infância até a maturidade.

Os textos ocasionais, como os chama, foram escritos no período de 1970 a 2005.
 
Nunca tinha lido nada desta autora que é poeta, romancista, contista, ensaísta e roteirista. Entre suas premiações estão o Booker Prize de 2000 por O assassino cego e o Príncipe das Astúrias de 2008. Peguei o livro na estante da livraria levado pela intuição, gostei do título e da capa, li alguns trechos ao acaso (a força do acaso) e acabei comprando.

Não me arrependi. Margaret Atwood é uma escritora obstinada no seu trabalho e uma observadora que lança luzes generosas sobre aquilo que escreve.
 
Ela não mitifica o ato de escrever, tem uma visão realista do ofício. Ao mesmo tempo, é capaz de voar com as palavras e olhar o mundo lá do alto com ternura. Escreve simples e claro.
 
Chamou-me a atenção, entre outros, o texto Nove começos, em que fala sobre os problemas que as mulheres escritoras enfrentam diante de certa mentalidade preconceituosa. Diz ela:
 
"É preciso ter uma quantidade considerável de coragem para ser escritora, uma coragem quase física, do tipo que se precisa para atravessar um rio sobre troncos flutuando. (...)

Uma proporção de fracassos vem embutida no processo de escrever. A lata de lixo não evoluiu sem motivo. Pensem nela como o altar da Musa do Olvido, a quem você sacrifica seus primeiros rascunhos malsucedidos, as provas de sua imperfeiçao humana. Ela é a décima musa, aquela sem a qual nenhuma das outras pode funcionar. A dádiva que ela lhe oferece é a liberdade da segunda chance. Ou de tantas chances quantas você quiser arriscar."(pág. 167).

Nada como ouvir alguém que tem algo a dizer sobre a difícil condição do escritor e o faz de forma tão lúcida quanto inspirada. Margaret Atwood fala de verdades que se aplicam a mulheres, e também a homens, que se lançam no turbulento e belo caminho da escrita.

Agrada-me a sinceridade com que a escritora encara os mais diversos assuntos, discorrendo com desenvoltura a respeito de livros, autores e situações vividas. O livro prende a atenção e em nenhum momento se mostra pesado, pelo contrário, nos leva por paisagens variadas com profundidade e sutileza.

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*Margaret Atwood:
  http://www.margaretatwood.ca/index.php
 **Buscas Curiosas, Margaret Atwood. Tradução de Ana Deiró. Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2009. 

domingo, 27 de janeiro de 2013

Série Retratos 7 ( Colonia del Sacramento, Uruguai)




photo: j.finatto



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Autor da photo: Jorge A. Finatto
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sábado, 26 de janeiro de 2013

A aventura do flamingo cor-de-rosa

Jorge Adelar Finatto


Flamingo. Foto: Aaron Logan. Fonte: Wikipédia


O flamingo pousou na popa do veleiro quando passávamos pela Ilha do Barba Negra, na Lagoa dos Patos (que, àquela hora, brilhava sob o sol amarelo e intenso da tarde de fevereiro).

Pousou ao lado de Filipo, o papagaio marinheiro, que estava sentado e distraído na beira do barco, os olhinhos fechados, peito estufado respirando a brisa. Filipo deu um pulo de susto, o boné de marinheiro caiu na água. O flamingo recolheu-o com o bico.

Essas surpresas acontecem na vida de quem navega. Tínhamos saído para dar um giro com nosso veleiro Solitário, a fim de ver as belezas do rio, suas ilhas e pássaros. E também para ficar distante do ruído e do trânsito violento da cidade, da correria agressiva e sem sentido.

Filipo indagou do flamingo, na linguagem das aves, qual era seu nome e de onde vinha. Ele respondeu que se chamava Arquibaldo e que vinha de Amsterdam, sua cidade natal, na Holanda. Vivia com a família num barco abandonado num dos canais daquela bela cidade. Estava em viagem de férias com os pais e irmãos quando o inesperado aconteceu.
 
Amsterdam. photo: j.finatto
 
Na altura do arquipélago dos Açores, uma tempestade dispersou a família de flamingos e arremessou Arquibaldo em outra direção, separando-o do grupo. Depois de vencer o medo e a ventania, voou muito e pegou carona num navio. Acabou chegando ao sul do Brasil após vinte dias. Estava exausto e atordoado com os últimos acontecimentos.

Os flamingos, em geral, têm a plumagem cor-de-rosa. Em Arquibaldo essa cor é ainda mais viva, um rosa antigo belíssimo. Providenciamos uma boa alimentação e um bom descanso para nosso novo amigo.

Arquibaldo é um flamingo adolescente e observador, com bom humor e espírito de aventura. Sentiu-se tão bem que pretende ficar conosco até o final do verão, quando então regressará para junto de sua família na casa-barco de Amsterdam.

O peixinho Moisés, nosso companheiro de navegações, saltou do rio para o interior do barco e ficou dentro do balde conversando com Arquibaldo.

Na Ilha das Pedras Brancas, rumamos em direção ao Parque da Harmonia e, daí, para o velho cais de Porto Alegre, sempre ouvindo a incrível história do mais novo membro da tripulação.

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Mais aventuras do veleiro Solitário em:

Navegador de barco de papel
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2011/08/navegador-de-barco-de-papel.html

A volta do barco de papel
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2010/10/volta-do-barco-de-papel.html

Texto publicado em 10.02.2012.