segunda-feira, 6 de novembro de 2017
quarta-feira, 1 de novembro de 2017
Cais
Jorge Finatto
photo: j.finatto |
Tem dias que saímos
com o corpo nu
para alojá-lo na primeira copa de árvore
e chorar longe dos homens
dias em que os desejos
até os mais secretos
sucumbem apagados
na penumbra
tempo de total privação
da carne e do sonho
tardes em silêncio reveladas
intervalo entre dois mundos
olhamos o céu
no quadrado da janela
esperando ver a face de Deus
procuramos Deus
no íntimo da alma e das coisas
com o corpo nu
para alojá-lo na primeira copa de árvore
e chorar longe dos homens
dias em que os desejos
até os mais secretos
sucumbem apagados
na penumbra
tempo de total privação
da carne e do sonho
tardes em silêncio reveladas
intervalo entre dois mundos
olhamos o céu
no quadrado da janela
esperando ver a face de Deus
procuramos Deus
no íntimo da alma e das coisas
precisamos repousar no colo de Deus
sentir suas mãos nos olhos
para amparar a lágrima quente
que por ali verte
tem dias que estranhamos
o próprio olhar
que amanheceu mais seco
não reconhecemos a rua
onde tantas vezes inventamos o amor
na sombra dos cinamomos
as melhores viagens
ficaram sonhando no cais
enquanto navios partiam
repletos de homens decididos
em busca de cidades felizes
onde andará o menino
que nos visitava nos dias
em que tudo em volta
parecia desabar?
em que gare deserta
se perdeu o guarda-chuva melancólico
com que meu avô ia à cidade
buscar a porção diária de pão
esperança
e jornal?
tem manhãs em que apesar do sol
não habitamos o claro sentido
de existir
mal percebemos a luz
acalentando o corpo
manhãs em que o carteiro
extravia a carta que irá nos salvar
a notícia tão esperada
que nos revelará
um mundo desconhecido
onde pandorgas falam
e o arco-íris é uma escada
que nos retira do poço
não compreendemos
as mãos cansadas
a boca amarga
com que damos bom-dia aos vizinhos
cumprimentamos os superiores
tem dias que o isolamento
é tão assombroso
que sentimos tristeza em tudo
principalmente na alegria ingênua
das velhas fotografias
uma dor inevitável
diante dos sonhos da infância
dormimos em quartos de aluguel
projetamos ataúdes de aluguel
as dívidas invadem a porta
os poros
o amanhã ficou torto
na cordilheira dos dias
sem luz
a cidade parou no escuro
sufocou nossos melhores anos
inundou o rio
com seus maus óleos
seu excremento
não merece um verso
sequer uma notícia fugidia
em página de jornal
talvez careça uma bomba
um terremoto
talvez uma flor
povoando o asfalto
estamos um pouco mais tristes
e calados
(um pouso só)
trazemos um gosto de sol
entre os dentes
um resíduo de primavera
na palma da mão
uma promessa de encontro
nos olhos
sentir suas mãos nos olhos
para amparar a lágrima quente
que por ali verte
tem dias que estranhamos
o próprio olhar
que amanheceu mais seco
não reconhecemos a rua
onde tantas vezes inventamos o amor
na sombra dos cinamomos
as melhores viagens
ficaram sonhando no cais
enquanto navios partiam
repletos de homens decididos
em busca de cidades felizes
onde andará o menino
que nos visitava nos dias
em que tudo em volta
parecia desabar?
em que gare deserta
se perdeu o guarda-chuva melancólico
com que meu avô ia à cidade
buscar a porção diária de pão
esperança
e jornal?
tem manhãs em que apesar do sol
não habitamos o claro sentido
de existir
mal percebemos a luz
acalentando o corpo
manhãs em que o carteiro
extravia a carta que irá nos salvar
a notícia tão esperada
que nos revelará
um mundo desconhecido
onde pandorgas falam
e o arco-íris é uma escada
que nos retira do poço
não compreendemos
as mãos cansadas
a boca amarga
com que damos bom-dia aos vizinhos
cumprimentamos os superiores
tem dias que o isolamento
é tão assombroso
que sentimos tristeza em tudo
principalmente na alegria ingênua
das velhas fotografias
uma dor inevitável
diante dos sonhos da infância
dormimos em quartos de aluguel
projetamos ataúdes de aluguel
as dívidas invadem a porta
os poros
o amanhã ficou torto
na cordilheira dos dias
sem luz
a cidade parou no escuro
sufocou nossos melhores anos
inundou o rio
com seus maus óleos
seu excremento
não merece um verso
sequer uma notícia fugidia
em página de jornal
talvez careça uma bomba
um terremoto
talvez uma flor
povoando o asfalto
estamos um pouco mais tristes
e calados
(um pouso só)
trazemos um gosto de sol
entre os dentes
um resíduo de primavera
na palma da mão
uma promessa de encontro
nos olhos
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Do livro O Fazedor de Auroras, Jorge A. Finatto, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
photo: Cais de Porto Alegre
Marcadores:
1º de novembro,
toda fé,
todas as esperanças,
Todos os Santos,
todos os sonhos
terça-feira, 31 de outubro de 2017
Drummond, afeto que não se apaga
Jorge Finatto
![]() |
Drummond. autor: Stefan Rosenbauer. O Globo, 17/12/2016 |
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
Carlos Drummond de Andrade no poema O Sobrevivente.
O JOVEM LEITOR afeiçoou-se ao poeta. Compartilhou com ele, mais do que palavras, a viva vida que elas expressavam. E como diziam coisas as palavras do bardo itabirano!
Havia entre poeta e leitor uma secreta cumplicidade. Um andar juntos pelo mundo. Uma troca de confidências, alegrias, queixas, protestos, malquereres, desertos, amores e esperanças. O invisível amigo percorria com o jovem os duros caminhos do mundo.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) será sempre o lúcido, o lírico, justo enlace razão-emoção, construtor de versos indeléveis na língua universal da poesia. Enquanto houver livros e leitores, Carlos Drummond será sinônimo de altíssima poesia e claro pensamento.
O ser-no-mundo, às vezes cambaio, às vezes indescritivelmente só, mas sempre solidário em sua humana caminhada.
O ser-no-mundo, às vezes cambaio, às vezes indescritivelmente só, mas sempre solidário em sua humana caminhada.
O poeta não se esquivava e respondia as cartas que lhe chegavam todos os dias. Generoso, sabia colocar-se, não acima, mas ao lado do leitor que o procurava ávido por um contato, mínimo que fosse. Respondia com incomum e delicada atenção as missivas.
Quando escrevia na resposta o nome do jovem missivista, manuscrito com tinta azul na folha branca, retirava-o do anonimato, reconhecia-lhe a existência, tratava-o como um semelhante. Sábio e sensível ao outro, ele sabia que o poema só existe quando desvelado aos olhos do cúmplice leitor. As duas cartas que dele recebi são, para mim, verdadeiras relíquias literárias e sentimentais emolduradas na parede do escritório.
Quando escrevia na resposta o nome do jovem missivista, manuscrito com tinta azul na folha branca, retirava-o do anonimato, reconhecia-lhe a existência, tratava-o como um semelhante. Sábio e sensível ao outro, ele sabia que o poema só existe quando desvelado aos olhos do cúmplice leitor. As duas cartas que dele recebi são, para mim, verdadeiras relíquias literárias e sentimentais emolduradas na parede do escritório.
Drummond fez um imenso bem à minha alma, aos meus jovens dias e aos dias que vieram depois. Neste 31 de outubro, em que se comemoram seus 115 anos de vida (vida estendida no testamento da palavra), renovo a emoção de abraçá-lo com o coração. Invisível afeto que o tempo não apaga.
![]() |
"No mar estava escrita uma cidade". verso do poeta na escultura da Av. Atlântica, Rio de Janeiro |
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
Sumiço
Jorge Finatto
nuvens: photo: jfinatto |
NÃO SEI COMO nem por que a janela onde apareciam os amigos do blog (seguidores) desapareceu da página. Não me tomem por ingrato, o sumiço aconteceu simplesmente e fiquei órfão daqueles raros leitores.
Assim como a janela fechou-se sem mais aquela, espero que volte a abrir e que volte em breve. Não como aqueles maridos que um dia saem de casa dizendo que vão comprar cigarro no boteco da esquina e retornam ao lar 25 anos depois como se fosse ontem. Aí não dá. Se alguém tiver ideia do que fazer, mande um e-mail ou comentário.*
________
* Em 7 de novembro (anteontem) a janela voltou.
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* Em 7 de novembro (anteontem) a janela voltou.
sábado, 28 de outubro de 2017
Un amore
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
La speranza di pure rivederti
m'abbandonava.
Eugenio Montale
No mais remoto deserto
- o sal e o labirinto do tempo
amadureço o poema
E parece que para encontrar-te
tinha de perder-te um dia
Colho no caminho as pétalas
da rosa que não te dei
e distraída desfolhaste
________
Poema do livro O Fazedor de Auroras, JFinatto, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Tradução livre do verso de Montale: A esperança de ver você de novo me abandonava.
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
Elegia 1975
Jorge Finatto
photo: j.finatto |
O VENTO não traz
notícias de longe
todos foram dormir
depois do vinho
só nós permanecemos
incomunicáveis
debaixo das estrelas e do frio
um que outro fantasma passa
fugitivo na calçada
não perguntamos pela vida
passada ou futura
habitamos cada momento
com olhos de prisioneiros violentados
escutamos o silêncio que vem do rio
a fome imensa de liberdade
que nos anima e nos faz fortes
na tempestade que nos enlaça
nos joga contra a parede
nosso rosto parece ao de toda gente
mas trazemos segredos inviolados
noites de lobos feridos
olhamos a cidade morta
nenhum anjo nos acalanta
estamos vivos
e nunca doeu tanto
_______________
Do livro Claridade, coedição Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, 1983.
domingo, 22 de outubro de 2017
Da minha janela
Jorge Finatto
CADA UM VÊ o mundo da sua janela. A mirada particular de cada pessoa. O jeito de enxergar as coisas.
Eu, por exemplo, gosto demais de uma taça de café com leite e pão com manteiga. E me encanta andar na rua quando chove.
Infelizmente, já não tenho idade para subir e caminhar sobre telhados. Nem vou sair voando pendurado num guarda-chuva pelas ruas desertas de Passo dos Ausentes. E morro de saudades dos doces que minha avó fazia nos dias de frio.
Infelizmente, já não tenho idade para subir e caminhar sobre telhados. Nem vou sair voando pendurado num guarda-chuva pelas ruas desertas de Passo dos Ausentes. E morro de saudades dos doces que minha avó fazia nos dias de frio.
Está chovendo e gelado aqui na montanha, apesar da primavera. Gosto de dias assim.
Agora, não tenho mais quem faça doces. Mas as tardes de chuva continuam cheirando a arroz doce, canela e casquinha de laranja dentro de mim.
A memória é uma biblioteca onde se guardam as quinquilharias do tempo. Às vezes, me refugio nela e me ponho a perambular nessas cálidas páginas do passado.
Sim, raro leitor, é bom parar um pouco, olhar e pensar na vida. Abrir a janela e sentir como um menino. Mas nunca se trancar no casarão desabitado do passado.
Sim, raro leitor, é bom parar um pouco, olhar e pensar na vida. Abrir a janela e sentir como um menino. Mas nunca se trancar no casarão desabitado do passado.
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