segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Conversa sobre livros

Jorge Adelar Finatto


Na última sexta-feira, dia 10/9, encontrei-me com cerca de 220 alunos da Escola Estadual João Correia, em Canela, para uma conversa sobre ler e escrever, livros e leitura. Os meus interlocutores eram meninos e meninas de sexta a oitava séries, na faixa etária dos 11 aos 16 anos. O convite da escola surgiu a partir da doação que fiz de exemplares de meu livro Memorial da Vida Breve.

No início do encontro, falei da importância dos livros na minha vida. Cada livro abre portas e janelas no coração e na mente, ajuda nas nossas escolhas, a construir caminhos. Destaquei o ato de escrever e, principalmente, ler.

Escrever, até como desabafo, é uma forma de se conhecer melhor e conhecer o outro. Nem todo mundo precisa tornar-se escritor, mas todos deveriam escrever.


Escrever e ler são atos de busca-vida.

Alunos leram alguns poemas do livro. Na voz deles, os textos ganharam vida, ficaram até mais bonitos. Outros estudantes fizeram pinturas sobre o que leram, que ficaram expostas na parede.

Gostei muito do interesse, das perguntas, das manifestações e da troca que o encontro proporcionou. Saí de lá enriquecido e mais feliz do que quando cheguei.  E, pelo que senti , esses adolescentes têm condições de ir longe  e melhorar o  país. Merece ser ressaltado o trabalho da direção e dos professores, aos quais agradeço na pessoa da professora Andréia Padilha Jardim.
__________

Foto: ilustração dos alunos sobre textos do livro Memorial da Vida Breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.

sábado, 11 de setembro de 2010

Arrumar a biblioteca, arrumar a alma

Jorge Adelar Finatto

Fazia perto de 20 anos que não arrumava os livros no capricho. Muitas mudanças de casa e de cidade deixam a gente com um  jeito andarilho, desorganizam nossas coisas.

Não há biblioteca que resista aos  cansativos itinerários dos caminhões de mudança da vida de juiz.

Meus livros rasgaram comigo o mapa do Rio Grande do Sul. Nunca nos separamos. Não são apenas folhas de papel. Existe vida pulsando nessas páginas.

Passei cerca de três semanas, em julho, na dura lida de subir na escada, baixar livros das estantes, tirar pó, consertar páginas e capas feridas, agrupar os volumes por gênero e áreas do conhecimento, pôr em ordem alfabética e, finalmente, subir na escada novamente e colocar cada livro no seu lugar.

Aproximadamente mil livros compõem o acervo, entre  obras de poesia, contos, romances, ensaios, novelas, crônicas, diários, biografias, artes, filosofia, artigos, reportagens, etc. Os jurídicos estão num lugar à parte.  Alguns volumes me acompanham desde a adolescência. Comprei-os a partir dos 17 anos, com o salário do primeiro emprego que consegui (porteiro noturno da escola particular onde estudava).

Não venho de uma família de leitores. Os livros não faziam parte dos objetos da casa, não existiam no nosso cotidiano de gente pobre, salvo alguns estritamente necessários na escola, comprados com sacrifício.

Costumo lembrar esta história: certa ocasião, minha mãe comprou uma máquina de costura e junto com ela ganhou dois livrinhos de brinde, duas antologias de poesia, uma de poetas brasileiros e outra, portugueses (são os mascotes da biblioteca). Foram os primeiros livros de literatura que entraram lá em casa.

Muitas e muitas famílias não podem ter um único livro. A sobrevivência leva todos os tostões. O certo é que cada família tenha condições de comprar livros. Nenhuma família sem livros, essa será sempre uma nobre luta. Enquanto isso não acontece, as empresas poderiam criar o hábito de dar livros de presente aos seus clientes.

Voltando à arrumação das estantes, terminada a tarefa, me senti outra pessoa, alguém que podia alegrar-se e orgulhar-se de ver os livros organizados depois de tanto tempo.

A alma ficou mais leve, porque sei que agora, enfim, Saramago vizinha com Sartre, Manuel Bandeira tece boas conversas com Manoel de Barros e Jorge Luis Borges, enquanto Cecília Meireles e Maiakóvski trocam confidências e dão-se as mãos nas caminhadas que fazem pelo bosque cheio de vida e silêncio da biblioteca.

_________

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Gullar, palavra na escuridão, completa oitentanos

Jorge Adelar Finatto


10 de setembro de 1930, Rua dos Prazeres, São Luís, capital do Maranhão. Nasce José Ribamar Ferreira. No dia de hoje, cercanias da primavera brasileira, ele completa 80 anos. José Ribamar Ferreira e Ferreira Gullar são a mesma pessoa, o  último é o reconhecido poeta, que resgatou da escuridão gentes, nomes, histórias, dias, vidas que, de outra forma, estariam afundados no subsolo do esquecimento.

O seu Poema Sujo, entre tantos, trabalha a matéria fugidia  e delicada do oblívio, inventa luz e instala memória onde havia uma  espessa camada de pó e silêncio. Constrói sentidos em busca do ser-no-mundo. O poema vertido em forma, em som,  em terra, em lenta e invisível lágrima.

O poeta carrega muitas vozes, muitas vidas, na sua voz, na sua vida.

A Ferreira Gullar, no seu dia, todas as manhãs e palavras, e um pedido: por nós, seus leitores, continue construindo poemas em busca da aurora. 

_________  

Texto sobre o Prêmio Camões 2010, atribuído a Gullar, no post de 07/06.

Foto: Ferreira Gullar. Site oficial do poeta:
http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A cidade perdida: as origens

Jorge Adelar Finatto




Uma cidade de fantasmas habita um lugar ermo, no cume das montanhas, nos Campos de Cima do Esquecimento.

O leitor talvez se pergunte por que, afinal, Passo dos Ausentes, lugar onde escrevo essas linhas, não aparece no mapa do Rio Grande do Sul nem em nenhum atlas.

Muitas vezes também me fiz essa pergunta. Não encontrei até hoje uma resposta plausível. Para nós, habitantes desta cidade esquecida, a invisibilidade é um mistério difícil de entender.

Não nos veem e não nos sentem.

Nós o que vemos é a andança das nuvens nos contrafortes da solidão.

Oficialmente, não existimos. Não estamos no mapa. De onde vem essa ausência?

A Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária,  Geológica e Astronômica de Passo dos Ausentes já encaminhou diversos expedientes aos órgãos do governo, em Porto Alegre, pedindo providências. As respostas são sempre evasivas. “Vamos examinar”, “estamos estudando”, “faltam dados verossímeis acerca da existência da cidade e sua história”.

Mas como? Acaso nos tomam por seres de papel e tinta?

Passo dos Ausentes é uma espécie de Atlântida, a lendária ilha perdida no fundo tenebroso do oceano.

Uma Atlântida invertida, é certo, que caiu para o alto e desapareceu a 1.800 metros de altitude.


Somos seres invisíveis, desaparecidos vivos. Mortos na memória oficial e nos meios de comunicação.

Don Sigofredo de Alcantis, nosso filósofo-mor, costuma dizer que fomos fundados por um grupo de índios guaranis e padres jesuítas. Eles vieram de São Miguel Arcanjo, após a destruição da redução ocorrida durante a Guerra Guaranítica, em meados do século XVIII, quando portugueses e espanhóis acabaram com os Sete Povos das Missões.

Don Sigofredo é o guardião da nossa memória.

A barbicha grisalha, entradas no cabelo, o cavanhaque branco em forma de v, as extremidades do bigode levantadas para cima como a perscrutar o misterioso universo, o velho pensador conta histórias sentado no banco da praça ou caminhando em volta dos seus jardins.

Os dias não se contavam em horas, mas em suspiros, afirma ele.

O rumor do vento nas coberturas de capim santa-fé das cabanas, na beira do Rio dos Ausentes, era a música daqueles inícios.

Depois aqui chegaram cinquenta pessoas, entre crianças, mulheres e homens, todos escravos foragidos de estâncias do sul do estado. Livres, integraram-se na comunidade local.

Após, vieram algumas famílias de andaluzes, fugidas da Espanha por razões não muito bem esclarecidas. Os espanhóis tinham sido recebidos com antipatia nas metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo. Traziam na bagagem ideias utópicas de conteúdo socialista.

O tempo passou. Mais tarde subiram as montanhas indivíduos russos, polacos, alemães, italianos, portugueses e um grupo de judeus e árabes que chegaram juntos.

Ninguém sabe ao certo como e por que essas pessoas vieram parar em Passo dos Ausentes.




Toda essa gente tinha em comum algum trauma de perseguição por razões políticas, filosóficas ou relacionadas à cultura e etnia.

Em Passo dos Ausentes, encontraram refúgio e paz para viver, reconstruir sua história, trabalhar e criar filhos. Não demorou muito para que a cidade se tornasse produtora de boa variedade de produtos agrícolas, de artesanato e de utensílios de pequena indústria. A prosperidade ocorreu no auge da estrada de ferro nos anos de 1940. O declínio veio com o fim da ferrovia na década seguinte.

A população da cidade, que não era grande, passou a diminuir. As pessoas começaram a ir embora em busca de um futuro.

A memória e o afeto têm nos preservado da extinção. Mas não sabemos até quando.

Íngremes e tortuosos são os caminhos através dos paredões de basalto.

Muito frio, chuva, vento e neblina nos separam do mundo.

Don Sigofredo diz que é do nosso modo de ser a saudade das estrelas que desapareceram há muitos milênios. A luz desses astros nos chega viajando pela noite do tempo infinito.

Somos testemunhas de uma claridade que se apagou.

Por que não estamos no mapa?

Somos invisíveis como a nossa história e a nossa cultura.

Às vezes nos reunimos na praça para ouvir a pequena orquestra sinfônica. O Concerto para Violão e Orquestra, de Heitor Villa-Lobos, é a música predileta de Don Sigofredo. Acho que é também a música de Passo dos Ausentes.

Somos poucos e invisíveis.

Na solitude das noites de bruma ouvimos as histórias uns dos outros.

Não sabemos o que será da cidade e de nós.

Mas quem sabe alguma coisa nessa vida?

________

Texto publicado em 25/12/2009.
Fotos: J. Finatto

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Negada liberdade condicional a Chapman


Conforme noticiado pela imprensa, o pedido de liberdade condicional feito por Mark Chapman, 55 anos, condenado pelo assassinato de John Lennon, foi negado pela justiça norte-americana. É a sexta vez que isso acontece, sendo  igualmente denegados os pedidos anteriores. Com essa decisão, o condenado somente poderá renovar o requerimento em agosto de 2012.

Assassino de Lennon volta a pedir liberdade condicional


Mark David Chapman, o homem que assassinou John Lennon em 1980, vai ser interrogado esta semana numa audiência, que começa hoje, para decidir se poderá sair em liberdade condicional. Esta é a sexta vez que Chapman, preso há 30 anos numa prisão de Attica, no Norte do estado de Nova Iorque, tenta obter a liberdade condicional.

Leia o texto integral desta matéria, publicada  ontem no jornal Público, de Portugal, versão da internet: 
 
Assassino de Lennon volta a pedir liberdade condicional - Cultura - PUBLICO.PT

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Soledad

Heitor Saldanha




La gente se cansa de esperar
                             de amar
                             de vivir
pero no  se  cansa de existir.

Siempre hay un motivo para continuar.


_______

Poema do livro Muestra, de Heitor Saldanha. Tradução do português para o espanhol de Atilio Jorge Castelpoggi. Colección Mirto, Buenos Aires, 1963.

Leia entrevista com Heitor Saldanha (1910-1986), neste blog, no post de 29/12/09.

Foto: J. Finatto