sexta-feira, 25 de março de 2011

Basquiat: coming from the streets, where he painted graffiti, the artist conquered art galleries and museums with his art *

Jorge Adelar Finatto




 

Something in Jean-Michel Basquiat´s trace catches the eye. In general, graffiti makes you tired and bored. It seems they only make the sensation of solitude and isolation of the big cities worse. Rarely do they convey something poetically revealing. I am stubborn, though. I am capable of standing in the street in front of a wall, trying to understand and to feel what that is. I am usually beaten by emptiness.

Graffiti has reached the status of art form in latest years thanks to the talent of some of these street artists, namely, the figurative graffiti, different from the one that is solely a simple inscription of letters and numbers. Public areas end up being appointed to these crafters. That is to say, less and less, the creative activity of the graffitist is seen as an affair for the police. The artists themselves are talking with the scribble gang, asking them not to damage these areas which have been toughly conquered.


When I saw Basquiat´s paintings for the first time, I tried, after the five initial minutes, to turn a blind eye to them and to keep on my path, but I could not. I started to follow the composition trail of each picture. And there was the view of the world aesthetically elaborated, with his Afro-American origin, impregnated by the rough urban spirit and an intense search for freedom and denouncement. They are figurative graffiti, now out of the streets, in the galleries, with powerful colors and senses.

Jean-Michel was born in Brooklyn, New York, on December 22nd, 1960, and passed away at 27, on August 12th, 1988, in the same city. Son of a Haitian father and of a mother who was a daughter of Puerto Ricans, he has become renowned, at first, as a graffitist and, afterwards, as a plastic artist. He was one of those responsible for the recognition of graffiti as an artistic manifestation.


When he was around 17 years old, he started to paint abandoned buildings of Manhattan. The signature with which he identified himself then was “Samo” or “Samo shit” (same old shit). At a certain time, after he left his parents´ home, he had to sell t-shirts and postcards in the streets so as to survive. The work of Basquiat drew attention and started being commented, rapidly gaining notoriety in the means of communication. He began painting portraits and to do exhibitions. He ended up becoming a rare case of an artist who early gains recognition. Moreover, he formed a band with acquaintances and participated in, at least, two films. In 1982, he dated a singer who was not very well known at the time, Madonna. He had partnerships with Andy Warhol.

An intense and professionally successful life, with massive media coverage, did not free him of the contact with drugs such as heroin and cocaine.

He died of an overdose, at the top of the heap, in his studio.

The work of Basquiat is recognized and valued internationally. It is not only a marketing case. There is much creation and poetic valor in these restless, vibrating, aggressive, questioning traces. The expression of the artist has reached an identity that characterizes itself as unique.



 
Let us look at Basquiat´s paintings. Isn’t there, by any chance, in the feverish and explosive wrist something that puts him side by side with oldest brothers like Tintoretto and Van Gogh? These colors and figures lead us to moments of emotion, beauty and reflection.

Basquiat was a fallen angel (title of the blue painting above), who left this world too soon.

The Museum of Modern Art in Paris held an exhibition with the work of Basquiat in October 2010, which lasted until the end of January 2011. Lines of almost 500 meters were formed for visitation.

People’s interest in the artist’s work is understood since it is a grateful discovery in the currently rarefied territory of virtue in the arts in general.



________

* Este post foi originalmente publicado no blog, em português, em 28/11/2010. Republico, em inglês, em atenção aos leitores de outros países que têm procurado esta matéria.
Imagens: fotos de Basquiat e suas pinturas. Fonte: site oficial:

http://basquiat.com
Reprodução com autorização dos proprietários dos direitos da obra de Basquiat:
© The Estate of Jean-Michel Basquiat / AUTVIS, 2010
Translation by Letícia Lanius (Public Translator) – lelanius@yazigi.com

quarta-feira, 23 de março de 2011

A claridade do coração

Jorge Adelar Finatto

O certo é que, na vida como na arte, a gente fracassa sempre.

 


A trevosa sintaxe da vida. A escuridão das almas. Fugidias imagens me perseguem. Nos urdimentos do bandoneón, busco outras claridades. O viver longe do abismo, no vero amanhecer, eu busco. Eu, Juan Niebla, venho do neblinoso. Trouxe o calepino?


Tenho andado pela vida à procura de luz. Essa que vem de dentro. A escuridão está em toda parte, principalmente nas almas. As trevas-mestras sustentam o mundo. Bem-vindo o que vem em paz e desarmado. Os regulamentos da amizade eu cumpro. A minha casa está sempre aberta. Nos enquantos, porque amanhã é escuro. Anote por favor.




A treva foi inaugurada com a luz principial. Isto é demanda antiga. A velha contradição. A luta imemorial. Mas também o complemento ideal, uma não existe sem a outra. Em termos de arriscada filosofia, caminho em beira de precipício.

A maldade não tem sala na minha casa. Sou músico de bandoneón e memória, na estação de trem abandonada de Passo dos Ausentes. Espero com o ouvido a chegada do invisível trem. Cego desde os 16 anos, sim, senhor. O resto é o breu e se dissipa quando toco meu instrumento no velho banco.

A vida é dura? Pra completar, é breve. Somos um ato-falho da criação. Sou homem de fé, Deus me perdoe. Se vive. Faço o que é possível, às vezes menos, às vezes mais. Somos ferida em carne viva, vivo pensamento. Se vive. Está anotando?



O certo é que, na vida como na arte, a gente fracassa sempre. Falta aquele grito, aquela palavra, o remate, aquilo que não foi dito nem lembrado. O ora-veja que só a divina obra tem. Deus é artista caprichoso, no atacado e no miúdo, como outro não há. Conseguiu escrever?

Pediram-me um ensaio falado sobre as cores remotas do outono. Mas eu só sei, só vejo isso que sinto.



_______

Juan Niebla é músico em Passo dos Ausentes. Admitido por concurso público, ocupa o cargo de músico municipal desde 1940. Toca bandoneón na estação de trem abandonada da cidade. Tem 87 anos, é cego desde os 16.

Fotos: J. Finatto

segunda-feira, 21 de março de 2011

Villa-Lobos e outono

Jorge Adelar Finatto



Celebro o começo do outono escutando o Concerto para violão e orquestra do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos (1887 - 1959). É uma comemoração discreta, íntima, como é o próprio outono. O concerto é uma obra que consagra o violão brasileiro e é, ao mesmo tempo, uma relíquia da humanidade. Villa-Lobos toca fundo as cordas do instrumento e dele colhe sublimes sonoridades.

A orquestra ao longe é a paisagem dentro da qual corre esse rio profundo e cheio de segredos.

Mestre das impossíveis harmonias, a música do maestro nos enche a alma. Somos tomados por um forte sentimento de gratidão. Na lápide do túmulo do compositor, no Cemitério São João Batista, na cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu, lê-se esta inscrição: Considero minhas obras como cartas que escrevi à Posteridade sem esperar resposta.

Os tempos são difíceis no mundo, eu sei. Mas nas folhas dos plátanos a luz âmbar amadurece. O outono traz nas mãos amenas tardes de sol, ocres silêncios, travessias e mergulhos na misteriosa partitura da vida.

_______

Fotos: 1) J. Finatto. Cenário de outono; 2) Heitor Villa-Lobos, cerca de 1922. Fonte: Wikipédia. Autor desconhecido.
Vale a pena fazer uma visita ao site do Museu Villa-Lobos:
http://www.museuvillalobos.org.br/

domingo, 20 de março de 2011

A coragem*

José Saramago


Patricia Kolesnicov é jornalista e argentina, mais jornalista que argentina em minha opinião, mas isto é só uma pequena ideia de literato, colocar a profissão antes da nacionalidade como se estivesse a substituir um mundo por outro. Há anos apareceu-lhe um cancro da mama que enfrentou com a coragem de que só uma mulher é capaz. Não o digo para parecer bem, para ganhar indulgências entre a outra metade da humanidade. Se o digo é simplesmente porque o penso: perante a dor, perante o sofrimento, elas são muito mais valentes que nós. A criança que chora e se lastima por ter esfolado um joelho continua a existir no homem mesmo que passem muitos anos, e quantos mais passem, mais essa presença se notará, a mulher meteu-lhe uma decidida chupeta na boca e, se a não conseguiu calar de todo, ao menos aplicou uma surdina aos seus queixumes, que os tornará relativamente suportáveis a ouvidos e sensibilidades alheias. O homem exibe, a mulher não quer que se note.

Quando o cancro foi vencido, Patricia escreveu um livro a que pôs o título de “Biografia do meu cancro”. Não gostei e disse-lho, mas ela não me fez caso. O livro (publicado também em Portugal, na Caminho) traça sem complacências um percurso duríssimo e, talvez para honrar a palavra daqueles que afirmam existir um humor judeu particular (Patrícia é judia), o relato, que noutras mãos seria grave, inquietante, inclusive assustador, desperta frequentemente em nós um sorriso cúmplice, uma súbita risada, uma irreprimível gargalhada. Com um pouco mais Patricia Kolesnicov tornar-se-ia mestra do paradoxo e do mais negro dos humores.

Patricia acaba de recuperar os direitos sobre a sua obra e não lhe ocorreu melhor ideia que pô-la na internet para uso, disfrute e lição de toda a gente. Leiam-na e agradeçam-lhe. E, já agora, agradeçam-me também a mim que sou seu amigo e escrevi estas palavras justas, mínimas para o que ela mereceria, mas que outros (os seus leitores) farão crescer pela via do respeito e da admiração. Pela coragem.
____________

*Publicado com autorização da Fundação José Saramago:
http://www.josesaramago.org/
Texto extraído do blog O Caderno de Saramago:
http://caderno.josesaramago.org/.
Publicado originalmente pelo escritor, no seu blog, em 12/05/2009.
A grafia é a de Portugal.
Foto de José Saramago (1922 - 2010) : Acervo da FJS

sábado, 19 de março de 2011

Flor, sim, flores

Jorge Adelar Finatto

























________

Fotos: J. Finatto. Passo dos Ausentes.
Carpe diem (Aproveita o dia. De um verso do poeta romano Horácio).

sexta-feira, 18 de março de 2011

Luz no breu

Jorge Adelar Finatto



Cada palavra escrita é um pequeno fósforo que se acende em meio ao breu profundo da condição humana. Ler e escrever são maneiras de dizer não à barbárie, à morte, ao esquecimento.

______ 

Foto: J. Finatto

quarta-feira, 16 de março de 2011

A boneca de trapo

Jorge Adelar Finatto


Era uma dessas tardes que antecedem o outono em Passo dos Ausentes. O ar outonal nos deixa mais sensíveis diante das primeiras quedas de folhas e mudanças de cores e seivas na natureza. Em dias assim, estar vivo é uma sorte.

Encontrei uma boneca de trapo caída no chão da Praça da Ausência. Era feita de velhos panos coloridos. Os olhos eram dois botões verdes. Os cabelos, fios de lã repartidos em duas tranças. A boca era um pequeno risco vermelho e sorria. 
 
Apesar de perdida, a boneca não parecia muito triste. Talvez um leve toque de melancolia no semblante. Afinal, alguém a deixara para trás. Levantei-a do chão e acomodei-a no banco da praça, embaixo de um salgueiro.

Fui embora, não sem um pouco de dor. No início quis levá-la comigo, dar-lhe um novo lar. Mas desisti ao pensar que quem a perdeu pudesse vir buscá-la e seria de cortar o coração não encontrar a sua boneca de trapo. 

Viver tem dessas coisas. Nem sempre podemos ter o que nos encanta. Num dia, o céu azul, nuvens cor-de-rosa, o coração batendo harmonioso. Noutro, nuvens escuras e pesadas se espalham e a gente só pensa besteira.

A boneca de trapo me lembrou coisas que perdi na vida. Perdi e me conformei. Porque nada, absolutamente nada, nos pertence de verdade nesse mundo. Tudo que temos é emprestado. Um dia teremos de devolver. Nada nos pertence. Salvo, talvez, o meigo sorriso de uma boneca de pano.

______

Foto: J. Finatto. Boneca artesanal da região serrana do Rio Grande do Sul.