O Cavaleiro da Bandana Escarlate
Somos todos sobreviventes em um mundo que despenca ao nosso redor. Só há uma permanência em nossas vidas: a ausência.
Existe algo além de sexo barato, violência gratuita (doentia) e desprezo pelo humano no ar. Ao contrário do que pensa uma parte dos realizadores de filmes, séries e novelas, pode haver mais do que isso. Sugerem eles que produção que atrai público é aquela que beira ou cai na baixaria. Não é verdade. As pessoas, em geral, gostam do que é bem feito, do que fala ao coração e ao pensamento.
O filme turco Bal (Um doce olhar, 2010), dirigido por Semih Kaplanoglu, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano, é obra simples e de grande qualidade. Nunca é demais lembrar que, na arte, o simples é o mais difícil de fazer. Muito mais fácil é ser pretensioso e ralo.
O título original, Bal, significa mel. A história se passa numa pequena povoação em região montanhosa (muito bonita) da Turquia. É a parte final de uma trilogia de Kaplanoglu. Os outros dois títulos são os longas Yumurta (Ovo), de 2007, e Sut (Leite), de 2008. Cada um deles mostra uma fase na vida do personagem Yusuf. Ovo trata do homem adulto, poeta sem reconhecimento, dono de um sebo, que retorna à cidade onde nasceu para o enterro da mãe. Leite enfoca o jovem que não consegue entrar da universidade, não é aceito no serviço militar e quer escrever poemas. Esses dois filmes não passaram ainda no Brasil, salvo em exibições especiais. Mas não há problema para a compreensão de Um doce olhar. Cada um pode ser visto de forma independente. Os três compõem o roteiro de uma vida ao contrário.
Um doce olhar apresenta Yusuf (o ator mirim Bora Altas) com seis anos, vivendo entre montanhas, pássaros, córregos, sons, cores e mistérios da floresta, ao lado do pai, o apicultor Yakup (Erdal Besikçioglu), e da mãe Zehra (Tülin Özen), cultivadora de chás.
A delicada obra mostra o olhar do menino se apropriando do mundo. É um olhar primevo, inaugural, iluminado pelo contato físico e espiritual com os seres e coisas que o cercam. Yusuf tem dificuldades na escola, onde está aprendendo a ler. Vai e volta sozinho pela estrada de chão. Muito tímido, gagueja sempre, quase não se relaciona. A pessoa com quem mais e melhor se dá é o pai, que lhe passa conhecimentos sobre seu trabalho e a natureza. A história marca a passagem de Yusuf para outra esfera de consciência, em razão de um doloroso acontecimento.
A fotografia é cativante, com planos longos e silenciosos. Poucos diálogos. Gestos, expressões, objetos e árvores valem muito neste belo filme.
Somos todos sobreviventes em um mundo que despenca ao nosso redor. Só há uma permanência em nossas vidas: a ausência.
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A Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária e Geológica de Passo dos Ausentes (SHGFLGPA), leia-se Dom Sigofredo de Alcantis na presidência, Alberta de Montecalvino e Juan Niebla no setor cultural, me convida para continuar a escrever neste blog, depois dos textos que rabisquei sobre o Festival de Cinema de Gramado. Acho um gesto de coragem e grandeza da parte deles.
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Foto: Yusuf e o pai. Divulgação. Paris filmes.
Saiba mais sobre O Cavaleiro da Bandana Escarlate nos posts de 27 de abril e 29 de julho de 2010.
Saiba mais sobre O Cavaleiro da Bandana Escarlate nos posts de 27 de abril e 29 de julho de 2010.
Parabens peelas suuas croniicas !
ResponderExcluirmuiito leegaal
Filmes desta grandeza e visceralidade passam longe de nossos cinemas. Cinemas de shopping, com baldes de pipoca e filmes de duvidosa qualidade.
ResponderExcluirContinue nesta senda cinematográfica, uma expansão de outro caminho que trilhas com êxito: a fotografia.
Abraço.
Ricardo Mainieri
Ricardo,
ResponderExcluiro Cavaleiro pede que informe que esse filme estava passando no cinema artplex 2, do shopping bourbon country (nome chique, não?...), em Porto Alegre. Se já saiu de cartaz, é uma pena.
Abraço.
JF
Obrigado, Ana Paula.
ResponderExcluirVolte sempre.
JF