terça-feira, 31 de maio de 2011

Se um barco de papel

Jorge Adelar Finatto





O irmão rio vive dentro do menino. Convivem desde a infância, através da água limpa bebida diretamente da torneira e dos banhos nas tardes claras e quentes de verão nas pequenas praias. Na tarde muito fria e azul do último dia de maio, ele sai a andar pela beira do Guaíba, que é um jeito todo seu de fugir da realidade quando o peso é muito grande.

Existe uma memória afetiva que os irmana. Mais de uma vez ele teve de partir de Porto Alegre para trabalhar e viver em outras cidades. Sempre que pôde, foi ao mapa e escolheu um lugar com porto para ancorar a saudade do irmão.

Ele leva no bolso do casaco o barco de papel construído com a folha de um caderno escolar. A simples visão do rio tem o poder de acalmá-lo e o deixa perto da felicidade ou seja lá como se chama esse sentimento de integração com o mundo.

Ouve o rumor da água batendo na areia e nas pedras -  e uma sensação de harmonia o invade. Enfim solta o barco de papel e embarca. Sai pelo Guaíba a navegar, subindo e descendo as ondas, girando suavemente o leme, enquanto a vela amarela se enche de vento. O continente ficou ao largo com a angústia e o irremediável.

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Foto: J. Finatto

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um fantasma quer conversar

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto


Olha só pra mim. Quem me dera. Eu vivo no sumiço. Vento de maio me leva por diante.

Alberta de Montecalvino, a dama deste não-lugar, foi quem me deu a idéia de visitar esta efêmera página virtual.

Sou um dos fantasmas de Passo dos Ausentes, a cidade perdida nos Campos de Cima do Esquecimento, na serra do Rio Grande do Sul. Me chamo Heitor dos Crepúsculos.

Escrevo essas linhas sem muita fé de ser lido. Meu amigo Juan Niebla diz que escrever num blog é escrever na água.

Eu não ligo, sou só de passagem, não tem importância, nada tem muita importância. Não tenho ideia de permanência, compreende? 
 
- Escreve alguma coisa, Heitorzinho. Te mostra um pouco, meu querido. Entre os mortos-vivos dessa cidade, és um dos mais sentimentais e engraçados - disse Juan, tocador de bandoneón da estação de trem abandonada.

Não pretendo me dar ares de escritor. Sou, talvez, um escrevedor póstumo, alguém que publica suas histórias no vento. Não escrevo, claro, pra publicar em livro. Olha só pra mim. Não tenho mais a literária vaidade.

Passou o tempo e me levou.

Eu era poeta. Sempre vivi dentro do nevoeiro. Conversava, e às vezes me desesperava, com a folha em branco. As danações do criador.

Depois atravessei a ponte, depois vim para o invisível. Saí do mundo aos 27 anos por vontade própria. A vida era insuportável, não via saída, a esperança não entrava na minha alma. Eu poeta trevoso.

Quem me vê hoje, pode dizer sem engano: ali vai o arrependido.

Apareço e desapareço, tenho as superiores autorizações. Um fantasma é um ser virtual. Ora está, ora não está. Às vezes choro de saudade da vida com a cabeça entre as mãos pelos telhados. O menino que eu era quando saltei.

Não moro no pequeno cemitério, porque nunca encontraram meu corpo. Me joguei do penhasco, no belvederezinho aprazível que tem na descida do Vale do Olhar.

Foi um momento de infinita angústia, nem queira saber. Cansei de ser gente (o menino que eu era!). Os tristes apressamentos. Cada coisa que se faz na vida.

Nunca quis morrer de verdade. Queria um pouco só, pra sentirem pena. Quando vi o que tinha feito, já era tarde. Agora só existo no oblívio.

Aqui em Passo dos Ausentes todos me aceitam do meu jeito neblinoso, não se incomodam com o lusco-fusco que eu sou. O interrompido. O volátil.

Na dimensão esvoaçante e nevoenta, tudo é muito em paz, mas é uma paz cinza e sozinha.

Escrevo esse breve apontamento na mesa perto da janela que dá para o Vale do Olhar, no Café dos Ausentes, na estação de trem abandonada.

Observo o vento nas palmeiras da tarde gelada de maio. Meu amigo Juan Niebla, músico cego, com seu bandoneón na gare vazia e silenciosa, esperando um trem de passageiros que não virá. Agora está tocando As Quatro Estações Portenhas, do Astor Piazzolla.

O último trem partiu faz muito tempo. Esqueceram de desligar a esperança no coração do Juan. Feliz dele assim.

Só a música é eterna. O resto é bruma.

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Heitor dos Crepúsculos é fantasma e poeta em Passo dos Ausentes.

sábado, 28 de maio de 2011

A rua antiga me atravessa

Jorge Adelar Finatto



A vida se esconde na rua antiga.
A saudade mora aqui desde antes do mundo ser inventado.
Os passos dos habitantes se ouvem na longínqua estrela.
Quem nos vê, quem nos vale nesse labirinto?
A vida inteira no postigo.
Tantas coisas eu sonho.
Tantas coisas eu sinto.
As pedras da rua antiga são diamantes do oblívio.
O tempo nela escorre feito lágrima.
Ninguém vê essa cicatriz aberta na face do planeta.
Calado observador do fim do mundo.
A rua antiga me atravessa.

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Do livro Calado Observador do fim do mundo, Editora Vésper, Passo dos Ausentes, 2010.
Foto: J. Finatto. Colonia del Sacramento, Uruguai.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Livro, livros

Jorge Adelar Finatto


Passei um tempo numa livraria-café nesta tarde de maio. As livrarias me causam encantamento natural, porque gosto de caminhar em meio a  bosques. Por outra parte, elas me trazem um sentimento de angústia, porque há livros que nunca lerei, o tempo é curto, as estantes são infinitas.

Peço desculpas prévias aos livros e autores que não conhecerei.

Mas tem o lado da beleza colhida nos livros descobertos na imensa floresta. A esses, gratidão.

Cultivo a arte de ser lento.

Essa coisa tão fora de moda que é parar, fazer silêncio, sentir o mundo.

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Foto: J. Finatto

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pequenas notícias

Jorge Adelar Finatto


O poema é uma pequena notícia, uma biografia mínima. É alguém contando sua passagem no mundo. Deve ser lido aos poucos, em lentos sorvos, à impossível pressa. Como quem estivesse a bordo de um breve barco que avança calmamente pelo rio. Sou capaz de ouvir o rumor dos remos batendo na água. 

Escrever poemas depois de Walt Whitman e Fernando Pessoa pode parecer um tanto quanto inútil. O imenso talento e a altura da obra destes dois poetas universais podem soar inibidores de novas vozes. Mas, abrindo um pouco mais o olhar, é possível reconhecer em cada indivíduo uma nova maneira de ver e sentir a existência. Como se a experiência do ser humano no planeta se renovasse em cada um de nós. Então, se assim é, o texto da vida está sendo sempre reescrito. Por isso todo canto é bem-vindo. Ninguém deve desistir diante da tradição. A obra dos que vieram antes deve servir de estímulo e inspiração, não de constrangimento. O resto é vida, trabalho e fé.
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Foto: J. Finatto

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Seco

Jorge Adelar Finatto



photo: j.finatto
 
Coração seco, boca seca, mão seca. Secas palavras, medo seco. Secas pétalas de camélia vermelha dispersas no chão da praça. Seco, seco.
 
Secos pássaros dormem em ressequidos galhos. Secas folhas de plátano se agitam contra o azul. Manhã silenciosa, bailarina morta na caixa de música, enferrujado relógio de parede, tudo seco.
 
Secou a ponte que unia os amantes, inundava-os com a urgente carícia. Secaram as velas das faluas do Tejo.

Os olhos que olhavam o pôr-do-sol no Guaíba secaram, secaram.
 
Secos homens invadiram as ruas secas da cidade, cometeram tristes barbaridades.
 
O milharal, de tão seco, pegou fogo.
 
Sentimento e pensamento, secos. O sexo ficou seco. As páginas do livro de poemas por escrever, secas, secas.

Seco olhar observa do fundo do espelho.
 
A ternura, a ternura, um rio seco, seco dentro do coração. 
 

sábado, 21 de maio de 2011

Lars von Trier e a desumanização da palavra

Jorge Adelar Finatto

Não terá sido esta, provavelmente, a última vez que alguém declara simpatias por Hitler e pelo nazismo. O cineasta dinamarquês Lars von Trier foi mais um, ao declarar, no Festival de Cinema de Cannes, compreender Adolf Hitler e ser nazista. Disse que gostava de judeus, mas nem tanto, porque Israel é um pé no saco. Declarou-se, também, admirador da arte e do talento de Albert Speer, arquiteto oficial do Terceiro Reich.

As declarações foram feitas durante entrevista coletiva de apresentação de seu filme Melancholia, na quarta-feira passada. Diante da péssima repercussão, desculpou-se depois, afirmando arrepender-se do que disse, que tudo não passou de uma brincadeira estúpida. Acrescentou que não era nazista.

Os responsáveis pela organização do festival expulsaram von Trier do evento por suas afirmações. Admitiram, contudo, que seu filme continuasse concorrendo. Além disso, declararam-no persona non grata. Caso seu filme venha a ser premiado, ele não poderá estar presente na cerimônia, conforme amplamente divulgado na imprensa. Pelo que entendi, ironizou o cineasta, a decisão significa que eu estou proibido de chegar a cem metros do Palais. Mas acho que posso tomar um sorvete ali perto e olhar à distância.

O que impressiona, além das declarações absurdas, é essa maneira frívola como von Trier trata o episódio, mesmo após a repercussão negativa e do seu pedido de desculpas. Dificilmente alguém brinca quando se trata de Hitler e da 2ª Guerra Mundial. Estamos falando de um dos maiores, mais cruéis e terríveis massacres da história do homem, sendo desnecessário estender-se sobre suas funestas e indeléveis consequências.

Impressionante ver que um homem de 55 anos, diretor premiado de cinema, que trabalha com cultura de massa, não tenha o alcance do que diz (não terá mesmo?), numa coletiva daquele que é um dos mais tradicionais festivais de cinema do mundo. É triste vê-lo ocupar um espaço de tamanha importância e visibilidade para dizer coisas como essas, que ofendem não apenas os judeus como são uma afronta a toda a humanidade. Se quem tem o poder da palavra, na arte, o utiliza desta forma, estamos muito mal.

Diante do seu pedido de desculpas, diminui a justa indignação das pessoas que não aceitam qualquer forma de condescendência com a intolerância, a crueldade e a violência. É muito complicado tudo isso, vindo de quem vem.

Se é verdade que a boca diz aquilo de que o coração está cheio, então a situação do cineasta é mais preocupante do que parece. Esperemos, todavia, que não, que tudo, realmente, não tenha passado de uma brincadeira estúpida.

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Declarações do diretor, em itálico, colhidas do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, edições de 19 e 20 de maio, 2011.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O alfarrabista e as florestas do mundo

Jorge Adelar Finatto


O instante é este pedaço de eternidade. Traço essas linhas enquanto olho pela janela, o vento nas folhas do arvoredo em volta da casa. A lenha queima na lareira, a chama ilumina e aquece. Escrever é um jeito de participar da vida. E é bom ficar assim, sentindo o movimento do planeta em seu giro pelo universo. Neste recanto de montanha, nessa hora tardia, um pouco de sossego no coração.

Há muitos bons livros que nunca lerei, idiomas bonitos que não aprenderei, cidades e ruas que não terei tempo de visitar. Há pessoas com quem jamais trocarei uma só palavra. É estranho pensar nisso.

A partilha da solidão entre todos os seres. Não será menos solitário o alfarrabista enquanto espera entre as florestas de livros. Livros que esperam nos bosques das estantes. Autores e livros à espera de quem os descubra e os ame. Existe solidão abissal em não ser descoberto nem amado.

Nessa hora longínqua, de noite fria lá fora, folhas caindo no pátio, preciso acreditar que há amor para todos. Neste momento, o que escuto é a bela música da vida.

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Foto: J. Finatto
 

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Hermeto Pascoal

Jorge Adelar Finatto



De menino eu quisera ser marinheiro. Mas depois, com medo do mar, eu fora é músico, uma orquestra inteira, no meu coração sonhador. A música é um jeito da gente trazer o mundo dentro de si, e todas as vidas, todos os barcos e todas as águas junto. Se alguém procura saber, no hoje (tão longe do menino que eu fui e dos sonhos que não aconteceram) que Villa-Lobos eu quisera ser, neste agora tão medonho da vida e do mundo, então eu dizia, sem remorso nem bazófia: quisera ser Hermeto Pascoal. Não medra esconso  o meu dizer. Quero os versos e os acordes do alvoroço. O amanhecer do humano esforço. Grande Sertão e estelares veredas. Algaravia de sons. Tudo voa e no ar se encontra. Os arranjos do engenho e da arte que o artista faz. Não faço enciclopédia, digo apenas o que sinto, e já não é pouco nessa quirera. Eu quero, sim, os espantos. O cheiro da flor da laranjeira de manhã. Eu quero a hermética, universal, pascoalina melodia.

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Foto: Hermeto Pascoal. Autor: Rique Barbo. 
Fonte: site oficial do artista: http://www.hermetopascoal.com.br/

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eugénio de Andrade

Jorge Adelar Finatto


Na vida, ter talento só não basta, é preciso trabalhar muito para chegar a algum resultado. Muitos talentos se perdem, nas mais diversas atividades, por falta de entrega e persistência.

Existe um poeta pouco conhecido no Brasil, que é dos grandes que temos na língua portuguesa: Eugénio de Andrade. Nasceu em 19 de janeiro de 1923, em Póvoa de Atalaia, centro de Portugal, e morreu em 13 de junho de 2005, na cidade do Porto, onde hoje existe a fundação que leva seu nome.

Lê-se pouca poesia no Brasil e no mundo, de modo geral. Os tempos são duros. A poesia é o gênero literário que pede um leitor sensível, atento à beleza da palavra e da composição no seu grau mais elevado de elaboração (o poema), e, sobretudo, um leitor dotado de espiritualidade.

Um brutamontes dificilmente terá afeto pela poesia.

Eugénio de Andrade é um belo poeta. Lida com o poema de forma rigorosa e, ao mesmo tempo, com notável simplicidade. A simplicidade que só os mestres alcançam como resultado da dedicação cotidiana e obstinada ao trabalho.

Na vida, ter talento só não basta, é preciso trabalhar muito para chegar a algum resultado. Muitos talentos se perdem, nas mais diversas atividades, por falta de entrega e persistência.

A poesia de Eugénio de Andrade nos traz encanto e esperança. Como nestes dois poemas.


O SORRISO

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


VER CLARO

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.


A obra do poeta é rara. Para melhor conhecê-la é interessante uma visita ao site da Fundação Eugénio de Andrade¹ e, claro, a leitura de seus livros. Entre nós, onde Eugénio, infelizmente, é quase desconhecido, existe a antologia Poemas de Eugénio de Andrade², que oferece uma boa visão do conjunto de sua obra.

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¹Fotos e poemas de Eugénio de Andrade reproduzidos do site da Fundação Eugénio de Andrade:
http://www.fundacaoeugenioandrade.pt/
² Poemas de Eugénio de Andrade, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999.
Texto publicado em 25 de maio de 2010.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Vivaldi e a noite fria de outono

Jorge Adelar Finatto


A vida é uma melancólica estação de trem onde todos estão só de passagem rumo ao esquecimento.

Escutava o Concerto em Mi Menor, "Il favorito", op.11. n. 2, andante, do veneziano Antonio Vivaldi (1678 - 1741) no começo desta noite fria de outono, de lua cheia, em Passo dos Ausentes. A música é muito sentimental, vai crescendo dentro da gente de um jeito calmo. Não sei por que, enquanto a ouvia, passei a recordar certos dias de outono na minha infância. A avó preparava doces, conversava e costurava. A casa de madeira de pinheiro ficava entre os plátanos, à beira do arroio.

O arroio tinha música viva. A bruma costumava andar a esmo nas redondezas e com ela o silêncio. Quando alguém abria a porta, um pouco daquela névoa entrava e tomava assento na sala, como um fantasma. O mundo era então um lugar muito pequeno.

Um dia a avó partiu na neblina, levando para sempre as costuras, as conversas, os doces. Não teve tempo de se despedir. A casa fechou-se como um coração que esfriou. Fui para a estação de trem. O que aconteceu depois foi uma longa história de partidas sem despedida.

A vida é uma melancólica estação de trem onde todos estão só de passagem rumo ao esquecimento.

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Foto: J. Finatto

Three poems

Jorge Adelar Finatto



Event

My face in the rain
in the wind
sad like a scarecrow

Evento
Minha cara na chuva
no vento
triste como um espantalho



Occupation

life is a horror that I allow myself

Ofício
 a vida é um horror que me permito



Tragedy

the moon has fallen over the crops

Tragédia
a lua caiu na plantação

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Poems from the book Viveiro, Edições Grupo Sanguinovo, São Paulo, 1981.
Foto: J. Finatto

segunda-feira, 16 de maio de 2011

José Carlos Oliveira, cronista

Jorge Adelar Finatto


Sou contumaz leitor de jornais. Nesse tempo todo, acho que tenho procurado não propriamente notícias do mundo que é, mas de um outro, mais delicado e venturoso, que infelizmente insiste em não aparecer nas páginas impressas.

Costumo guardar recortes de textos que me tocam, alguns deles nunca saem depois em livro. Há alguns dias peguei pra reler um desses papéis, uma crônica do saudoso jornalista e escritor José Carlos Oliveira (1934 - 1986), intitulada O livro dos analfabetos (Jornal do Brasil, Caderno B, 21 de janeiro, 1981).

Nela, lê-se o seguinte trecho:

Um verdadeiro homem é um poema torto. Um verdadeiro homem não é um santo nem um herói, porque esses são filhos diletos de Deus e neles Deus escreve certo; um verdadeiro homem não é um monge anacoreta, porque este corajosamente se furta à existência erradia, errante e errada que a nossa tribo se compraz em viver ou é induzida, ou conduzida, ou forçada a viver. O verdadeiro homem é experimental (...)

Estimulado por essa bela crônica, fui à livraria e comprei O homem na varanda do Antonio's, crônicas da boemia carioca nos agitados anos 60/70, publicação organizada pelo também jornalista e escritor Jason Tércio e editada pela Civilização Brasileira em 2004. 

O livro é encantador. Vale a pena ler o texto bem trabalhado, sensível, perspicaz e brilhante de José Carlos Oliveira (o Carlinhos Oliveira), um dos nossos grandes cronistas.
 

Manuel António Pina: Prêmio Camões de Literatura 2011

Jorge Adelar Finatto


O Prêmio Camões de Literatura 2011 foi atribuído, na quinta-feira, 12 de maio, ao poeta e escritor português Manuel António Pina, 67 anos. O resultado foi divulgado  na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o júri justificou a premiação com fundamento na inventividade e originalidade da obra do autor. Ele publicou, entre outros, O país das pessoas de pernas para o ar (infanto-juvenil) e Aquele que quer morrer (poesia).

Manuel António Pina colabora diariamente como cronista  no Jornal de Notícias, de Portugal. É bacharel em Direito, tradutor e, no passado, também foi jornalista.

Em entrevista concedida a Sérgio Almeida, do Jornal de Notícias, em 20 de julho de 2010, declarou o poeta:

Não escrevo poesia como escrevo crónicas, profissionalmente. No caso da poesia, sou antes amador, isto é, aquele que ama. Só escrevo poesia quando não posso deixar de escrevê-la. Ou, como Borges diz (acho que é Borges), quando uma espécie de incomodidade, ou de remorso, me força a procurar a poesia. O facto de passar às vezes anos sem publicar poesia não significa que tenha deixado de escrever poesia. Tenho há muito um livro praticamente pronto, reunindo poemas dispersamente publicados aqui e ali, em jornais e revistas, e inéditos. Não tenho é tido tempo (nem pachorra) para trabalhar sobre alguns poemas que continuam à procura de si mesmos. Dois ou três deles estão há anos presos por um único verso; tenho, d e alguns desses versos, inúmeras versões, ou tentativas, mas não são o que procuro. Embora não saiba o que procuro, sei que, quando o encontrar o reconhecerei. Resta-me esperar; não tenho pressa.

Se existe algum valor em prêmios literários, e eles são poucos considerando os escritores existentes, é o de revelar autores de mérito (quando assim o fazem), independente de ações de marketing por parte da indústria do livro. Nunca li nada de Manuel Pina. Mas, diante desta sua declaração, reveladora de um escritor humano e dedicado, vou atrás de um livro seu para conhecê-lo um pouco mais. 

O Prêmio Camões é considerado a mais importante distinção em língua portuguesa e, em 2010, o vencedor foi o poeta brasileiro Ferreira Gullar.

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Foto: Manuel António Pina. Fonte: Jornal de Notícias, Portugal.

sábado, 14 de maio de 2011

Palavras com pássaros dentro

Jorge Adelar Finatto


Escrever coisa leve, talvez bonita. Eu gostaria de ver o mundo com bons olhos nessa manhã de maio. Uma frase, um verso com pássaros e arroios cantando dentro. A mesa posta para o café da manhã com os amigos, a conversa e o abraço depois de tanto, tanto tempo. Caminhei através dos segredos e das almas da noite. Vi coisas e precipícios de que não quero recordar. Arrastam-se sombras no átrio da aurora. Queria dizer um barco branco com uma vela lilás nas águas calmas do amanhecer. Queria encontrar a garrafa com a urgente e cálida mensagem para os habitantes das ilhas. Os moradores das ilhas foram viver na cidade, levando as ínsulas no coração, com seu isolamento, sua inocência perdida, a distante memória dos peixes. Estou entrincheirado na primeira claridade. Um farol iridescente desliza entre as nuvens, o pássaro inaugura o canto no galho invisível dessa manhã.


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Foto: J. Finatto

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A vida com arte

Jorge Adelar Finatto




A arte é uma espécie de olho mágico que nos permite conhecer e viver outras vidas além da nossa. A obra que toca nossa emoção e nossa consciência é a mesma que nos retira do aqui e agora, nos faz transcender e ver além. Aí estão a música, os livros, os filmes, a pintura, a escultura, a fotografia, o artesanato (suas mil formas e materiais) e tudo o mais que as pessoas criam com desvelo e sentimento. Um prato de comida pode ser uma obra de arte, assim como uma casa limpa e arrumada com gosto, um jardim bem florido e cuidado, uma boa conversa. A natureza também está cheia de arte e graça. Por tudo isso, sou grato a Deus e aos que criam coisas capazes de aumentar nossa percepção sobre os seres e o mundo. Palavra após palavra, imagem após imagem, sentido após sentido, a gente vai se construindo a cada instante. 


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Foto: J. Finatto 

terça-feira, 10 de maio de 2011

A hora da solidão

Jorge Adelar Finatto



Porque a vida é breve, não há certeza de nada e a grande arte é levantar-se depois do tombo. Porque o amor roçou o coração como um vento frio e foi embora. Porque há uma casa na sombra e alguém abandonado lá dentro. Porque ele a procurou em muitos lugares. Porque sente que ela não voltará. Porque a noite chegou e ele não sabe o que fazer com o que restou da sua presença. Porque precisa vencer sozinho o medo do escuro. Porque é hora de varrer os destroços, reinventar a vida e não morrer de solidão.


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Foto: J. Finatto 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ausência

Jorge Adelar Finatto




Eu chamo teu nome
                            no escuro
no escuro meus olhos procuram
                                       procuram
até secar de tanta espera



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Poema do livro Claridade, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1983.
Foto: J. Finatto
 

sábado, 7 de maio de 2011

Maureen Bisilliat: exposição de fotografias sobre o universo de João Guimarães Rosa



“Aprecio imagens aliadas à escrita, frases escolhidas definindo melodicamente a linha da orquestração. Em livros como os de Diane Arbus (1923-1971), de Nan Goldin (1953), há essa orquestração: ritmos, silêncios, acordes, vazios. A palavra, escolhida da produção literária ou pinçada do testemunho biográfico, vem da fala íntima da pessoa, destilada. Seria quase como escrever com a imagem e ver com a palavra.” (Maureen Bisilliat)

A exposição A João Guimarães Rosa permite um olhar simultâneo sobre a produção fotográfica e a produção editorial de Maureen, revelando tanto a fotógrafa como a editora de imagens e textos nesta exposição sobre Guimarães Rosa e o universo do sertão brasileiro e dos seus personagens. Os seus ensaios fotográficos foram sempre concebidos e apresentados em fortes sequências visuais que sintetizam a visão da autora sobre os universos do real e do imaginário, compondo aquilo que denomina de equivalências fotográficas das obras literárias que nortearam o seu trabalho.

Maureen Bisilliat nasceu em Englefieldgreen, Surrey, Inglaterra, em 1931. Estudou pintura com André Lhote em Paris (1955) e no Art Students League em Nova Iorque (1957) antes de se fixar definitivamente no Brasil em 1957, na cidade de São Paulo. Trabalhou como fotojornalista para a Editora Abril entre 1964 e 1972. Autora de importantes livros fotográficos inspirados em obras de grandes escritores brasileiros, expõe em 1985 em sala especial na 18ª Bienal Internacional de São Paulo. Em Dezembro de 2003, a sua obra fotográfica completa, composta por cerca de 16.000 imagens, foi incorporada no acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles (IMS) no Rio de Janeiro em função da sua inquestionável relevância no âmbito da fotografia e da cultura brasileiras.

A Casa Fernando Pessoa e o Instituto Moreira Salles sentem-se honrados em trazer esta exposição para Portugal, pois entendem que a síntese entre imagem e texto que Maureen Bisilliat realiza nesta mostra em homenagem a Guimarães Rosa possibilitará ao público português aproximar-se ainda mais deste autor da língua portuguesa que reflecte e regista na sua obra aspectos profundos e determinantes da cultura brasileira, evidenciados igualmente nas marcantes imagens de Maureen aqui reunidas.

A exposição conta ainda com o apoio do Bairro Alto Hotel.


Câmara Municipal de Lisboa
Casa Fernando Pessoa
R. Coelho da Rocha, 16
1250-088 Lisboa
Tel. 21.3913270
Autocarros: 709, 720, 738 Eléctricos: 25, 28 Metro: Rato

Notícia e imagem reproduzidas do site da Casa Fernando Pessoa. A grafia é de Portugal.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O cão vermelho

Jorge Adelar Finatto


Na seção de classificados do jornal, leio o anúncio: procura-se cão, cor vermelha, cego de um olho, que atende pelo nome de Pirata. Gratifica-se quem devolvê-lo ao dono.

Pirata, cego de um olho, vermelho, imagino que só pode pertencer a um velho homem do mar, alguém que, aposentado das artes da navegação, fixou-se no continente com o animal de estimação.

Provavelmente o cão fez a volta ao mundo várias vezes com seu capitán.

Pirata estranhou, talvez, a vida em terra, viu-se tão perdido que se perdeu na cidade. O pobre cachorro deve estar mareado com tanta violência, indiferença e falta de horizonte. No navio ele era único, o cão do seu capitán. Aqui é apenas mais um desconhecido, ninguém se importa.

A cidade não presta atenção em quem vai, em quem chega, em quem desaparece. Tudo some em suas ruas, em seus dramas, em seus obscuros labirintos. Anônimos, cada um de nós carrega sua solidão, sua dificuldade de viver, sua falta de abraço. Ainda que nos pintássemos de vermelho, como Pirata, decerto ninguém ia notar. Muitos não teríamos sequer um dono para reclamar por nós num anúncio de jornal.

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Foto: J. Finatto. Porto Alegre, vista do barco.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Don't leave me

Jorge Adelar Finatto
to Chet Baker




Don´t leave me
provide the night
with your suplly
of affection

fill the desert
with your steps

in secret
give me back
the daintiness
of those days

give me once again
the diamond
of your
presence

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Poem from the book O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
Foto: J. Finatto

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Bin Laden e o silêncio da justiça

Jorge Adelar Finatto

Somente a realização da justiça é capaz de estabelecer a paz e a verdade. Execuções sumárias, por mais eficazes e espetaculares que pareçam ser, não têm este poder.

A morte de Osama bin Laden por um comando militar americano, no Paquistão, foi divulgada e celebrada pelo presidente Barack Obama. Disse o governante dos Estados Unidos que o mundo está mais seguro agora. Será tão simples assim?

Perdeu-se, na verdade, uma boa oportunidade de avançar na construção de uma ordem jurídica e judicial internacional. Osama era tido como terrorista número um do planeta, líder da Al Qaeda, grupo responsável, segundo fontes norte-americanas, pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que fizeram cerca de 3.200 mortos.

As terríveis cenas dos ataques terroristas contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, falam por si. Poucas vezes no mundo se viu tamanha monstruosidade. Jamais se apagarão da memória humana as imagens dos aviões com passageiros sendo jogados sobre os edifícios e explodindo. A revolta da sociedade americana e mundial contra os atos de barbárie é perfeitamente compreensível e aceitável.

Todavia, o enfoque dos Estados Unidos e de outros países que também foram atingidos pelo terror, como Espanha e Inglaterra, deveria ser sempre o da persecução, prisão e julgamento dos responsáveis. A vingança, seja entre particulares ou aquela perpetrada pelo Estado, não se confunde com justiça.

A separação dos poderes do Estado foi uma das mais importantes conquistas da humanidade. Cabe ao Judiciário o julgamento, dentro das regras legais, entre as quais o direito de ampla defesa e a publicidade do processo. Não existe qualquer dúvida de que culpados por crimes de terrorismo devem ser punidos com absoluto rigor, mas isso deve ocorrer observando-se a lei.

O que houve, neste caso, foi o julgamento midiático de Osama bin Laden, baseado, fundamentalmente, em informações e conclusões das autoridades americanas. A opinião pública se formou em torno disso. Não houve empenho por um julgamento judicial, como se requer de nações ditas civilizadas e do Estado democrático de direito.

A captura e o julgamento de Bin Laden eram fundamentais para desarmar os espíritos, apontar um novo rumo nas relações internacionais, além de ser um marco no enfrentamento do terrorismo que se articula em várias regiões do mundo. Alguns arguem que seria impossível capturá-lo vivo. Será mesmo? Ao menos se tentou? Informações ontem divulgadas pelo porta-voz da Casa Branca dão conta de que o terrorista estava desarmado no momento do ataque.

O que este episódio revela, na essência, é a concretização de um ato de execução contra quem foi considerado responsável por uma das mais tristes tragédias de que se tem conhecimento na história. Isto, contudo, não é fazer justiça e dificilmente tornará o mundo um lugar mais seguro e melhor para se viver.


segunda-feira, 2 de maio de 2011

Ernesto Sabato: morre o grande escritor e humanista argentino

Jorge Adelar Finatto


A vida é tão curta e o ofício de viver tão difícil que, quando se começa a aprender, se tem de morrer. 
                                             Ernesto Sabato

A arte é uma forma de construir afetos. Através da criação artística nos aproximamos de pessoas que nunca vimos e com as quais jamais mantivemos contato. O criador passa a fazer parte da nossa íntima família espiritual. No caso da literatura, escritores e leitores irmanam-se na convivência dos livros. Um não existe sem a presença (e a atenção) do outro. Ernesto Sabato, membro importante desta família invisível, acaba de nos deixar.

O grande escritor argentino morreu na madrugada de sábado (30 de abril) em sua casa na cidade de Santos Lugares, perto de Buenos Aires. Sabato tinha 99 anos e completaria o centenário no próximo dia 24 de junho. Ele sofria de bronquite. Ontem, domingo, ele foi homenageado na Feira do Livro de Buenos Aires.

Ernesto pertencia a um grupo reduzido de escritores cuja obra guarda estrita coerência com a vida, desses que têm nos valores éticos e no senso de justiça a sua maior referência.

Um lutador pelos direitos humanos, preocupado com os problemas de seu tempo, ele presidiu a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep) na Argentina. Nomeado por Raúl Alfonsín, primeiro presidente democrático após o fim da ditadura militar, Sabato conduziu os trabalhos da equipe que elaborou o informe "Nunca Más", também conhecido como Informe Sabato. O documento minucioso apontou 8.960 desaparecidos, além da existência de 340 centros ilegais de detenção e tortura. O relatório deu origem aos processos que resultaram na condenação dos responsáveis pelas ações da ditadura. Sabato sempre se opôs à elaboração de leis que visavam ao "ponto final" nas responsabilizações.

Sou um simples escritor que viveu atormentado pelos problemas de seu tempo, em particular pelos de sua nação. Não tenho outro título (E.S.)

Filho de pai italiano e mãe albanesa, o escritor doutorou-se em Física em seu país em 1938.Trabalhou em pesquisas no Instituto Curie, em Paris. Na década de 1940 renunciou à ciência por considerá-la amoral, passando a dedicar-se integralmente à literatura e à pintura.

Estava quase cego, sofria de depressão e nos últimos anos passava recolhido em sua casa. Pintava às vezes e encontrava alento escutando música. Autor de obras importantes como O Escritor e Seus Fantasmas, A Resistência, Sobre Heróis e Tumbas e O Túnel, ele se considerava uma espécie de anarquista cristão que só crê na paz e na justiça social.

Pelo tanto que fez neste mundo e neste tempo conturbados, pelos valores que cultivou e praticou, o nosso reconhecimento ao escritor e humanista Ernesto Sabato. 

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Texto elaborado a partir da leitura das obras O Escritor e Seus Fantasmas, Sobre Heróis e Tumbas e A Resistência e de informações colhidas, no domingo, no site do jornal espanhol El País: http://www.elpais.com e do jornal argentino Clarín: http://www.clarin.com/
Traduções do blog.
Foto do escritor Ernesto Sabato: El País.