domingo, 17 de maio de 2020

Saudade de Vera Cruz

Jorge Finatto

detalhe do Planisfério de Cantino, nordeste brasileiro.
 
 
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Sei que nada será como está

amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite um gosto de sol
 
                               (Nada será como antes, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)
 
Outono significa transformação, as mudanças tão necessárias e urgentes para a vida seguir seu curso. É o recolher das seivas, reunião de forças, introspecção, preparo e passagem para um outro tempo.

Não quero desfazer das outras estações, cada qual com seu gosto e seu agosto. O verão, por exemplo: tem muita gente que gosta. A primavera é amada por todos. Mas é no outono que eu renasço.

O outono não é um senhor decrépito, longe disso. É uma musa sensual, discreta e misteriosa, que traz o véu iridescente com mil tons, além de delicadas fragrâncias.

As manhãs da estação das folhas cadentes prometem beleza e contemplação. As nuvens são cor de açúcar queimado ao entardecer.
 
Um texto de fuga, alguém dirá, talvez com razão. A palavra há de servir, também, para a evasão do real, sempre tão necessária a fim de evitar a loucura por excesso da realidade.
 
Os dias dentro de casa, trancados para fugir do bicho ruim, pestilento, passam à velocidade da luz, e são, ao mesmo tempo, longos e intermináveis. Lá pelas tantas tudo parece um dia só. E quando se vê, foi-se uma semana, um mês.
 
São estranhos esses dias de portas fechadas e janelas pensativas. A peste corre feroz e à solta no burgo. Um cenário da Idade Média.  

A truculência verbal e a ignorância ocupam o centro das atenções hoje no Brasil. O cenário primitivo, agressivo e intolerante é tal que não podemos sequer dizer que estamos vivendo na Idade Média.

Estamos sendo catapultados direto para a escuridão das cavernas. Um país desorientado, com o povo exposto à pandemia covid-19, ao enorme desemprego e à incessante crise política gestada no interior do poder. 

Um momento extremamente duro, um futuro nebuloso. E dizer que com um mínimo de bom senso, por parte de quem tem o dever do bom senso, tudo poderia ser melhor.

Os sabiás andam calados. As aves de mau agouro ocupam o palco.
 
Saudade da Terra de Vera Cruz com sua gente lutadora, amável e criativa, saudade de suas cidades movimentadas, seus verdes mares e belas paisagens. Saudade do cotidiano civil com sua magia e seu feijão com arroz. Saudade dos pássaros e das nuvens.
 
Eu ando mesmo com uma bruta saudade de um pouco de leveza, lucidez e esperança, em meio à barbárie destes dias.  
 

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