terça-feira, 7 de setembro de 2010

Soledad

Heitor Saldanha




La gente se cansa de esperar
                             de amar
                             de vivir
pero no  se  cansa de existir.

Siempre hay un motivo para continuar.


_______

Poema do livro Muestra, de Heitor Saldanha. Tradução do português para o espanhol de Atilio Jorge Castelpoggi. Colección Mirto, Buenos Aires, 1963.

Leia entrevista com Heitor Saldanha (1910-1986), neste blog, no post de 29/12/09.

Foto: J. Finatto

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

El largo viaje de placer

Jorge Adelar Finatto



Um livro fascinante, dos melhores que li nos últimos anos. A Longa Viagem de Prazer, contos do escritor uruguaio Juan José Morosoli (1899 - 1957), publicado em outubro de 2009 pela editora L&PM, com tradução de Sérgio Faraco, é dessas obras que lastimamos não ter conhecido mais cedo. São nove  pequenas histórias que tratam da vida solitária e comum de homens e mulheres que vivem no interior do Uruguai.

A grandeza humana e dramática que encontramos nesses personagens é a mesma presente nas grandes obras da literatura universal. A poesia pulsa em cada um desses relatos povoados de densa humanidade, nos quais nós, habitantes  deste estranho mundo, nos reconhecemos como diante de um espelho. 

A maestria literária de Morosoli coloca-o ao lado de importantes autores do continente americano, como Julio Cortázar, Juan Carlos Onetti, Borges, Guimarães Rosa, Steinbeck. Conforme salienta, com rara sensibilidade, o editor, crítico literário e ensaísta uruguaio Heber Raviolo, no excelente prólogo que escreveu para esta edição, os seres morosolianos "se radicam num lugar, num pago, num pueblo, ou andam pelos caminhos sem destino, sem saber o que buscam e nem se de fato buscam, numa espécie de contemplação de si mesmos ou de sua própria condição. El drama del hombre de este tiempo es tal vez  el haber perdido la facultad de sentirse vivir, disse Morosoli, e no tempo estancado, que é o tempo de sua obra, suas personagens parecem empenhadas, obstinadamente, em sentir-se vivas, aferradas, sem o saber, a certas categorias humanas elementares e por isso mesmo essenciais. Viventes de um tempo morto, ou condenado a morrer, é o que poderíamos dizer dos seres morosolianos." (pág. 13).  Ainda segundo Raviolo, o escritor deixou uma obra pequena, "mas sólida e absolutamente pessoal", centralizada nos relatos breves.

Juan José Morosoli nasceu na interiorana cidade de Minas e dela nunca saiu. Cedo abandonou os estudos para começar a trabalhar. Entre outros ofícios, trabalhou como atendente de livraria e bazar, foi dono de dois cafés e teve um armazém e depósito de mercadorias.

Resta esperar que outros títulos de Morosoli sejam vertidos para o português e lançados no Brasil. E quem viajar ao Uruguai não esqueça de trazer os livros deste belo autor.
_______ 

A Longa Viagem de Prazer, Juan José Morosoli, tradução de Sérgio Faraco, Coleção L&PM Pocket, Porto Alegre, 2009. R$ 11,00.

Rio de Janeiro cria serviço telefónico para esclarecer dúvidas de língua portuguesa - Cultura - PUBLICO.PT *


A promulgação da lei que cria o serviço surge hoje no Diário Oficial da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O objectivo do serviço, segundo as autoridades, é enriquecer a aprendizagem da língua portuguesa.

Com a lei, a população carioca passa a contar com um serviço que tira as dúvidas sobre o idioma envolvendo questões de ortografia, acentuação, concordância, regência e morfologia.

O atendimento ao público será realizado, de segunda a sexta, por uma equipa de oito professores que irão revezar-se em turnos diários.

O serviço funcionará sob a responsabilidade da Secretaria de Educação e o sistema deverá contar com um número telefónico exclusivo para garantir o anonimato do usuário.

Serviços semelhantes ao Telegramática já funcionam noutras partes do país.

O Rio de Janeiro vai adoptar um modelo semelhante ao implantado em Fortaleza, no Ceará. Naquele estado, existe há 30 anos uma equipa de profissionais para atender a população e que recebe, em média, 150 telefonemas diários. Noutras cidades como Curitiba, Brasília, Jundiaí e Londrina, o poder público também oferece piquetes gramaticais por telefone.
__________

* Notícia publicada em 17.08.2010, no jornal português Público, versão da internet, editoria de cultura (grafia de Portugal). Veja em:

Rio de Janeiro cria serviço telefónico para esclarecer dúvidas de língua portuguesa - Cultura - PUBLICO.PT

sábado, 4 de setembro de 2010

Notícia de setembro

Jorge Adelar Finatto


A fileira infinita dos postes é uma orquestra de cordas que  toca a música do vento. As últimas tardes do inverno silenciam. Setembro inventa, na fábrica de fazer manhãs, finas cores para tecer dias mais claros. O sol aparece mais cedo entre as frestas da janela. Sinto no ar os primeiros perfumes. Bem-vindo esse tempo, com seu suprimento de pássaros, árvores, flores. Bem-vinda a beleza  que se mostra de graça, sem cobrar ingresso nem direitos autorais. Caminho na calçada e é como atravessar um túnel de luz que nos retira da câmara escura. Não importa o que já sofremos, os tombos que caímos, os que ainda vamos cair.


Setembro chegou. A esperança é nosso sol interior, venham pois as esperanças. Venham os sonhos que nos ajudarão a construir as necessárias mudanças. E venham os amigos, novos, antigos, em luminosa farândola, andando pela setembrina estrada.

_________

Fotos: J. Finatto 

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

86 anos

José Saramago


Dizem-me que as entrevistas valeram a pena. Eu, como de costume, duvido, talvez porque já esteja cansado de me ouvir. O que para outros ainda lhes poderá parecer novidade, tornou-se para mim, com o decorrer do tempo, em caldo requentado. Ou pior, amarga-me a boca a certeza de que umas quantas coisas sensatas que tenha dito durante a vida não terão, no fim de contas, nenhuma importância. E por que haveriam de tê-la? Que significado terá o zumbido das abelhas no interior da colmeia? Serve-lhes para se comunicarem umas com as outras? Ou é um simples efeito da natureza, a mera consequência de estar vivo, sem prévia consciência nem intenção, como uma macieira dá maçãs sem ter que preocupar-se se alguém virá ou não comê-las? E nós? Falamos pela mesma razão que transpiramos? Apenas porque sim? O suor evapora-se, lava-se, desaparece, mais tarde ou mais cedo chegará às nuvens. E as palavras? Aonde vão? Quantas permanecem? Por quanto tempo? E, finalmente, para quê? São perguntas ociosas, bem o sei, próprias de quem cumpre 86 anos. Ou talvez não tão ociosas assim se penso que meu avô Jerónimo, nas suas últimas horas, se foi despedir das árvores que havia plantado, abraçando-as e chorando porque sabia que não voltaria a vê-las. A lição é boa. Abraço-me pois às palavras que escrevi, desejo-lhes longa vida e recomeço a escrita no ponto em que tinha parado. Não há outra resposta.

_________ 

Publicado com autorização da Fundação José Saramago
http://www.josesaramago.org/
Texto extraído do blog O Caderno de Saramago
http://caderno.josesaramago.org/.
Postado originalmente em 16 de novembro, 2008.
A grafia é a de Portugal.
Foto de José Saramago (1922 - 2010) : Acervo da FJS

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Bernardo, eremita

Jorge Adelar Finatto


Bernardo, eremita, foi morar no interior do búzio faz muito tempo. Conversa com os peixes. Caminha no jardim das anêmonas.  O búzio onde vive fica na flor dágua, é uma espécie de ilha, tem vista ampla, mas é pouco poroso e, de tão velho, guarda ainda as impressões digitais do Criador.

As gaivotas bailam no ar azul da manhã, nesses começos de setembro. De boné branco, astrolábio e telescópio, Bernardo descortina os quatro horizontes. Faz silêncio na ilha. Só se ouvem as ondas. O vento austral estufa a camisa, espalha os brancos cabelos.

Bernardo sai pouco a navegar no pequeno barco de madeira. Só ele e os bichos vivem ali. Costuma remar de vez em quando em volta do búzio, margeando as palmeiras e falésias. Faz parte do seu cotidiano conversar consigo mesmo. Estranho, tem dias que resolve dizer a si o que pensa  de certas coisas e acaba ouvindo o que não quer.

Longe da ilha tem um farol pintado de branco e vermelho.  Nunca foi até lá, mas admira a persistente luta do faroleiro contra a escuridão. Bernardo queria ter essa força também.

Solitário, pensa: quem sabe um dia descubro alguém pra partilhar a vida?

As gaivotas sobrevoam a ilha. Às vezes, ele sonha viajar até o continente. Talvez saindo da concha encontrará a moça do cabelo preto escorrido e do vestido floreado. Mas já se passaram vinte e cinco anos.  Em que coral, em que ilha distante viverá a moça do vestido floreado?

A maré sobe, os peixes nadam em festa à flor do arrecife. Bernardo recolhe os instrumentos e retira-se com o boné branco para o interior da côncava morada. A música primitiva do vento sopra nas trompas do búzio.

________

Foto: J. Finatto

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Os sapatos da primavera

Jorge Adelar Finatto




Da minha janela eu vejo a rua. A rua é um pedaço do mundo. É só uma rua entre tantas.

O mundo é um rio largo e fundo. O tempo das folhas secas cessou. A claridade de setembro invade a sombra.

Escuto na calçada o som de passos que vêm de muito longe. Mas não há ninguém lá fora nessa hora erma. O vento sacode as folhas nas árvores.

A carroça cheia de flores dobra a esquina, para no meio da quadra, debaixo do poste de luz. Na manhã que se aproxima, as pessoas encontrarão a carga suave e perfumada.

Enquanto escrevo, coisas luminosas acontecem em silêncio.  Da janela observo esse ponto pequeno e obscuro do universo, que chamo minha rua, onde todos agora dormem. Mãos desfalecidas nada podem segurar.

Nenhum grito assola a hora nua. O sonho levanta do escuro. 

Os sapatos da primavera cantam na calçada.

______________
Foto: J. Finatto