domingo, 23 de outubro de 2011
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Puyehue manda notícias
Jorge Adelar Finatto
photos: j.finatto |
O nome parece de personagem de desenho animado, mas é de um vulcão. Nos últimos tempos, o chileno Puyehue (tem que pronunciar com calma pra não enrolar a língua) deu pra ferver, grunhir, bufar e expelir fogo, rochas, gases e cinzas, mercê das intensas atividades intestinas que o acometem (problemas digestivos, possivelmente).
Na segunda-feira (17/10), interrompi a lida no escritório, no meio da tarde, para observar o Vale do Olhar. É um suave descanso que ameniza o peso e a solidão da faina. Fiquei surpreso ao ver uma claridade opaca que vinha do céu e se espalhava sobre as montanhas.
Uma espécie de cerração tomou conta do espaço, mas não era nevoeiro. Dali a pouco, os telhados e ruas se cobriam com cinzas.
As condições atmosféricas peculiaríssimas de Passo dos Ausentes fazem deste lugar um território à parte no mundo. Às vezes, neva em pleno verão. Dias de primavera costumam florescer no inverno. Isso sem falar da bruma espessa e persistente, que definiu, aliás, o gentílico de quem nasce aqui: Neblinense.
Ainda sem saber do que se tratava, resolvi fotografar o evento nubiloso. O resultado são estas imagens. Mais tarde, levei as fotos até o Café da Ausência, na estação de trem abandonada da cidade, para mostrar aos amigos durante o nosso costumeiro cappuccino com graspa, de fim de tarde.
Palomar Boavista, astrônomo e pesquisador de fatos do clima, esclareceu a todos que aquilo eram nuvens de cinza que nos visitavam, provenientes do vulcão chileno, após voar milhares de quilômetros, conforme a direção dos ventos.
As nuvens de cinza agora começam a se dissipar, mas não totalmente. Sonhamos com a chuva para nos valer, limpando a atmosfera. Queremos de volta a boa e poética neblina molhada.
Ultimamente, sentimos gosto de cinza até na alma.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Somos os que estão por aí
Jorge Adelar Finatto
photo: j.finatto |
O mundo é um hospício sem muro. Estão todos soltos. A loucura é herança bem dividida entre os humanos. As partilhas registradas nos cartórios do existir.
A pessoa precisa ter reservas de luz pra suportar tanta escuridão.
Somos os que estão por aí. Os por enquanto. A gente mói e é moído. O que acha? O moinho triste da vida. Tem vivente que passa a existência sem receber um afago, um ora-veja. Os que. Pra eles não existe vem-cá-meu-bem-me-dá-cá-um-beijinho. Só pedras, perdas.
Os esquecidos jazem no fundão. O mundo não presta atenção nos sem-afeto. Os outros, a turma dos contentes, dos bem amados, quando muito vivem pra si. Os que se acham. As almas leves. Corações secos.
O moinho pesado gira no esconso. Caminho de sombras.
Às vezes um resolve resilir o contrato com o eterno. Quase ninguém nota o último ato do infeliz. Nenhuma flor se colhe em sua difícil memória. Nenhum pensamento, nenhuma ternura. As indiferenças. Os giros insensíveis da roda de fazer pó e esquecimento.
Assim se afunda o coração dos bonecos de vetríloco.
Viver são uns suspiros, uns carinhos desaparecidos.
Alguns poucos levam a lanterna na mão. Esses, ao menos, ainda choram, se comovem, não se conformam, lutam, amam. Fazem os caminhos. Por eles a aurora tece os fios rosados da manhã.
A pessoa precisa ter reservas de luz pra suportar tanta escuridão.
Somos os que estão por aí. Os por enquanto. A gente mói e é moído. O que acha? O moinho triste da vida. Tem vivente que passa a existência sem receber um afago, um ora-veja. Os que. Pra eles não existe vem-cá-meu-bem-me-dá-cá-um-beijinho. Só pedras, perdas.
Os esquecidos jazem no fundão. O mundo não presta atenção nos sem-afeto. Os outros, a turma dos contentes, dos bem amados, quando muito vivem pra si. Os que se acham. As almas leves. Corações secos.
O moinho pesado gira no esconso. Caminho de sombras.
Às vezes um resolve resilir o contrato com o eterno. Quase ninguém nota o último ato do infeliz. Nenhuma flor se colhe em sua difícil memória. Nenhum pensamento, nenhuma ternura. As indiferenças. Os giros insensíveis da roda de fazer pó e esquecimento.
Assim se afunda o coração dos bonecos de vetríloco.
Viver são uns suspiros, uns carinhos desaparecidos.
Alguns poucos levam a lanterna na mão. Esses, ao menos, ainda choram, se comovem, não se conformam, lutam, amam. Fazem os caminhos. Por eles a aurora tece os fios rosados da manhã.
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photo: j.finatto
Texto revisto, publicado antes em 13 de abril, 2010.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
A alma não é casa de assombração
Jorge Adelar Finatto
Os gelos eternos da solidão humana. A frase me vem a propósito das mil coisas a que a sobrevivência nos obriga. É um ofício medonho e insano.
Quando menos esperamos, lá está o fantasma no ambiente de trabalho. Outras vezes, em casa, ou em ambos. Aparece sentado no escritório ou na mesa de jantar; com a mão na cintura, surge de pé, na curva da escada; exibicionista, pendura-se no lustre. E tem esses que vão entrando pela casa, pelo telefone ou pelo computador, sem pedir licença, trazendo más notícias ou simplesmente sendo desagradáveis.
Os fantasmas também costumam esconder-se nos armários, gavetas, corredores, sótãos. Embrenham-se nas velhas anotações, gostam de habitar antigos retratos, remexem cartas esquecidas, cadernos extraviados.
Às vezes um grupo joga cartas dentro do guarda-roupa. E dizem o tempo todo: não haverá beleza, nem sossego, nem alegria. Se deixar, eles ficam morando na casa e no coração da gente.
A luta contra os fantasmas é uma luta de ganhar ou afundar na melancolia.
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photo: j.finatto. Vale do Quilombo, Canela, Rio Grande do Sul.
Se encontro um fantasma querendo se acomodar, num dia ventoso, um travo de ausência de mim mesmo no ar, como hoje, começo a escrever e expulso o intruso. Sai pra lá, longe de mim, coisa sombria.
Os gelos eternos da solidão humana. A frase me vem a propósito das mil coisas a que a sobrevivência nos obriga. É um ofício medonho e insano.
Quando menos esperamos, lá está o fantasma no ambiente de trabalho. Outras vezes, em casa, ou em ambos. Aparece sentado no escritório ou na mesa de jantar; com a mão na cintura, surge de pé, na curva da escada; exibicionista, pendura-se no lustre. E tem esses que vão entrando pela casa, pelo telefone ou pelo computador, sem pedir licença, trazendo más notícias ou simplesmente sendo desagradáveis.
Os fantasmas também costumam esconder-se nos armários, gavetas, corredores, sótãos. Embrenham-se nas velhas anotações, gostam de habitar antigos retratos, remexem cartas esquecidas, cadernos extraviados.
Às vezes um grupo joga cartas dentro do guarda-roupa. E dizem o tempo todo: não haverá beleza, nem sossego, nem alegria. Se deixar, eles ficam morando na casa e no coração da gente.
A luta contra os fantasmas é uma luta de ganhar ou afundar na melancolia.
Nem todo fantasma é mau, claro. Como em tudo, há exceções. Alguns são inofensivos e até meigos. Heitor dos Crepúsculos e Arquibaldo Van Der Brook, por exemplo, me visitam, tomam café comigo, saímos a caminhar pelas ruas estreitas de Passo dos Ausentes. Mas são visitantes que chegam e depois vão-se embora.
Os fantasmas se alimentam do nosso medo e da nossa tristeza. Mas as manhãs expulsam a escuridão. Essa é a hora sagrada de fazê-los desaparecer e não permitir que andem ao nosso lado.
A alma não é casa de assombração.
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photo: j.finatto. Vale do Quilombo, Canela, Rio Grande do Sul.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
"No mar estava escrita uma cidade"
Jorge Adelar Finatto
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photo: j.finatto, 2008 |
No próximo dia 31 de outubro, será o aniversário de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, que, se fosse vivo, faria 109 anos (nasceu em 1902 e morreu em 1987).
Esta fotografia fiz em 2008, num dia meio sol, meio nuvem. Uma lembrança do grande poeta brasileiro, com quem tive a rara felicidade de manter contato em 1985. Lembro esse fato no post que publiquei com o título A memória do coração, em 11 de abril de 2010, aqui no blogue.
O verso do título é de Drummond, gravado no banco de sua escultura, diante do mar, na Avenida Atlântica, Copacabana, Rio de Janeiro. É um verso do poema Mas viveremos, de seu belo livro A rosa do povo (1945).
Drummond é um desses essenciais na literatura brasileira e sua poesia é universal.
No site oficial do poeta, há um breve e rico documentário sobre ele - O Fazendeiro do Ar - feito por Fernando Sabino e David Neves. Vale a pena ver:
http://www.carlosdrummond.com.br/
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Mais sobre Drummond:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04/memoria-do-coracao.html
Esta fotografia fiz em 2008, num dia meio sol, meio nuvem. Uma lembrança do grande poeta brasileiro, com quem tive a rara felicidade de manter contato em 1985. Lembro esse fato no post que publiquei com o título A memória do coração, em 11 de abril de 2010, aqui no blogue.
O verso do título é de Drummond, gravado no banco de sua escultura, diante do mar, na Avenida Atlântica, Copacabana, Rio de Janeiro. É um verso do poema Mas viveremos, de seu belo livro A rosa do povo (1945).
Drummond é um desses essenciais na literatura brasileira e sua poesia é universal.
No site oficial do poeta, há um breve e rico documentário sobre ele - O Fazendeiro do Ar - feito por Fernando Sabino e David Neves. Vale a pena ver:
http://www.carlosdrummond.com.br/
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Mais sobre Drummond:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04/memoria-do-coracao.html
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Oceânica vigília
A viagem transoceânica, por avião, impõe rigores a quem não dorme. Sinto admiração (ponhamos assim, ao invés de inveja, que é uma coisa triste) pelos viajantes que conseguem dormir no voo que une os continentes que o mar separa.
Os passageiros insones, como eu, são invadidos pelo medo ancestral de voar. Mais ainda: voar à noite. E, terror dos terrores: sobre o oceano.
Os passageiros insones, como eu, são invadidos pelo medo ancestral de voar. Mais ainda: voar à noite. E, terror dos terrores: sobre o oceano.
Alguns, pelo contrário, sentem-se tão à vontade que não só repousam como roncam. A vida, para esses, é um estar em casa permanente.
O que fazer às quatro da manhã, na cabine metálica, a dez mil metros de altitude, e no escuro?
Assisto, em geral, a dois ou três filmes, após ter lido muitas páginas do livro de viagem, a revista de bordo e as outras compradas antes de embarcar. Depois escuto música, especialmente se é bossa nova, gênero que nos transmite a ideia de que voar vale a pena e que, mesmo na solidão, pode haver poesia.
De vez em quando, sintonizo a pequena tela no canal da rota, onde aparece a posição da aeronave. Quando mostra a passagem pelas ilhas vulcânicas de Cabo Verde, na costa da África, sinto um certo alento. A viagem de doze horas se encaminha para a parte final.
O surgimento da aurora ilumina o oceano, colhe o pássaro em pleno voo. Nas suas entranhas, os primeiros movimentos dos viajantes a acordar. É servido o café da manhã. A insônia agora tem companhia. A vida segue para quem dormiu e para quem não dormiu. O novo dia chega cheio de vida para todos. A grande ave, enfim, vai pousar. Graças a Deus.
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photo: j.finatto
De vez em quando, sintonizo a pequena tela no canal da rota, onde aparece a posição da aeronave. Quando mostra a passagem pelas ilhas vulcânicas de Cabo Verde, na costa da África, sinto um certo alento. A viagem de doze horas se encaminha para a parte final.
O surgimento da aurora ilumina o oceano, colhe o pássaro em pleno voo. Nas suas entranhas, os primeiros movimentos dos viajantes a acordar. É servido o café da manhã. A insônia agora tem companhia. A vida segue para quem dormiu e para quem não dormiu. O novo dia chega cheio de vida para todos. A grande ave, enfim, vai pousar. Graças a Deus.
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photo: j.finatto
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
A chuva de vestido
Jorge Adelar Finatto
De sol passou a chuva. Assim, sem aviso. Veio um vento, nuvens correram. Bateram uns trovões danados, luziram clarões. Caíram os primeiros pingos. Quase tudo ficou calado, submerso no som da chuva.
Estava sentado no café, numa mesinha de frente, atrás do largo vidro da janela. Lia alguma coisa e olhava a praça do outro lado da rua. Um peixe com grossas lentes no aquário.
Apareceu então aquele vestido vermelho, correndo, iluminando o coração deserto.
Soaram em mim uns acordes de Joaquín Rodrigo, sei lá, a tristeza e o sonho do Cavaleiro da Triste Figura.
Apareceu então aquele vestido vermelho, correndo, iluminando o coração deserto.
Soaram em mim uns acordes de Joaquín Rodrigo, sei lá, a tristeza e o sonho do Cavaleiro da Triste Figura.
De longe não se via a dona do vestido. Só a mancha vermelha atravessando a praça, em diagonal, entre os canteiros de rosas. Uma visão fugidia, deslizante, da direita para a esquerda, em linha descendente.
Um vestido vermelho andaluz. Naquela praça que chovia. Na tarde do coração deserto.
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