Jorge Adelar Finatto
Era quase meia-noite quando saí do consultório do dentista. Tinha viajado cerca de 500 quilômetros até Porto Alegre, dirigindo o valente Monza. Cheguei e fui direto para a consulta.
Na época, 1996, jurisdicionava a vara criminal da comarca de Santo Ângelo, na Região das Missões do Rio Grande do Sul, perto da Argentina. Os compromissos e a grande distância da capital faziam raras essas viagens.
Na época, 1996, jurisdicionava a vara criminal da comarca de Santo Ângelo, na Região das Missões do Rio Grande do Sul, perto da Argentina. Os compromissos e a grande distância da capital faziam raras essas viagens.
Tinha deixado o carro no estacionamento de um posto de gasolina, do outro lado da rua. Era preciso encher o tanque. Havia apenas um funcionário àquela hora tardia e ele veio me atender.
Enquanto o veículo abastecia, ele se aproximou e disse que me conhecia. Ah, sim?, de onde - perguntei-lhe.
- O senhor é o juiz que me julgou e me condenou no processo criminal em que fui réu.
Era tarde, uma noite fria de agosto, quase ninguém na rua. Eu não sabia o rumo que aquela conversa ia tomar. Não recordava daquele rosto, por mais que me esforçasse. O homem falava pausadamente.
Não sabia o que dizer, então falei:
- Mas então, como vai a vida? Vejo que estás trabalhando, isso é muito bom.
Impassível, ele limpava o vidro dianteiro. Continuou:
- Eu andava perdido, tinha problema com drogas, vieram os furtos. O senhor não se lembra de mim. Sabe por que eu não esqueci? Porque me tratou com respeito nas audiências, durante todo o processo. Me tratou com educação. Quando alguém na sala começou a me agredir com palavras, mandou que cessassem as agressões e que todos ficassem calmos. Nunca vou esquecer.
Depois, paguei a gasolina, agradeci o serviço, desejei-lhe sucesso na vida e fui embora.
Este fato me impressionou pelo tipo de percepção que revela. O que mais marcou aquele indivíduo não foi tanto a condenação (talvez esperasse o resultado), mas a maneira como foi tratado no ambiente judicial.
A instrução de processos criminais costuma ser penosa para os acusados e especialmente dolorosa para as vítimas.
O processo é instrumento de realização de justiça e, portanto, de humanização da sociedade. Nele não pode haver espaço para vingança, humilhação, maus-tratos. O que se busca é a aplicação da lei e dos princípios que movem o Direito, visando restaurar a ordem jurídica.
Nesse sentido, o respeito entre todos os envolvidos na relação processual é fundamental.
Para muitos dos que chegam ao Judiciário na condição de réus, em ações penais, a sala de audiência é a escola que faltou lá atrás, infelizmente. O dever mínimo do Estado, em tal situação, é garantir um tratamento digno às pessoas, respeitando cada uma nas suas circunstâncias.
O modo como nos tratamos uns aos outros define o tipo de sociedade em que queremos viver e o país que estamos construindo.
O fato de sentir-se respeitado durante o andamento do processo talvez tenha contribuído para aquele homem refletir e mudar seu comportamento. É o que espero, do fundo do coração.
Não sabia o que dizer, então falei:
- Mas então, como vai a vida? Vejo que estás trabalhando, isso é muito bom.
Impassível, ele limpava o vidro dianteiro. Continuou:
- Eu andava perdido, tinha problema com drogas, vieram os furtos. O senhor não se lembra de mim. Sabe por que eu não esqueci? Porque me tratou com respeito nas audiências, durante todo o processo. Me tratou com educação. Quando alguém na sala começou a me agredir com palavras, mandou que cessassem as agressões e que todos ficassem calmos. Nunca vou esquecer.
Depois, paguei a gasolina, agradeci o serviço, desejei-lhe sucesso na vida e fui embora.
Este fato me impressionou pelo tipo de percepção que revela. O que mais marcou aquele indivíduo não foi tanto a condenação (talvez esperasse o resultado), mas a maneira como foi tratado no ambiente judicial.
A instrução de processos criminais costuma ser penosa para os acusados e especialmente dolorosa para as vítimas.
O processo é instrumento de realização de justiça e, portanto, de humanização da sociedade. Nele não pode haver espaço para vingança, humilhação, maus-tratos. O que se busca é a aplicação da lei e dos princípios que movem o Direito, visando restaurar a ordem jurídica.
Nesse sentido, o respeito entre todos os envolvidos na relação processual é fundamental.
Para muitos dos que chegam ao Judiciário na condição de réus, em ações penais, a sala de audiência é a escola que faltou lá atrás, infelizmente. O dever mínimo do Estado, em tal situação, é garantir um tratamento digno às pessoas, respeitando cada uma nas suas circunstâncias.
O modo como nos tratamos uns aos outros define o tipo de sociedade em que queremos viver e o país que estamos construindo.
O fato de sentir-se respeitado durante o andamento do processo talvez tenha contribuído para aquele homem refletir e mudar seu comportamento. É o que espero, do fundo do coração.
Adelar, certa vez em nossos encontros, me relataste esta estória. Senti o potencial literário do assunto e não sei se comentei isso contigo.
ResponderExcluirHoje, vejo este fato se tornar estória.
Da qual se pode tirar grandes lições.
Abraço.
Ricardo Mainieri
Foi José Mauro de Vasconcelos quem escreveu, acho que no seu livro Doidão: "Uma gota de ternura bastaria para salvar sua adolescência" (cito de memória, talvez não seja bem isso). Penso que se aplica a todos. Para a maioria das pessoas, ser tratado com consideração e respeito abre portas.
ResponderExcluirTratar o outro como gostaríamos de ser tratados, o ensinamento vem de longe, está lá na palavra de Cristo.
Isto é revolucionário.
Um grande abraço,Ricardo.
JF