sábado, 31 de agosto de 2019

"Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos"

Jorge Finatto
 
araucária. Canela. photo jfinatto
 

Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos. Tão lindo esse verso de Vinicius de Moraes.* O grande poeta brasileiro de quem, na adolescência, eu sabia quase todas as letras de música de cor, tanto me fascinavam sua lira e seu balanço. Isso sem falar dos poemas publicados em livros.
 
Não guardo os velhos sapatos de meu pai, nem dos avôs.  Se os tivesse, carregariam terras da Itália nas solas gastas, e muito espanto, muitas perdas, muita angústia entre mundos tão diferentes. E muita gratidão pela vita nuova no sul do Brasil ao lado de outros expatriados como eles, inclusive aquele um trisavô (ou trisavó) cujos pais vieram como escravos da África. 
 
Mas eis que hoje é sábado, último dia de agosto. Faz frio e chove em Canela. Estou no escritório folheando livros nas estantes. A neblina estende suas sedas brancas além das janelas.
 
No quintal a araucária vertical. Aqui na montanha se vê longe. Não fiquei com os velhos sapatos ancestrais, e gostaria. Mas trago tudo dentro de mim misturado. E sou como o pinheiro. Tenho espinhos, mas dou frutos.
 
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*Jardim Noturno. Poemas Inéditos. Vinicius de Moraes. Poema "Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos", p. 30. Companhia das Letras, 1993. São Paulo.

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