quinta-feira, 28 de abril de 2011

Aos que dizem que tudo é possível

Jorge Adelar Finatto


Aos que dizem que tudo é possível, eu digo sim, tudo pode via a ser. Mas que venha logo, sem demora, sem promessas delirantes, que desperte, enfim, a luminosa manhã. 

A treva tomou conta do Brasil, da cidade, da minha rua, entrou na minha casa.

Fugir pra onde? Se tudo em volta suspira e dói. 

Se tudo é possível, que venham as pequenas alegrias, as inesperadas ternuras, os abraços escondidos, as urgentes revelações, as mãos dadas.  

Se tudo é possível, um casal dançará um fado rasgado em plena calle deserta.

Se tudo é possível, abrirei o guarda-chuva e sairei pela noite em busca de açucenas em setembro pra deixar em tua porta.

E se tudo for mesmo possível, vamos enfrentar o problema do medo de viver

(a morte, essa coisa numerosa e fria, está em toda parte e não faz mais espanto).

Dizem eles que tudo na vida é possível.

Que venha depressa essa ventura.

Que não nos falte o impossível amanhecer.

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Foto: J. Finatto

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Apresentação da revista Nova Águia dedicada a Fernando Pessoa



Miguel Real e Renato Epifânio estarão na Casa Fernando Pessoa dia 29 de Abril pelas 18h30 para a apresentação do novo número da revista Nova Águia, que tem como tema Fernando Pessoa: 'Minha pátria é a língua portuguesa' - Nos 15 anos da CPLP. A Nova Águia - que surgiu em 2008 - é hoje uma referência incontornável no panorama cultural lusófono, estendendo-se as suas apresentações públicas a largas dezenas de cidades não só em Portugal, mas também no Brasil, em Timor-Leste, Cabo Verde, Índia e Angola. A lista de colaboradores inclui nomes consagrados como António Braz Teixeira, Adriano Moreira, António Telmo, Pinharanda Gomes, António Cândido Franco, Artur Manso, Miguel Real, Joaquim Domingues, Manuel J. Gandra e Jorge Telles de Menezes, mas dá também voz aos novos autores da lusofonia. Inspirando-se na visão de Portugal e do Mundo de Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, a Nova Águia assume-se como um órgão plural. Na mesma ocasião será ainda apresentada a revista Letras com Vida, do Centro de Literaturas e Culturas Europeias e Lusófonas da Faculdade de Letras de Lisboa.

Câmara Municipal de Lisboa
Casa Fernando Pessoa
R. Coelho da Rocha, 16
1250-088 Lisboa
Tel. 21.3913270
Autocarros: 709, 720, 738 Eléctricos: 25, 28 Metro: Rato

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Reprodução de notícia da Casa Fernando Pessoa.

terça-feira, 26 de abril de 2011

A palavra em silêncio

Jorge Adelar Finatto


Reescrever será, talvez, o vero escrever.

A palavra em silêncio é a palavra em estado de poema. É a expressão que busca, no cotidiano, a poesia existente nas coisas e nos seres.

O poeta não faz poesia, disse o poeta cruz-altense Heitor Saldanha. O poeta faz o poema, ensinou Heitor, sem nenhuma intenção professoral, do alto do seu gênio e da sua humildade.

A poesia existe em si, solta no mundo, enquanto o poema é a tentativa de colher esta revelação.

Nada grita como o poema, esta construção verbal, quase sussurro. O poema não é marketing pessoal, não quer vender nada. É como um rio vivo, correndo no fundo da memória e do tempo.

A palavra, irmã da vida, vida cheia de sofrimento, encanto, esperança, vida que quer ir além da miséria existencial, vida nossa de todos os dias, que tão pouco conhecemos.

O verso é a procura da comunicação, nasce em silêncio, abre caminho para a claridade. O poema reduzido ao rumor de sua incomparável verdade.

A expressão avessa ao ruído da conveniência e do agrado fácil, que só se afirma na medida do alvoroço interno da própria luz que produz.

A palavra lavrada a frio, na entranha quente da vida.

O ato de publicar em livro deve ser exceção no ofício do escritor. Uma parte significativa do que se publica não tem qualidade para ser impressa. O respeito ao leitor, e até mesmo às árvores que se derrubam para fazer livros, requer isso. Podemos ser exigentes naquilo que escrevemos.

Precisamos dar o nosso melhor, fazer o possível. É claro que sempre há uma insegurança quanto ao que, como e quando publicar. Mas em geral o bom texto emite sinais, se impõe como algo que poderá ser socializado através da publicação.

Reescrever será, talvez, o vero escrever.

Uma parada na estação-gaveta, por algum tempo, pode salvar um texto. Em literatura, prefiro o fazer pouco, mas fazer bem.

Publicar qualquer coisa, publicar por publicar, fazer carreira de poeta ou escritor, não é  e nunca foi o meu caminho. As coisas ruins que publiquei o fiz pensando que eram boas. A gente também se engana.

Ninguém deve se sentir acuado diante da palavra. Ninguém está obrigado a só escrever matéria excelente, isso só aumenta a angústia e desestimula. Não existe, de resto, a obra literária perfeita.

A alegria precisa ser nossa irmã na travessia da escrita.

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Foto: J. Finatto

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O que vem chegando

Jorge Adelar Finatto



O que vem chegando
desde muito longe
no longo apito
do navio

saudade de mim?


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Do livro O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
Foto: J. Finatto

sábado, 23 de abril de 2011

Manhã de Páscoa

Jorge Adelar Finatto



O que as mulheres estão olhando? O que vem pela frente na estrada do tempo? Quem ficou em casa sem nada esperar?

Que mistérios, que notícias virão enrolados nos palimpsestos da manhã de Páscoa?

O amanhecer avança entre as sombras, espalha-se no ar azul.

O que há de luminoso no domingo de Páscoa é que todos estão vivos. Anda pela casa o cálido rumor de vozes, conversas, cantigas, risos, que começa na quinta-feira Santa e se estende até a Ressurreição.

Todos estamos vivos e a esperança habita entre nós.

A vida vence a morte e nada está perdido.

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Imagem: pintura Manhã de Páscoa, de Caspar David Friedrich (1774 - 1840). Fonte: Museu Thyssen-Bornemisza, Madri, Espanha: http://www.museothyssen.org

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Talvez com a chuva

Jorge Adelar Finatto


Talvez com a chuva
recupere a coragem
e saia por aí batalhando
as coisas que acredito

talvez nos tornemos
até bons amigos e unidos
expulsemos o medo
pra fora das gavetas

talvez a gente
consiga se olhar
e vai ser
o começo de tudo

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Poema do livrinho Viveiro, Edições Sanguinovo, São Paulo, 1981.
Foto: J. Finatto

terça-feira, 19 de abril de 2011

The maker of auroras

Jorge Adelar Finatto


Give me your hand,
may afternoon,
your slender rain
your memory filters
your clearness

the heart persists
in the slow construction
of the mornings

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Poem from the book O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Foto: J. Finatto