O Cavaleiro da Bandana Escarlate
Estou num café, sentado diante da xícara fumegante de cappuccino. O livro de contos do Juan Carlos Onetti aberto ao lado. Para quem estava há quatro meses sem sair de casa, nas cercanias da Praça Maurício Cardoso, em Porto Alegre, esse é um belo momento. A convite do blog escrevo essas linhas sobre o Festival de Cinema de Gramado. O que mais posso querer da vida?
Quando saí de Porto Alegre, chovia, fazia frio e a melancolia tomava conta do lugar. Aqui o clima é outro. Faz muito frio, neva de vez em quando, garoa, mas, pelo que vejo, ninguém está pensando em se matar, por enquanto. Através das paredes envidraçadas do café vejo os infelizes que andam na rua, onde a temperatura agora beira zero grau.
A praça, na frente do cinema em que acontece o festival, está quase deserta. O sino da igreja tocou. A fria madrugada avança através dos pinheiros e paredões de basalto. Entre a dureza da vida e a transcendência, existem caminhos a percorrer. O cinema nos ajuda na travessia. A arte nos torna pessoas melhores, se nos deixamos tocar e não fechamos as portas.
Eu queria poder voar sobre a torre da velha igreja. Em mim mora um monge rebelde e voador, que passa os dias na biblioteca, avesso aos deveres do templo. Um monge que não quer caminhar no vento gelado até o quarto de hotel a essa hora.
Confesso: as duas grandes estrelas que encantaram minha vida são, pela ordem, Beth Faria e A Feiticeira (Elizabeth Montgomery, infelizmente já falecida). Elas não têm culpa disso. Às vezes, na solidão do hotel, sonho que, ao dobrar uma esquina qualquer de Gramado, dou de cara com uma delas. A emoção é tal que, ao invés de tentar uma conversa, acabo acordando suado, com falta de ar.
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Na sessão de abertura (sexta, 6 de agosto), dois filmes brasileiros foram exibidos: Bróder e Enquanto A Noite Não Chega. São dois filmes razoáveis, no meu entender; o primeiro, mais razoável do que o segundo.
Bróder, dirigido por Jeferson De, segue a linha do cinema realista, abordando a temática da pobreza, do tráfico e da violência na periferia pobre de São Paulo. Envolve a vivência de amigos e de uma família. É um trabalho sério feito por gente séria. Mas a abordagem está muito colada a uma ideia realista de documentário, como vários dos filmes feitos a respeito. Acho que ainda falta uma boa história sobre o assunto, que não apenas mostre, mas que emocione, enleve, encontre fissuras na realidade, e permita respirar além.
Cássia Kiss participa do filme, com um ótimo desempenho, o que não é novidade. Ela disse tudo no palco, antes da projeção: falar da família, no cinema, é sempre muito importante.
Enquanto A Noite Não Chega, dirigido por Beto Souza, é baseado no livro homônimo do escritor gaúcho Josué Guimarães, tem uma boa fotografia, boa trilha musical, muito bons atores, Miguel Ramos e Clênia Teixeira. É um filme correto, mas arrastado. E há um excesso de lágrimas nos olhos dos personagens interpretados por Miguel e Clênia.
Quando sobram lágrimas no palco e na tela, elas acabam faltando na plateia, nos olhos do espectador.
O cinema argentino me deixou mal acostumado nos últimos anos, com obras raras como Clube da Lua, O Filho da Noiva, O Segredo dos Seus Olhos e por aí vai. O uruguaio O Banheiro do Papa é outro filme incrível. Gosto de ver boas histórias na tela, e boas histórias são, em geral, as histórias bem contadas, que nos fazem viajar de corpo e alma com elas.
Mas a opinião de alguém que não entende de cinema, mero espectador como eu, deve ser vista, no mínimo, com muita cautela. O indispensável é que cada um veja os filmes.
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Fotos: J. Finatto