segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O livro eletrônico

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. novas folhas nascerão
  

Se o caro leitor teme que o livro eletrônico poderá varrer do planeta o livro de papel, fique calmo, isto não acontecerá. Dia desses, vi na televisão (sempre ela) a demonstração de como funciona o livro digital.

As palavras estavam lá  na pequena tela luminosa, intercaladas por imagens, entre elas algumas que, tocadas com a ponta do dedo, movimentavam-se coloridas como num filme. São breves animações que ilustram o texto, podendo ser utilizadas, se assim quiser o leitor.

Gosto muito da associação de textos e imagens, o que fica claro no tipo de trabalho que tento fazer aqui no blogue. Se é possível acrescentar recursos técnicos que valorizam o texto, tornando a leitura mais atraente, com imagens, notas explicativas, dicionários, sons e outros, penso que isto é válido. Em nada prejudica a leitura, pelo contrário, enriquece o ato de ler.

Não sou favorável a qualquer manipulação do texto literário em função do suporte. Nada de resumos, cortes, compactações. Simplesmente, deve oferecer o texto tal como é, podendo o leitor usar ou não os recursos disponíveis.

O livro eletrônico é uma realidade irreversível. Ainda é muito caro, eu não me animo a comprar um. Mas deverá tornar-se cada vez mais acessível. Um mesmo aparelho, do tamanho de um livro de bolso, poderá carregar não só uma, mas várias bibliotecas, além de permitir o acesso a jornais e revistas em meio digital, entre outras possibilidades.

O livro impresso não irá desaparecer, mas sem dúvida deixará de ser o principal instrumento de leitura. Gente como eu, que ama o livro de papel, nada perderá. Haverá outras opções de leitura apenas, e isto é muito bom.

Com relação à formação das novas gerações de leitores, acredito que a tecnologia aplicada ao livro vai facilitar bastante o processo, nestes tempos em que o computador faz parte da vida das pessoas.

Estarei sendo moderno ou ingênuo além da conta? Terei sido abduzido por falsas promessas de felicidade?

O que vocês acham?


domingo, 4 de setembro de 2011

Não escrevemos o primeiro verso

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. magnólias


Não escrevemos o primeiro verso
há tudo por ser dito
mas sou teimoso
insisto no jogo

quando desanimares pensa em mim
que não abandonei as ferramentas
que não dei um verso para a eternidade


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Do livro Claridade, Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, 1983.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ah, uma tarde solto por aí

Jorge Adelar Finatto


barco de papel: j.finatto

Ah, uma tarde solto por aí. Navegando pelo rio no meu barco de papel. Ao largo do continente, sem compromissos, distante das mesquinharias, das bocas que nunca se calam, da violência, das cotidianas grossuras e vaidades.

Esqueço de mim, de ti, da nossa infinita desimportância no arranjo cósmico.


Deito no fundo do barco, olho as nuvens. 

Descortino o voo leve, lento e branco da gaivota. Só escuto o som do vaivém das ondas batendo na quilha.

Ah, um dia longe da cidade, disso tudo que tira a cor da alegria e corrompe a força da beleza.

Coração ao vento, sem hora pra voltar. 


quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A caixa do mágico


Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. saudade de Passo dos Ausentes


Tão divagado, tão ermo, tão falto de poder.

Um bardo não devia sair por aí numa hora dessas.  A temerária cidade e seus perigosos caminhos.

Alguém falou que é tarde demais, a utopia afundou, o encanto acabou, é melhor desistir dos sonhos.

Eu sei que é madrugada, faz frio, setembro dobra a esquina e quase tudo está perdido.

Trago a poesia na caixa de mágico.

Por isso abri o guarda-chuva e atravessei o medo da cidade. Por isso fugi da escura casa. Por isso, pra não secar o rio dentro de mim, estou aqui perto da tua ausência.

Para ir ao teu encontro escolhi as melhores palavras no livro dos espantos. Nessa longínqua hora. 

Carrego um lírio numa mão e o chapéu cheio de pássaros na outra. Eles não param de sair.

Os meus pássaros voam para ti e em teu nome levantam o róseo véu da aurora.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Vingança

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto



O que eu faço sentado
na solidão desta praça
que o outono pintou
de amarelo?

eu me vingo das salas


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Do livro Claridade, Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, 1983.


domingo, 28 de agosto de 2011

Promessa do sol

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto



Estou vivo e lúcido
na tarde da América do Sul

entre palmeiras verticais
e andorinhas azuis

entre o que restou do teu jeito
e a promessa generosa do sol
batendo na minha cabeça



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Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Navegador de barco de papel


Jorge Adelar Finatto

O poder e a vaidade perdem o homem.
Barcos de papel, às vezes, podem salvá-lo.


photo: j.finatto. cais de porto Alegre


O pequeno barco do caderno escolar levanta âncora no bolso do homem sério e triste.

Um homem circunspecto, com tantos casos para decidir.

Quem o vê saindo assim para o trabalho, de manhã cedo, terno, gravata e pasta, não imagina o que leva no coração.

Olha o mundo através das grossas lentes dos óculos, carrega perplexidades e sonhos que ninguém percebe.

O barco de papel desliza entre as vagas do dia pesado e cinza.

O navegador sonha a fuga do real, ao avistar o Guaíba da janela do gabinete.

A cidade vive dentro do rio uma existência invertida. No fundo das águas habitam seres harmoniosos, os gestos são calmos, existe esperança.

O navegador planeja o exílio do mar de conflitos e sofrimentos em que mergulha todos os dias.

No fim da tarde, caminha até a beira do rio, retira o barco do bolso, solta-o na água. Larga a pasta, tira a gravata, o casaco, os sapatos, empurra a embarcação e salta para dentro.

O vento com cheiro de água doce e dos peixes que nela vivem expande a vela rumo ao Sul. Na quilha do barco o colorido infantil dos lápis de cor.

As ilhas observam a absurda solidão das pessoas no continente, a falta de amor, a falta de justiça.

Ele deita-se no fundo do barco, exausto, as mãos atrás da nuca. Olha as estrelas e a lua que aparecem aos poucos no céu. Anseia um lugar em que possa ter tempo pra sentir, pensar, conviver, olhar a paisagem.

Peixes prateados saltam pelos lados do barco, nadando na mesma direção.

O sol se põe.

Estar só no crepúsculo é o de menos.

Difícil é largar o barco dentro d’água, soltar a vela, buscar outras margens.

Difícil é não ser igual à pedra nem se dar por vencido.

No fim de todas as tardes, ele foge com o menino que mora dentro dele.

A felicidade civil de sentar no barco, olhando a cidade de longe, o movimento dos aguapés, a aquarela do pôr do Sol.

O rio abraça a cidade e suas dores.

O navegador do barco de papel presta atenção no ritmo das ondas, nas gaivotas, biguás, reflexos.

O rio está povoado de céu e peixes (sim, há peixes vivos, estrelas e nuvens dentro do rio).

Sinos tangem a música do entardecer sobre as águas do Guaíba.

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Texto publicado em 02 de janeiro, 2010.